Crónicas : 

ETERNIDADES

 
ETERNIDADES


Há instantes que são eternidades – disse-o eu já algures em circunstâncias que o tempo me varreu. Estou ciente de que esses instantes acontecem a todo o mortal desde que não demasiado distraído. Aconteceu-me aquilo que considero um instante nesse tipo há muitos, muitos anos, era eu adolescente. O meu pai tinha-me mandado a Gatão tratar de um assunto relacionado com uma propriedade. Como era tempo de dias grandes, acabadas as aulas lá meti pés a caminho rumo a Gatão – uns quatro quilómetros da nossa vila. Ao aproximar-me de uma loja conhecida, já lá na aldeia, apercebi-me de uma figura de homem já entrado na idade, de vestimenta escura, sentado num bloco de pedra que fazia de assento exterior dos frequentadores da loja. Ao aproximar-me, constatei que conhecia a pessoa, por algumas vezes já a ter visto em Amarante, numa tertúlia de café. Senti um estranho frémito dentro de mim. É que ia cruzar-me com uma pessoa que reconhecia como demasiado importante. Justamente o Poeta de Pascoais, isto é, Teixeira de Pascoais. Era como que se não tivesse dignidade bastante para me cruzar com tão eminente criatura. Mas lá aguentei o meu ritmo e incuti em mim animo para de alguma maneira o saudar ao passar perto de si. Assim aconteceu. Com um constrangimento que a esta distância no tempo não sei avaliar, lá fui com a mão à boina (que então usava) num gesto que deu para entender, até porque acho que um sussurro de boas tardes me terá saído dos lábios. Estou a vê-lo corresponder com simpatia naquela sua expressão granítica e a reflectir o magestoso Marão além, sentimento visível para lhe inspirar qualquer tipo de divagação. Foi um instante grande para mim, daí que ficou nos meus registos. Não foi muito depois deste para mim histórico episódio que Pascoais morreu. Tive a honra – não me puxa dizer que foi por prazer – de ir ao seu funeral.Uma curiosidade que me escapava: dizia-se que nas suas introspectivas deambulações pelo pinhal da quinta, teria destinado determinado pinheiro para as tábuas do seu caixão, embora não esteja seguro de que tenha sido satisfeito tal pedido. Enriquecedor seria para mim que ao passar por aquela ilustre e solitária figura, dela sorvesse uma réstia do génio…

antónius

 
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luciusantonius
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/06/2009 22:04  Atualizado: 06/06/2009 22:04
 Re: ETERNIDADES
Uma homenagem espledorosa a um imortal poeta que sampre é bom rememorar.

Abraço