Prosas Poéticas : 

DOIS DE MARÇO

 
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DOIS DE MARÇO

O curioso é ver como as pessoas se relacionam.

A gente se conhece, se desconhece e se reconhece: É como um ciclo cada relação!
E amadurecer talvez signifique entender esse ciclo. Ponderar sobre o momento de cada um.

Sim, nesse momento posso estar desconhecendo alguém que conheci para a reconhecer...
Meus olhos param de procurar outros olhos e se encantar com outros sorrisos.
Meu coração parece hibernar, batendo lento e suave. Um pulso quase imperceptível.
Quem me visse diria que não habito mais meu corpo...

No entanto, todos os dias eu me levanto cedo; trabalho e cumpro minhas obrigações.
Quando tenho tempo livre, escrevo e leio compulsivamente.

Não culpo mais a mim ou a Deus. Pacificado, embora
não consiga rezar ou ter qualquer acto tendo vista a minha salvação
fosse mediante fé; fosse mediante obras...
Não me salvo ou permito que me salvem. Tenho passado os dias indiferente a isso.

Deus, quem quer que seja Ele, não tem me inspirado o desejo de ser salvo,
portanto, está me destinando ao limbo que pouco difere de minha vida actual.

Não me incomoda isso.

Se Deus não me quer entre os seus, Ele deve ter lá suas razões.

Nunca vi a salvação como mérito pessoal, sim como uma alegria inspirada pelo divino capaz de levar o homem a se aproximar do sagrado.

Alegria essa que não experiencio há séculos...

Penso que quando a Fé acaba, tudo o que resta é religião, isto é, a sistematização da necessidade humana de conhecer Deus mediante práticas, hábitos, tradições, regras, ideais, respostas...

No fim, o amor se impõe como o dedo de Deus apontado!

Obediente, amo. Mesmo que me sinta tão mal depois.

Não. As circunstâncias da vida não me permitem o amor. Eu devo apenas seguir em frente e tentar manter as coisas simples: Talvez todo encontro amoroso necessite ser fugaz.

Ainda assim, o amor permanece como um mistério. Sei lá... Não sei mais no que acredito.
Tampouco se ainda faz sentido acreditar.
Acreditar? Sim, acreditar: Saber sem saber porquê.

Humildemente, eu amo porque preciso amar. Isso me faz fraco porque suscetível.
Amando, eu me reconheço incapaz de ter uma experiência plena de mim.
Ouvir e ser ouvido; tocar e ser tocado; ver e ser visto... O outro faz com qu'eu me revele a mim.

Se Deus for de facto amor, minha pequena fé pode brilhar como o sol e, amando, eu posso ser capaz de ser melhor; de querer ser melhor. Por consequência, beatitude e santidade.

É apenas por amor que alguém se torna bom.

Betim – 02 03 2016


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/03/2016 12:59  Atualizado: 02/03/2016 12:59
 Re: DOIS DE MARÇO
*sempre me alcanças com tuas prosas...tu te tornas para mim um poeta de infinita humanidade!rsrsr.
Digo isso pois sinto plenamente as tuas introspecçoes e tuas ponderações.
Amor é a incognita que somente temos um certo entendimento seja racional ou emocional quando se cumpre no gesto, na pratica...
É tanto misterio viver! Eu acho.
Talvez por isso escrevo...sei la!
Divaguei legal!
Obrigado por esse momento
Abraçoka*


Enviado por Tópico
Ro_
Publicado: 02/03/2016 14:37  Atualizado: 02/03/2016 14:37
Membro de honra
Usuário desde: 25/09/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3985
 Re: DOIS DE MARÇO

Encantada...me fez pensar...
Um beijinho!


*-*


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/03/2016 15:40  Atualizado: 02/03/2016 15:40
 Re: DOIS DE MARÇO
Somos ainda infinitamente incapazes de encararmos a definição certeira de DEUS e de AMOR.

Sei, e não ao certo, que o mérito pessoal está diretamente ligado às nossas atitudes (obras), sejam elas para o bem ou para o mal.

Levando em consideração que somos energia em totalidade, nada mais lógico do que o bem atrair o bem; o mal atrair o mal (e destaco aqui, com humildade, que nada sei e que muita coisa ainda não aprendi!).

Somente na vivência do nosso "Eu" completo, adentramos no caminho longo do aprendizado, do aprimoramento e da evolução ( e confesso que isso é o mais complicado dentro de todo esse processo!).

Eu destaco o trecho da sua prosa que mais me chamou atenção: "Amando, eu me reconheço incapaz de ter uma experiência plena de mim.".(será porque quando amamos esquecemos de nós mesmos e passamos a enxergar somente o outro?? - não sei...)

Excelente prosa Ricardo e altamente reflexiva. Levo comigo para pensar a respeito.

Grata pela partilha.

Um abraço,

Anggela


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 03/03/2016 21:05  Atualizado: 03/03/2016 21:05
 Re: DOIS DE MARÇO
Gostei da longa reflexão. A mim evocou-me a leitura de De Docta Ignorantia sugerida a partir d' O Jogo das Contas de Vidro de Herman Hesse. Mas estes livros não se debruçam sobre o amor. Aliás parecem exprimir um ideal ascético. Sobre o amor um dos mais belos livros vem precisamente da tradição judaica: O Cântico dos Cânticos. Maravilhoso. Abraço