Batia a chuva languidamente na veneziana 
Como se ansiasse fazer-me companhia 
Naquela noite sozinha, entorpecida e insana 
Segregava um fundido relâmpago de alegria 
O ar cheio de um bafio a sôfrega penúria 
Encardia a fachada de uma sombria bastilha 
De onde por vezes se ouviam certos gritos de fúria 
Oriundos de certos espectros irados como uma matilha 
De repente uma linda poluição pairava no lívido ar 
Quebrando a esfera da solitária e doída tristeza
Era uma miragem talvez… mas que cruel beleza 
Um fruto tão maduro e talhado, mas difícil de alcançar 
Eram doze horas em ponto…o sol ia já bem alto 
No clarão da cidade brincavam dois petizes 
Lançando um tortuoso e fino arco no quente asfalto 
Com tal inocência que contagiavam os menos felizes 
De certa forma, eram aprendizes verdes do destino 
Tão inocentes, indolentes ao severo que os rodeava 
Sem consciência ainda, de como era bom ser-se menino 
De poder irradiar um esbelto, suave e único sorriso para onde olhava 
O sol ocultava-se nas escravas nuvens da noite sombria 
Era já noite, o tempo uivava de novo uma recôndita e trágica dor 
Eram as vozes dos paladinos perdidos na velada baía 
Tão fatal para os viajados trovadores ligados ao amor 
Acendiam com lentidão as diminutas e ténues candeias 
Para iluminar aquela, laboriosa e sonâmbula cidade 
Em todas as casas sentia-se um crepitar nas lareiras 
E uma densa aragem tingia o céu de uma tonalidade 
Plúmbea, tão desastrosa e maligna à procurada felicidade … 
Cambaleavam ao longo das estreitas e ledas vielas 
Dois borrachos vindos do antro da perdição 
Tinham-se livrado das inexoráveis, sólidas e infames celas 
Era o encontrar de dois mundos tão opostos em colisão… 
Luís Camões  
                
Eternamente Luís Camões /António Plácido