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Meu Melhor Amigo?

 
Warley era um cara maneiro. Colegão mesmo! Não tinha tempo ruim pra ele. Topava todas as aventuras, sair para qualquer lugar, a qualquer hora. Por essas e por outras, era o meu melhor amigo. Só que o sujeito era pegajoso, pegajoso mesmo, igual carrapicho de capim. Todos têm um defeito. Warley tinha dois: ser pegajoso, e ter morrido de acidente algum tempo atrás.
Deitado eu estava, numa noite de sábado, ainda pensando no trágico acontecimento de semanas atrás, quando batem na janela de madeira do meu sobrado: Toc, Toc...
Foi um barulho meio abafado, tava chovendo lá fora, e a janela é de madeira, daquelas antigas que se abrem com tramela.
-Quem é?! - perguntei intrigado, já que o meu quarto é no segundo andar, e chegar até essa janela é um ato que demanda certa arte, e uma dose de coragem.
-Sou eu cara!... - disse uma voz familiar, meio num cochicho.
Logo, abri a janela, já que o som da voz não me era estranho. Do lado de fora, equilibrando-se sobre uma pequena amurada, estava Warley, ensopado, como um pintinho que acaba de sair do ovo! Na hora que o vi, um raio cortou o céu com tal frieza e com um forte estampido, como se gritasse: MAS COMO PODE... É WARLEY!!
Fiquei paralisado, observando aquela figura insólita, de repente lançada à minha frente, às 10 horas da noite, por, sabe-se lá, que mão macabra. Sorria, com a boca munida de apenas alguns dentes - quebrados ( devido ao acidente ) - o crânio esfolado, e branco, como há de ser a pior das aparições imagináveis!
Quando voltei a mim, cerrei logo a janela, com o coração já na boca, e catalogando mentalmente as coisas que bebi na última semana. Como só bebo água, e um ou outro suco natural, e levando-se em consideração que jamais bebi álcool em minha vida, cheguei à conclusão de que o que eu via era verdade. Ou então, toda a realidade ao redor de mim era mentira.
Com a janela fechada, e perfeitamente abrigado, ao virar-me em direção à porta para correr - quem encontro de pé atrás de mim, em frente a televisão? Sim. Warley! Com uma maldita roupa branca, daquelas de necrotério, abertas atrás, só para o cadáver não ficar nu.
-Me ajuda aqui, velho! - falava pra mim, me apresentando uma agulha gigante com uma linha enorme, daquelas que se suturam os mortos.
Ele se despiu daquela roupa, e o que vi deixaria qualquer um apavorado, até mesmo Ulisses, que atravessou as portas do inferno.
Ele tinha sido costurado mal e porcamente, por um profissional de péssima qualidade, pois a distância de uma costura a outra chegava a pelo menos um palmo de distância. Isso fazia com que os algodões que o recheavam, escapassem pra fora e caíssem molhados de uma coisa roxo-avermelhada, como se ele fosse uma maldita boneca de pano, que se encharca toda na chuva e fica com a barriga inchada.
Ele veio na minha direção, mas tinha dificuldades de andar, então pegava uma perna, e lançava pra frente... pegava a outra, e fazia o mesmo... e assim sucessivamente, semelhante a uma marionete de arame.
O pescoço dele não tinha firmeza, por isso, deixava a sua cabeça sempre caída sobre os ombros, e balançando, toda vez que dava um passo na minha direção...
Piquei a mula pela janela! Que amigo é esse que vem me atormentar a altas horas da noite? Se esperasse pelo menos o dia amanhecer...
Corri muito, afinal, do jeito que ele andava, jamais me alcançaria!
Mas quando dei por mim, ele estava por cima dos meus ombros, agarrando a minha cabeça, enquanto os malditos algodões caiam!
Tentei jogá-lo no chão, mas ele estava agarrado em mim, de uma forma inexplicável! E quanto mais eu balançava para tirá-lo a força, mais o recheio dele caia, e mais pregado em mim ele ficava.
Logo, todo o recheio caiu, e ele ficou ali, como uma pele vazia sobre mim, e ainda continuava oferecendo-me a agulha para ajudá-lo!
As pessoas me viam na rua daquele jeito, e saiam correndo, por que elas também o viam, e aquilo as incomodava por demais. Eram gritos, berros e desmaios. Muitas vomitavam uma nas outras, algumas tinham crises de loucuras, e outras saltavam das pontes! Foi a coisa mais bizarra que eu já vi!
Com muito custo, lancei-o da ponte no rio lá em baixo. E a pele desceu flutuando por sobre as águas, como uma casca de borracha vazia. Claro que não me livrei dele, ele sempre aparece por aqui, mas já conversamos muito sobre essa sua mania de me assombrar a noite. Afinal, éramos amigos. Então fizemos um trato. E ele concordou... O acordo consistia em que, todos aqueles que lessem esta estória, seriam visitados por ele, numa noite escura qualquer, para suturar-lhe a pele e dar descanso à sua alma. Até que dissessem, três vezes, a palavra cabalística na frente do espelho...
A palavra é esta: Agora estou livre da maldição do carrapicho... Agora estou livre da maldição do carrapicho... Agora estou livre da maldição do carrapicho...
Boa sorte!


j

 
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London
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