a minha infância ainda me sabe a pão
saído do forno de lenha
e estes olhos tristes passam por ela
em solidão
como rio em busca do seu leito
tento reunir memórias e a saudade
me embrenha
lembro o caldo verde da horta
no forno as petingas com azeite
o jogo da malha, e chegar a casa
quase morta
morta de cansaço do banho no rio
da cadeirinha ao lado da lareira
dos dias de chuva e de frio
e a avó rezando ali à beira
fervia a cevada nas brasas
ouvia -se no céu o ribombar
da tempestade invernosa,
os pássaros paravam de bater as asas
logo depois o raiar do sol
e as bruxas a amassar pão mole
o arco íris mostrava-se orgulhoso
com tantas cores,
enquanto eu sonhava despertando
para os amores.
pálido papel molhado
espelhos mortos, casa esquecida
pensamento esfarrapado
a memória desses dias já é quase nada
pela desmemória mordida
deixo-me no refúgio da madrugada
aonde ir? aonde ir?!
se as palavras já lá não vão
não sei por quanto tempo as vou seguir,
já caio na solidão!
neste comprido corredor
cada vez mais estreito
lembro com dor
as fendas do meu quarto
golpeado pelas imensas noites do tempo
deixo as lembranças... e parto.
natalia nuno
Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira.
Johann Wolfgang Von Goethe