A noite das cores
Abarco as cores deste bar taciturno
Os ocres de sangue em veludos coalhados
Ao som de um “besamemucho”
E de outras tantas canções “bonitas”
A morte continua a meio da bebida
Num compasso de espera fedendo a cinzento
Em fumos de um fogo extinto
A morte continua
Vejo Marylin retratada a um canto
O rosto, a preto e branco, é tristeza
Claridade indecisa, funda, serena
Perdida para sempre ao dizê-la
Oh! Morrer-se jovem, desejada!
O vazio intenso mantém-te suspensa
Como o infinito empurra este mundo
Cremar-te-ei em fogo impoluto
A voz de um anjo perguntou por meus sonhos
No meu peito, ao rubro, perguntou por meus sonhos
No peito esta casa habita comigo
E a solidão cumpre-se em todas as cores
Há melancolia em todas as cores
Nos ocres de sangue em veludos coalhados
“Besame mucho”
E muitas canções
Água em pó
Acedo à chama incerta
Talhada num momento
Como uma porta aberta
Sem meu consentimento
Que luz fere ao tocar
Que evito vida fora
Desejo em mim, sem lar
Sem querer saber de agora
(Até nada querer
Até nada dizer)
Cercando ao longe o sonho
Marcado ao longe afago
Num circuito enfadonho
Vazio que levo e trago
Quão doce e grave riso
Que é feito deste outono
Para sempre cristalizo
E apraz-me o etéreo sono
Perversos provérbios
O homem que sabe, faz
E quem nada sabe, ensina
Aquele poeta triste
Fala da sua rotina
No jogo quem ganha gasta
E não ganhar é nada ser
O malabarista diz-te
O que tu podes esconder
A gente que sofre esquece
Que a gente, pensando, não vive
O condenado merece
A morte que nunca mais tive
Anti-Salazar
Procuramos honrar a Ciência, e as incertezas
Discutimos Deus, e todos os mitos
Discutimos a Pátria, e o seu devir
Discutimos a Autoridade, e sua cegueira
Discutimos a Família, e o nosso conforto
Discutimos a falta de trabalho…
De discutir
O relógio
Há um relógio de parede avariado na primeira casa onde morei desde que estou em comissão nesta cidade. Os ponteiros das horas e dos minutos estão parados. Todavia, o ponteiro dos segundos, avança e recua em cada segundo.
Tenho a impressão que as horas estavam certas no primeiro dia por estas paragens. Acho mesmo que acertei os meus dois telemóveis por esse relógio de parede. Noutro dia qualquer é que eu me apercebi do que realmente se passava.
Neste momento moro noutra casa, no outro lado da cidade. Houve necessidade de obras urgentes na casa velha. Intervenções de fundo, ao ponto de tirar o telhado do prédio.
Costumo lá ir sempre que estou de licença, não só para ver a caixa do correio. Tornou-se um ritual no qual eu mato saudades e revivo a minha vida de bairro no que foi o meu primeiro ano de comissão.
Ontem ao tentar dormir lembrei-me daquele relógio e fiquei preocupado. Será que o relógio ainda está lá? Nunca mais lhe prestei a merecida atenção. Será que ainda não morreu? Será que alguém o levou ou o deitou fora? Qual será o mecanismo por detrás daquela anomalia tão curiosa?
Logo na primeira oportunidade que surja vou tentar não me esquecer de espreitar pela sala atafulhada – lá dentro há sinalização de trânsito e tudo porque um dia tiveram de condicionar a circulação automóvel lá fora - e ver se o relógio está no mesmo sítio, com o som tique–taque a enganar a passagem do tempo.
É a vida!
Manife
Morfeu
Vai cantar
Numa escala
Invulgar
No céu
Nosso lar
Uma bala
Vi passar
Morreu
O meu par
Já não fala
Com pesar
De um véu
Por tirar
A cabala
Decifrar
O meu
Avatar
Tem a mala
Nuclear
Primeiras evasivas
Não dormirei jamais
Darei a dor de beber ao fantasma
Por ser um disfarce embalsamado
Diante de mim e de ti
Longe de mim e de ti
Não sonharei jamais
Darei amor à dor
Mas os sonhos procedem da mesma forma
Vigilantes, na vigília
Ensimesmada pelos recantos
Desta insanidade possível
Sombra dos dias que sopras
Diante de mim e de ti
Longe de mim e de ti
Não sonharei jamais
Darei amor à dor
Augusto voltará
Macacos somos sobre a terra cozida
Mensagem recebida com sucesso na Caixa de Pandora
Para que lado a cidade corre?
A avaliar pelo relógio de Clint, eles estão com uma hora de atraso
Opiniões familiares tão esperadas de látex
Londres está a dar mas Augusto tem um CD melhor para ouvir, fora do alcance da literatura.
A frequência é uma doença que veio tarde.
E a Primavera é uma recompensa que não pensa.
Em estranhos, monstros, verdes, rituais
De pregos, mudanças, lêem, ao lume
SMS, ao dealer, “verdade relativa”.
Augusto, sons ao sol. Acabamos por chegar
Clint recorda a primeira página do Jornal
“La planète dês singes” aqui e agora
A acompanhar dedos urbanos
Porque o Homem é um herói trágico
E dados, esses, não suportamos
Uma velhinha disse a Clint que pensar fazia mal, mas as balas não lhe estragaram o penteado
As coisas estão mesmo beras por aqui, disse Augusto
Fogo e Enxofre vão estrear em Lisboa
E as notícias dão-se à estalada, “Tás a ver?”
Sabes o que é uma sequela? Perguntou Augusto a Clint
Não, disse Clint
Porque é que Ele não está com Ela, perguntou o Pendura
Atrás, a paz, apraz… no Chevrolet
Os Delfins vão assumir o poder amanhã!
Remake…mais ou menos, é sequela
Antes ter sequelas que ter medo
Augusto aperta a mão ao Dealer, finalmente
Eles fazem vista grossa pelo mundo
De fazer tempo, já são horas, já são notas
E os macacos ouvem, altas horas, um ruído
É do autocarro à nossa frente, diz Clint
Não. É o móvel do Dealer
Sem o Dealer, voltaremos, Augusto?
Encheremos os bolsos com canivetes?
Se os cangurus não cagam bolotas
Macacos livros, porque não
Sois homens livres porque sim
Sonho
Teu pesadelo
Pode bem ser
Um vivo apelo
É teu amigo
É o teu sonho
Que sem se ver
Vive, suponho
Sempre contigo
Teu pesadelo
No dedo um nó
Lembra-o com zelo
Que é teu, é nosso
Escondido, sonho
Contigo, só
E decomponho
Enquanto posso
Nossas falácias
Que valem nada
Quantas farmácias
Estão de serviço?
Nesta cidade
Escancarada
À fealdade
Não penses nisso!
Enquanto é tempo
Morre uma vez
Está na berlinda
Aquele salto
Enquanto é tempo
Morrer de vez
Não queres ainda
E a ti não falto
Sol e água
De sol e água são
Encontros pela estrada
Queimados braços estão
E mãos em concha e nada
Sem fogo não há fumo
Luz que é ou que já foi
De tardes que hoje arrumo
Num canto onde não dói
Oiço a chuva cantar
Trauteando na madeira
E as flores estão a chorar
Sem graça à tua beira
Deitada num relvado
Beleza que estás morta
Despertas-me, ensonado
Escancaras minha porta
Mas não para o amor
Sei que sou confidente
Com tiques de pastor
Da carne dissidente
A água é para a ressaca
O sol é para quem quer
E a morte macaca
Não se faz entender
Vasos comunicantes
De uma estrela são raios
Quando as almas bacantes
Vivenciam desmaios
Que só ondas conhecem
Chegando e partindo
As manhãs acontecem
Neste meu tempo findo