Poemas : 

caixa de costura

 
Emendo
e remendo

vou errando, ando
de mapa na mão,
sem escala
nem orientação.

Emendo
e remendo

vou acertando, incerto,
o passo, no corpo da escolha, na areia da resposta,
minha, alheia...

Emendo
e remendo

não sem me deslumbrar sobre desilusões,
cumprindo metas, voltando às casas de partida,

jogo limpo, num gasto tabuleiro.

Emendo
e remendo

que me importa a cor e a espessura das linhas com que me teço,
a lã,
ou os tipos de ponto,

sem agulhas?


Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

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Por regra, não respondo.

 
Autor
Rogério Beça
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/05/2020 15:10  Atualizado: 06/05/2020 20:57
 Re: caixa de costura
.
"jogo limpo, num gasto tabuleiro"

Ando a ler "Não se pode viver nos olhos de um gato", da Ana Margarida de Carvalho, um romance poderosíssimo e muito bem escrito (ou não fosse ela filha do Mário de Carvalho, "aquela máquina").
A certa altura, os protagonistas, sobreviventes de um naufrágio numa ilha deserta, olham para a maré que sobe e arrasta consigo todos os despojos repugnantes de comida com que a fome desesperada conspurcou o areal.
Obviamente que esta imagem tem grandes ressonâncias simbólicas, de que os versos do Rogério estão tão próximos:
"E, do caos, o mar reorganizava-lhes, cheio de tolerância e paciência, um cosmos, novo, por encetar".
Abraço irmão.