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Não podias ter partido assim

 
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Quarta, 27 Junho 2007 às 00:26
Não, Velho, tu não podias ter partido assim, sem uma última cuba libre para o caminho!

Não podias sair assim da vida sem um último abraço, meu sábio guru de tanta vida partilhada!

Não, não podias deixar-te levar sem saberes como fico, tu que foste quase meu pai, quase meu avô, mentor e guia.

Não, não podias encontrar-te com Caronte sem eu poder estar presente, que não vou ao teu funeral.

Mas foste!

Na ousadia de morreres sem culpa na velhice que sempre conheci.

Eu pressenti-te, no adeus, eu que, esta madrugada não conseguia dormir com uma angústia que, sem ajuda, me amargurava e me prendia mais o nó da garganta.

E eu que não sabia o que era, julguei que eram os meus problemas a saltar cá para fora, desordenados e tristes…

Eduardo, meu bracarense de tantas alegrias. Meu dragão.

Lembras-te da tua primeira cuba libre que bebemos na Praça de Espanha, em Salamanca, com o Jorge a servir de tentação? Já eras velho por aí, e tão jovem porque tiveste todo o tempo para atingir a juventude na tua velhice.

Lembras-te daquele título anunciado, perdido e de novo ganho naquele fim de tarde no pavilhão da Figueira da Foz, que se prolongou no dia seguinte em Sangalhos?

Eu sei que te lembras, que essa cabeça era prodigiosa.

Já não atravessarei mais a rua, na passadeira – pois claro – para irmos à pastelaria em frente de tua casa beber um chá.

Já não nos encontraremos nas horas em tempo a debitar loas, a carpir derrotas, a saborear vitórias, a ouvir essa voz pausada contar as estórias da tua história.

Não te terei mais a pedir-me que te coloque o copo no seu sítio à mesa do restaurante para que possas beber sossegadamente sem que ninguém se aperceba que por trás dos óculos escuros estão dois olhos sem vida.

Nunca mais ouviremos o teu orgulho embrulhado num sorriso quando anunciavas mais um recorde da tua neta.

Nem iremos mais à Cindinha comer arroz de sarrabulho…

Meu caro Velho, partiste em paz contigo e com a vida.

Mas que pedaço de mim partiu contigo, hoje que só te vi na minha alma a acenar-me um adeus sorridente, como quem diz: “Até os comemos!!!”

Boa viagem, Amigo de sempre. Bebo uma cuba libre à tua memória. Eu e o Jorge, por certo. E todos aqueles que tiveram a honra de partilhar a tua alegria, a tua capacidade de dirigismo, o teu percurso ímpar pela vida de todos nós.

 
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asv
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