Poemas : 

Badalos e balidos

 
.
Sinto sempre as amarras
Cabos que me puxam
Enquanto tento correr
Fugir das cabras que dão leite
Sair do celeiro onde dorme o burrico
Passar entre a roupa branca
Estendida e pendurada
Ao sol a sul
Onde se estendem também os cães
Que não se penduram
Sinto sempre as amarras

Como as ovelhas por tosquiar
Que me cercam e me cobrem caminho
Com um ruído que já não posso
O badalo e o balido

Fujo

Fujo da desesperança

Da última descrença final
De que já não sou daqui
Da falta de pertença
De quem me diz fica e vai, alternadamente
De quem me beija para me morder
De quem me toca para que me queime
De quem me puxa as amarras

De quem me empurra para o poço
De quem me aperta o pescoço
E diz que me ama












I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

 
Autor
Beatrix
Autor
 
Texto
Data
Leituras
85
Favoritos
2
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
21 pontos
1
2
2
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 14/08/2025 21:52  Atualizado: 14/08/2025 21:53
Administrador
Usuário desde: 02/10/2021
Localidade:
Mensagens: 717
 Badalos e balidos p/ Beatrix
.
O título é um achado, pela sonoridade e pelo ponto de partida para o poema, que o aproveita tão bem para falar do que (e de quem) nos prende e de que não nos conseguimos soltar.

À sensação de encarceramento interior sucede-se a fuga, desamparada e sem orientação, mas inevitável, obedecendo ao impulso da sobrevivência.

Pode parecer despropositado, mas lembrei-me do filme "O silèncio dos inocentes", em que a detetive Clarice conta a Hannibal "the cannibal", como, depois da morte do seu pai, vivendo em casa de familiares, escutava os balidos dos cordeiros, que a desesperavam.
Tentou salvá-los, abrindo as portas do estábulo, mas eles não saíam. Então agarrou em apenas um deles e fugiu, sentindo que se salvasse apenas um... E o seu discurso fica suspenso, como nós, ao terminarmos de ler o poema de Beatrix.