Textos : 

Tuberculose

 
XV
Começa a tosse de sempre.Desinfetei com um papeiro de agia quente os meus utensílios pessoais na antiga lavanderia desativada no quintal. Larissinha banha-se ansiosa, hoje é o primeiro dia da assembleia no castelinho. Ontem a noite na sala de Jantar Sarinha fez-lhe as unhas. Acredito que todos os irmãozinhos do salão ficam em estado de alerta. daqui a pouco estarão nas paradas esperando o ônibus especial que os levarão ao seu destino. Eles gostam, se divertem, se confraternizam com outros irmãos, cada um mais bem vestido do que o outro, com suas melhores roupas, bem produzidas e elegantes. O céu límpido e sol belo, os passarinhos alegres cantam por todos os lados, até o galo do quintal vizinho. Um gato chamado Cara de Rato na mureta atento. Duas semanas direto no tratamento. Uma galinha cacareja, um gatinho recém-nascido mia dentro da caixa em um dos quartos. Um bebê chora. Passos arrastados no asfalto. A magrinha que vai para o trabalho. As risadas e brincadeiras inocentes de uma criança. Para começar o dia nada melhor que lê um bom Dostoiévski e sua Petersburgo maldita com suas putas, seus bêbados perambulando pelas ruas atulhadas de transeuntes .
NO corredor da Unidade Mista. Quando caminhava para cá, um pensamento aflorou na minha decaída mente escrever um ensaio sobre Dostoiévski, não um estudo acadêmico e pomposo, mas simples - ensinando ou melhor dando exemplos. Parece-me que Dona Dalva, enfermeira morena que me atende, não esta muito legal. Para mim fazer esse estudo teria quer ter lido todo o conjunto de sua obra - de suas trinta e pouco entre novelas, romances, contos e ensaios, li apenas sete - as essenciais que releio constantemente - com "Humilhados e Ofendidos", "Crime e Castigo", "O Jogador", "Notas do Subsolo" e o lógico o clássico "OS Irmãos Karamazov" - o vozerio típico dos corredores ambulatoriais. Apanhei uns bilhetes da Quina na Lotérica.
- "Tem dia que estou na bença do Senhor" - diz uma senhora sentada ao meu lado para uma outra com aspecto doentia, os olhos espantados acompanhada por uma moça branca, esguia, não muito alta, de cabelos lisos louro com um rosto fino trajando um vestido colado ao corpo esbelto, deixando a mostra as suas belas pernas. Quando adentrei no consultório, Dona Dalva, a enfermeira estava sentada, rindo a socapa. Atendeu-me bem e falou-me que na outra semana mudará de dia e de pessoa.
- O gás acabou - disse a cunhada abrindo a porta que estava trancada a chave, estava sozinha, o valet Pietro saíra - Ainda bem que o feijão está pronto - Falou-me de costa voltando para os seus afazeres domésticos. Um ventinho fresco adentrou pela janela escancarada, balançando levemente os galhos do pé de romã no terraço e a toalha pendurada no meio do quarto em cima da cama. oh! Situação, cocei os cabelos e deite-me, porém antes bebi um gole d agua - cada momento um exclamação. Dona Dalva falou-me a respeito das coceiradas, são os efeitos colaterais do remédio. O rapaz do colégio vizinho dar o alô tradicional e os pequeninos dão gritos e pulos de alegria, sabem que é a hora de irem para casa. Um lombinho nas costas. O tal gato Ling pulando a janela, tento dar-lhe uma rasteira, mas o bico é esquivo e driblou-me agilmente. Minha guerreira e incansável cunhada vai para o quintal, acender ou melhor fazer o fogo no fogareiro para terminar o almoço. As vozinhas inocentes.
Pensei numa coisa e escrevi e com certeza vou tentar continuar a escrever, a historia de um matador preso numa cela, numa Prisão federal de Segurança Máxima. Sozinho na sua exígua cela relembra a sua vida, desde a sua infância, a morte de seu avô e seu primeiro assassinato. Ainda não estreei o caderno novo. O reggae que vem lá de baixo, o silencio quebrado pela lavagem das louças que minha cunhada faz. Coloco a maquina de datilografar dentro do guarda-roupa, recolo os livros sobre a escrivaninha. Como me conheço vai haver aquela velha estoria de sempre, ficarei uns dias sem escrever ou talvez até repeli-lo. Vou reler Soljenitzin "Um dia na Vida de Ivan Denissovitch". O reggae e os murmúrios, assim com os gritos das crianças na expectativa da espera vinham misturada e entravam em turbulência pela janela. Minha cunhada preocupada pela ausência de Seu Pietro que até presente hora ainda não chegou, saiu de manhã cedo, bem vestido de camisa manga comprida, calça jeans e o tênis, disse para sua protetora apenas que ia ao bairro do São Francisco. O patriarca inquieto vendo os eus filmes no computador murmurou entre os dentes "que iria ter uma conversa com ele" - Levantei-me da cama, magro como um caniço, espreguicei-me apanhei o copo e a colher sobre a cômoda e fui para a cozinha ver se bebia uma café. Minha cunhada de vez enquanto me espicaçava. A primeira foi na cozinha quando me servia na panela de carne:
- Tu não tá botando a tua colher ai dentro - Apenas lancei um olhar de esguêlha para ela e continuei, sem lhe dar a mínima atenção.
A segunda foi na pequena sala de estar, eu havia terminado de almoçar e assistia o jornal Hoje. Ela deitada no sofá espantou-se:
- Cadê o teu lenço? - O lenço estava pendurado no cós do calção perto - Eu quero que tu tussa ai.. - Finalizou virando a cara e voltando a cochilar.
A terceira foi no quarto, desta vez ela tinha razão, empolgado esqueci de passar o cordão e o nó na porta do guarda-roupa e encostar os baldes no lugar o que ela fez reclamando:
- Não sei que fazer isso, arriscado a jogar as roupas limpas no chão - Olhou para mim que fingi dormir - Isso é de Raimundo, mas isto não esta certo - empurrou com força os baldes e saiu.
Volto ao casulo, depois de alguns minutos em pé na mureta do terraço, vendo o típico movimento das tardes. Minha cunhada varre devagar. Os carros na porta do colégio. A musica que vem de um aniversario depois da Casa dos Correias. Seu Eriberto, sem camisa sentado na calçada em frente a sua residência. O patriarca concentrado no computador. A casa em silencio, nem gatos miam e nem os cachorros ladram. Risos, gaitadas e uma antiga canção brega que fez muito sucesso no final dos anos 70. O patriarca tosse. Com sempre o texto escrito me enoja e não quero vê-lo - uma coisa esquisita - Acho que está horrível, uma porcaria. Estreei o caderno novo, estou escrevendo sem compromisso, aleatoriamente - Larissinha chega da assembleia. A minha adorável cunhada cisma porque estava mudando a minha roupa no quarto e como sempre tinha que falar alguma coisa cortando a minha alegria.
Um passeio noturno aos arredores do Mercado, pela Praça do Bacurizeiro, a rua dos Bares e um tempo na Praça do Viva onde Gatinho sentado ao lado de Cantor, Alan falava num dialeto alcoólico, depois chegou Seu Riba Fodinha tocado de agua de fogo que entornara no Isidorinho - As janelas do apartamento de Junior abertas e as luzes acesas. Pensei que ele estivesse em casa e subi até lá, cinco lance de escadas inúteis, o mesmo não encontrava-se somente a irmã dele , o bebê e o marido. Antes fui elogiado por um conhecido que leu "Quem Matou Salomas Salinas" e acabou perdendo-o, gostou muito. Acho que acabou a minha lua de mel com a minha cunhada.
(Extraido do livro Tuberculose - Clube de autores)

 
Autor
r.n.rodrigues
 
Texto
Data
Leituras
753
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.