Crónicas : 

ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS

 
Sinto saudades de muitas coisas de minha adolescência. Muitas vezes fico a lembrar de momentos tão vivos em minha lembrança, de risos, de sonhos...
Como a vida passa depressa! Essa frase eu ouvia sempre as pessoas mais velhas dizerem, e naquela época eu pensava: "Não! a vida passa muito devagar!"

Eu queria crescer, queria poder engolir o mundo. Não queria ser adolescente, queria crescer...pensava em casar, em ter filhos. Em ter minha casa (como brincar de casinha). Pensava em tantas coisas...e a vida ia correndo, e eu pensando, e eu desejando sempre mais e mais...
Lembro-me das brincadeiras dançantes Da luz negra, do dançar apertadinho. Das carícias nas costas. Naquele cheiro de colonia com cuba-libre. Daquele mistério que era abraçar uma pessoa desconhecida, e dançar, de ouvir a voz no ouvido. De repente se afastar, mesmo dançando, e olhar no rosto. E sorrir.

Como era gostoso aquele entrosamento tão natural e tão simplista de duas pessoas que nunca se viram! E as musicas nos transportavam a lugares inimagináveis.. aquele tempo não precisávamos recorrer a "telas", tínhamos imaginação de sobra. Como era bom imaginar e ver ao vivo e a cores!
Mudar de menina sensual, para moleca, subindo nos telhados, correndo pelas ruas, procurando emoção Saindo na chuva, descalça, correndo, os cabelos ensopados, o vestido grudado na pele, abrindo a boca para comer o gelinho que caia...
Pegar a bicicleta e voar pelas avenidas, subir e descer, largando a mão do guidão..

Depois voltar para casa, e virar mulher...esperando um telefonema. Como era delicioso o escutar do telefone tocar, (o de casa, não o celular) e de ouvir aquela voz do outro lado. Conversar. Marcar encontro. E ficar a imaginar, o que vestir?
Tem uma cena do filme "Falling em Love" (o meu preferido) que a Meryl Streep vai se encontrar com o Robert De Niro, e experimenta umas 10 roupas diferentes. Se olha no espelho. Tira, põe outra. Olha-se no espelho. Sorri. Mexe no cabelo. Que linda essa sedução! Seduzir-se a si mesma, para seduzir o outro.

Quero de volta aquela magia. Ficar o dia todo na piscina, vestir meu vestido branco, curtinho, soltar meus cabelos, colocar colonia "COUTORE" (rs).
De viajar de onibus somente para ir a praia. Tirar a roupa e deitar na areia quente, passar bronzeador, entrar na agua, furar as ondas, rir muito, e depois a tarde voltar, ónibus cheio, pinicando de areia...mas tão feliz!
Lembro do jogo da verdade. Era feito entre os meninos e meninas da escola.

Juntávamo-nos no recreio a noite. Era tão excitante aquele jogo! Perguntas diretas, e principalmente daquelas pessoas que nos interessávamos Algumas diretas demais:
"Você já pensou em me beijar?" E eu, com a maior cara de pau:"Sim muitas vezes"... (risos).
E um dia, no recreio, ele me puxou pelo braço, e foi me levando para perto de uma escada. E me abraçou e me beijou. Era bem melhor do que o imaginado. Fiquei noites a sonhar com aquele momento, e o modo que foi conduzido. Chamava-se Gilberto. O "Gil". Tão popular entre as meninas. Fazia musicas, cantava em conjunto. Fez ate uma musica para mim!
Passou...mas me lembro vivamente desse momento. Ele no Festival da Escola cantando e eu na plateia pensando que iria morrer de paixao!

O flertar. Como o flertar era uma moda sensual e significativa. Os olhares se encontravam a distancia com tamanha intensidade, que parecia ate um toque de pele. A gente viajava naqueles olhos, entrava no túnel deles...ficávamos presos como se estivéssemos com um laço amarrado.
Como era gostoso, no inicio do namoro, o toque das mãos...entrelaçadas, olhando nos olhos com tamanho desejo, e apertando as mãos até esbranquiçarem os nós dos dedos. Parecia um beijo dado. Mas muito mais que um beijo naquele momento. O corpo tremia. A respiração se entrecortava.

Depois o beijo vinha, o romantismo da boca roçando a face, beijando os olhos, e descendo terna e cheia de desejo para a outra boca entreaberta.
E nos bailes aquele beijo sabor cuba-libre. Os corpos grudados, misturando-se com as colonias que cheiravamos na nuca. Tudo isso complementado com aqueles olhares intensos.
Onde esta agora esse beijo? De olhos fechados? A tontura, o formigar do corpo?

Quero de volta esse tempo do sentir. Quero aproveitar cada minuto dele, ao pressentir que o hoje seria assim tão maquinalmente frio. Queria aproveitar cada segundo, beber com o olhos, tocar com as mãos. Ouvir o coração.
Não queria ser jovem hoje e ficar passando torpedinhos, falando em MSN, trocando emails. Mandando fotos pelo celular.

Queria aquela juventude onde os torpedos eram os corações que ribombavam tão alto, quando estávamos dançando abracadinhos, que o MSN eram palavras ditas cara a cara...(olhos nos olhos) e que os emails eram as mãos unidas, os abraços apertados, e os beijos molhados. Bem molhados, sabor cuba-libre.
Quando deixavamos a mão entrar pelos vãos de nossa roupa, sentindo aquela emocao do proibido.
Não queria ser jovem hoje.
Mas queria ser jovem outra vez, no meu tempo.

Queria rir despreocupadamente sem pensar no aquecimento global. Na destruição do mundo. Na falta da agua. Na falta de respeito com o ser humano. A corrupção, a ganância, a violência, problemas de dinheiro, da fome. Desigualdade social. Aids. Câncer.
Muitas vezes reflito nesse poder da comunicação do computador. Da veracidade das palavras, das mensagens. Da responsabilidade de se dizer coisas num Blog. Do influenciar as pessoas.

Movendo o controle remoto >>>>>>> forward, não consigo enxergar como o mundo será daqui a alguns anos. Como os jovens chamarão o AMOR. Como as crianças olharão o MUNDO. Como o sexo será encarado.

Onde estarão os valores, aqueles que tanto lutamos para ensinar aos nossos filhos?

*Mary Fioratti*

(Aqui uma foto antiga, quando eu e minha turminha tiramos uma foto no meio da rua...)

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MaryFioratti
 
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Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 18/09/2016 13:46  Atualizado: 18/09/2016 13:46
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16075
 Re: ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS
Bons e velhos "times ", gastando todo o meu inglês. Muito bom pode passear pelo seu diário e conhecer um pouco mais de você e reparar que por mais distante que estamos no tempo ou no espaço, as vidas humanas são muito parecidas, a história adora uma repetição, uma repetição, uma repetição... Obrigado por compartilhar conosco seu momento pueril. Senti saudades de mim. Um beijão no cê!


Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 18/09/2016 19:05  Atualizado: 18/09/2016 19:06
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS
Mary
Seu texto me fez voltar no tempo! E confesso, eta tempo bom! Saudade danada! Eu também me preocupo com o futuro desses jovens, inclusive da minha filhota!
Obrigada pela partilha, li muitas vezes, amei!
Levei!
Beijos!
Janna
Obs: Adorei a foto!


Enviado por Tópico
Upanhaca
Publicado: 19/09/2016 05:14  Atualizado: 19/09/2016 05:14
Usuário desde: 21/01/2015
Localidade: Lisboa/loures
Mensagens: 8299
 Re: ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS
Os anseios da infância acabam por chegar tão rápido, pois, o tempo voa como as bolinhas de sabão.

Lendo seu texto, embarco-me numa viagem ao passado, onde os desejos coloriam o mundo infantil.

Abraço!
upanhaca


Enviado por Tópico
reverso.de.roma
Publicado: 19/09/2016 06:13  Atualizado: 19/09/2016 06:13
Muito Participativo
Usuário desde: 13/09/2016
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Mensagens: 53
 Re: ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS para a Fiora
Parabéns estimada poetisa!

A saudade sempre nos bate a porta, independente das horas estacionadas, das primaveras adiantadas …

Umas das coisas que gosto na sua obra literária, é a transparência ingénua, (no melhor sentido da palavra) …Essa espontaneidade inocente que o seu coração nos fala é simplesmente mágico, fazendo-nos sentir mais leves e melhores pessoas!

Este seu texto não foge a essa magia ….

Um abraço e obrigado por partilhar pedaços emocionantes da sua vida .


Enviado por Tópico
Jerenino
Publicado: 20/09/2016 17:06  Atualizado: 20/09/2016 17:06
Da casa!
Usuário desde: 04/09/2016
Localidade: ponte nova mg
Mensagens: 478
 Re: ESSES VELHOS (E NOVOS) TEMPOS
Esses velhos e novos tempos
Esse texto me fez em minha infâcia.
De quando eu correr na rua sem perigo da violencia.
Lembrar de minha maēzinha com chinelo na mão gritando vem aqui menino danado.
Mais tempo ficou no passado.
Com certeza juventude de hoje tambem me deixa preocupado
Amei esse texto
Bjs