Resolvemos cortar o caminho e fomos zigzagueando entres as pessoas na beira da calçada. Nada fazia sentido, apenas a vontade de vê-lo pela última vez. Karl emudecido, a minha cabeça estourava de tanto refletir como as coisas acontecem de maneira irreversível, com a morte nos espreitando pacientemente até o bote final.
O pai dele era judeu de Smirna na Turquia e a mãe uma enfermeira brasileira, filha de um velho calafate marítimo da Praia do Desterro, que morava atrás da igreja e todos finais de semana ia fazer-lhe a abarba e aparar o cabelo do avó.
- Orgulho-me de ser judeu-brasileiro. Uso kipá nas sinagogas quando estou no Rio de janeiro e respeito e sigo as leis do Talmud e sou circuncisado.
Uma tarde, depois de ler “O Complexo de Portnoy” de Roth perguntei-lhe o que era um bar-mitzváh. Explicou-me que era uma espécie de rito de passagem entre a adolescência para a maioridade.
Certa vez muitos anos atrás nos encontramos casualmente a noite na escura Rua Jacinto Maia, entre a Rua Afonso Pena e a da Rua da Palma.
- Estou armado com um trinta e oito carregado, pronto para disparar em qualquer safado que vier com saliência comigo.
- Meu peixe, inaugurei o meu bar lá na garagem. Vamos lá fazer um lanche – era uma manhã de segunda-feira, bem cedo, apareceu todo contente na oficina – Mas antes vamos no mercado grande fazer umas comprar para o almoço – Era a realização de seu sonho, ter seu próprio negócio, pena que não durou muito tempo, devido um contratempo domestico com Dona Encrenca e a sociedade foi desfeita entre tapas, quebras das louças e a retirada forçada para um exilio em Alcantara.
- Meu peixe, comprei um terreno na entrada da cidade, onde vou montar um hotel-pousada restaurante para turistas e o pessoal da base aérea – disse-me todo confiante duas semanas depois do triste incidente.
- Seu Raimundo, o senhor já comeu ostras? – perguntou-me num domingo a tarde na praia do Caolho e fazia um bonito sol, bar quase deserto.
- Não ´respondi timidamente.
Chamou o humilde vendedor de ostras, que prontamente postou-se diante de nossa mesa onde sorvíamos uma segunda garrafa de cerveja. Devoramos varias delas com limão.
- E ai, meu peixe, gostou? Não é bom?
Concordei com um aceno de cabeça. O mar calmo, as ondas quebravam nas areais estava enchendo. O mesmo mar, a mesma praia que uma manhã ensolarada de um domingo ceifá-lo-ia bruscamente.
O segundo encontro foi numa noite em 1985 na Rua Afonso, esperava uma namorada que trabalhava num jornal.
- Ei! Rapaz! – cumprimentou-me cordialmente ao reconhecer-me – Como vai? – Estendeu a mão – Ainda moras aqui?
Naquela época eu ainda residia com meus pais na velha casa grande da Rua Afonso pena, onde nasci e me criei.
- Sim – confirmei e apertamos as mãos e caminhamos juntos até o canto da Travessa da Lapa.
- Tu não conhece ninguém que tem uma ‘besteira’ para vender?
Salomas era um cara bacana, extrovertido – dirão todos os seus conhecidos que tiveram a oportunidade de partilhar um bom ‘baseado’. Inteligente e hábil com as palavras, em poucos segundos angariava sua amizade e sinceridade e se fosse da ‘politica’ ainda era melhor. Conhecia e discorria qualquer assunto, mas agricultura e o paraquedismo era as suas paixões