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TUBERCULOSE IV

 
IV

Um beija-flor veloz suga os néctar das flores da romãzeira . Os raios solares refletem nas folhas, o friozinho típico das manhãs invernais. Lembrando-me da abertura do livro de Miller "Tropico de Câncer" - com Boris catando os piolhos chatos - ainda vou escrever assim - não me recordo o nome da vila, num subúrbio tranquilo de Paris. Quem me falou a primeira vez de Miller foi o meu falecido e eterno compadre Jacob. Imediatamente sai a procura do mesmo e para minha sorte o encontrei na banca do Irmão na Avenida Magalhães de Almeida. Admirei desde a primeira pagina e cada vez envolvia-me naquela prosa fluida. A pobre vida que levava, mas sem nunca perder a fé na sua literatura. Um exemplo para mim. Releio "Tropico de Capricórnio'"e viajo no seu bonde ovariano.
Bocejo depois de datilografar algumas folhas e acrescentar manualmente a letra A. O passeio pelo mercado, pela lojinha de Cabeludo - e nem bem vou virando o canto da Praça do Bacurizeiro ouço a voz alta e ébria de Alan:
- Lá vem o poetinha safado da França! - Aquelas palavras me deixaram chateado, que entrei rapidamente no portão do mercado e vim para cá injuriado. Vou evitar frequentar. O certo mesmo é me isolar, ficar aqui no quarto de TB, tenho tudo de que necessito. Não estou querendo em desfazer dos meus ex-parceiro, devo procurar o meu lugar e não entrosar-me com ninguém. Quem tem Tolstoi, Dostoievski, Balzac, Proust, Hemingway, Ubaldo como companhia não precisa sair por ai, eles estão aqui - Miller, Kerouac e outros. Cheguei cansado, mudei de roupa de roupa, deitei-me e cochilei. Espantei-me pelo chamado da Grande Matriarca para tomar o copo de leite desnatado. O gato branco do vizinho mia no terraço. Sinto o corpo mole. A matriarca na beira da pia preparando o almoço, o Patriarca deitado vendo a televisão e Seu Pietro como sempre no computador. Larissa e seus gatos abusados. Uma camiseta branca, uma bermuda jeans surrada de azul de tanto lavar ficou branca, herança de Dona Van pendurada no varal ao lado da toalha. Fico chateado comigo mesmo. Quando estou deitado, a mente funciona a mil, o texto pronto, mas vou colocar no papel evapora-se.
Tudo em cansa e entrego-me ao sono. O corpo fatigado, uma inconstância. Dormindo e acordando sempre aqui no meu santuário. O Patriarca saiu para a caminhada vespertina na Praça do Viva. Sinto-me abatido em vontade de nada - escrevo forçado por que tenho que escrever para não enlouquecer ou morrer de tédio. Ainda pouco pensava na rua Afonso Pena onde nasci e me criei, não tínhamos vizinhos - era esquisito, deserto a noite e mal-iluminada. A ladeira. O imponente casarão dos Carvalhos na esquina com a travessa da Lapa, onde por um certo tempo serviu de Clube da Esquina, todas as noites reuníamos para conversar besteira, falar mal dos outros, coisas de quem não tem nada para fazer. Mesmo com todas essas coisas, eu a amava e continuou a ama-lo. Nossos vizinhos eram um grande frigorífico da Cibrazem com seus barulhentos compressores fazendo gelo com seu enorme pátios de estacionamento de um lado e do outro a Fabrica de Fio Vencedor que nos despertava todos os dias as sete horas da manhã exceto ao domingo com seus teares antiquados, os proprietários eram portugueses. Mais embaixo, a serraria de Seu Lobato, era um vesgo com a cara marcada por varíola,tinha uma Kombi não enxergava bem o que contribua para os seus empregados meterem a mão, desviando muitas mercadorias, principalmente tábuas e sacos de cimento. No final, a Fabrica de extração de coco babaçu COPISA que incendiou-se numa noite de 73 - foi um pesadelo para nos, os únicos moradores, passaram-se meses para debelar o fogo nos babaçus. D outro lado em frente, no alto de um prédio rebocado se cimento aparente, funcionava um puteiro brega chamado "Maracanã', todas as noites, das nove as duas da madrugada, a radiola em alto volume tocando os discos de vinil de Valdick Soriano, Nelson Gonçalves e outros. - embaixo o deposito da loja Marc Jacob.----------/ A fabrica de Gelo de Seu Enéas, que depois vendeu para Zezé Salomão. A oficina dos Boaventura na esquina com o Beco Feliz. O comercio de Seu Alonso Rabelo, muito amigo de Papai, todas as noite depois que fechava o seu estabelecimento vinha conversar com papai. Os botecos de Seu Nilo Arouche e de Seu Aquino, o sobradinho de seu Oiama, A porta e janela de Dona Domingas e na esquina a mercearia de Seu Juraci. O imponente casarão do "Mata-homem" que alugava cômodos para as putas na esquina da ladeira da travessa da Lapa e no outro canto o restaurante de Seu Pedro. Na boate Maracanã era raro não terminar debaixo de brigas, facadas e até homicídio. As Putas gritando, fazendo algazarra que somente elas sabem fazer. Os pescadores cearense do alto-mar rivalizavam com os cabocos das praias. Nesse tempo não havia ainda o anel viário era grande o numero de embarcações; barcos, iates e lanchas. O comercio faturava e todo mundo ganhava. Os ladrões e os viciados refugiavam-se na Vacaria. Com o advento das estradas de rodagem para a baixada, o movimento começou a cair. Primeiro que fechou foi a fabrica de fio, depois a serraria. Papai resistiu até 1988, quando fechou o comercio, vendeu casa grande para pagar a Previdência Social e assim aposentar-se com mamãe. Começou a diáspora da Família Bamba. Hoje resta apenas Seu Biné Boaventura, o torneiro e seus filhos na grande oficina. A rua calçada de paralelepípedo, os postes de ferros, a iluminação subterrânea, o casarão colonial do comercio de Seu Alonso com placa de venda. A Cibrazem,a imagem do abandono, o mato invadiu o pátio, o telhado enfraquecido desabou. Mas mesmo assim amo o meu bairro e como gostaria de voltar a morar lá. Enxugo-me ao vento, enrolado na cintura pela toalha, sentado na cama depois do banho. Os dias custam a passar, mas vou relendo e levando como posso a minha triste sina.

- Quinze para seis - Venho para o terraço, esperar a noite chegar, pegando um 'fresco' do final das tardes. Larissa e os seus gatos abusados. O patriarca chegou da caminhada, esta contente comprou uma televisão de plasma e colocou no quarto do casal. A bandeira surrada do Brasil tremulando num poste da quadra da Praça do Viva. Uns guris conversam do outro lado da rua na calçada em frente a o Salão do reino. O cabelo grande e a barba espessa dão-me aparência de um forçado das galés, magro com estou, não é preciso ser adivinho para descobrir que não estou muito bem de saúde. Entro e vou para os meus aposentos apanhar o,lenço. Larissa em pé na cabeceira da mesa, preparando salada para o Patriarca. Seu Pietro no banheiro. A Matriarca no quintal engendrando alguma coisa. Lembrei-me do mitológico personagem do grande mestre francês Victor Hugo, o forçado Jean Valjean, condenado as galé por causa de um pão que roubou para dar aos sobrinhos famintos e o seu cruel perseguidor, o inspetor Javert, a inocente Cossete e a triste vida de sua bela mãe, vendendo os cabelos, os dentes e se prostituindo para mantê-la na taberna dos desalmados Thenardier. Engoli o escarro. Uma cena comovedoramente triste é daquele quando a pequena Cossete comum balde maior que ela vai buscar água na fonte longínqua , dentro da floresta na noite escura. Pobre menina. pauvre petite. Vou reler este "La petite toute seule" - Sempre me emociono quando leio este triste capitulo - une pauvre enfante d'huit ans seul dans le bois. Quem não se comove. Seu Pietro tranquilo deitado no sofá grande ( o pequeno foi infestada por cupins e a matriarca jogou fora) brinca no celular enquanto espera o jantar..

Hoje eu me pergunto, porque me embriagava constantemente? Qual era a razão de buscar na embriaguez alguma autoafirmação?Às vezes não me contentava e saia a noite pedindo para um e para outro me humilhando por uma dose, rebaixando-me - sendo inconveniente e sem vergonha, naquele momento era tão natural os vacilos que dava. Tive sorte de não levar uns tapas ou brincadeiras de mau-gosto. Ainda bem que abri os meus olhos e vi que aquela vida não era a minha, mas mesmo assim esforçava-me, me embrenhava na cachaça em companhia dos papudinhos. Eles ainda estão lá, todos os dias, encharcando as suas almas, suavizando as suas angustias. Tenho outros planos, mesmo levando essas molezas que nunca me abandonaram. Foram quase uns seis anos. Todos os dias, depois do expediente vangloriava-me, achava-me o tal. O beberrão, vacilando. Mas Deus é bom. E apesar dos apesares, Ele esta sempre me mostrando a realidade. Um casal de gatos no cio, uma miadeira enjoada. Venho para o meu quarto, mudo de roupa e visto o meu pijama improvisado.

 
Autor
r.n.rodrigues
 
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