Andava por aí...
Andava por aí
Regendo passarinhos
Despertando margaridas
Colorindo borboletas
Andava por aí
Construindo ninhos
Acolhendo raparigas
Resgatando estrelas
Andava por aí
Juntando caminhos
Alumiando vidas
Destruindo cercas
Andava por aí
regando
ouvindo
libertando
Mas andava nu
não era um pregador
Flores de Inverno
Flores de Inverno
Olhar para as árvores, para suas copas quase nuas filtrando os raios de luz de um dia de céu estupidamente aberto.
Olhar para as flores que pipocam nos galhos sem folhas e enfeitam este inverno seco e claro de temperaturas amenas.
Flores que pontuam o azul feito estrelas e que soltam suas pétalas derramando lamentos sobre as calçadas. Tal qual estrelas cadentes.
São persistentes. Insistentes. Sobreviventes.
Bravas e belas flores de inverno que desafiam a primavera!
É para elas que eu olho.
Tão próximo, o Inferno
Aquela luz, não a alcançava. Nunca. Ele caminhava e caminhava em sua direção e ela se afastava e se afastava. E suas pernas pesavam e pesavam. E aquele caminho cada vez mais íngreme, acidentado. E correntes invisíveis o prendiam e o puxavam para trás e para baixo. E o chão sob os seus pés ardia e queimava. E ele continuava e continuava. E deixava pelo caminho seus destroços, seus pedaços. E ele continuava e desesperava. E continuava e continuava. A luz cada vez mais ínfima, distante, inatingível, indiferente. E ele continuava e se arrastava. E suas costas lhe doíam e arqueavam e nos ombros lhe pesavam todas as pedras deste mundo e de outros mundos. E ele prosseguia e rastejava e desfigurava a própria face e dilacerava o próprio peito e rasgava a própria carne.
E insistia e insistia e insistia…
Vaidosa Natureza
Vaidosa Natureza
Orvalho virou gelo
Gotículas cristalizadas
Espelhos pequeninos
Dentro da noite fria
Tão larga e fria
a cama
E este cetim indiferente
Brilha sob a luz da arandela
Que teima em iluminar
A tua ausência
Ah, se tu soubesses
Das noites infinitas
Das taças solitárias
Esquecidas
Ah, se tu soubesses
Que a soberba do meu dia
Se dilui na saudade
Que me assola
Quando a minha noite chega
Sem ti, inóspita
Vazia
Ah, se tu soubesses
Que a sutil indiferença
Se transmuta em agonia
Quando giro a minha chave
E as paredes, testemunhas
Desprovidas de calor
Clamam por alguma
Vida
Ah, se tu soubesses
Que tudo, tudo mesmo
Se perderia
Se tu cruzasses esta porta
Por Deus, bastaria!
Ah, se tu soubesses
Da urgência do teu cheiro
Da ardência do meu peito
Voltarias!
Moonlight
Quando adormeces em meu colo
Tão menino,sereno
Embevecida fico
Pelo fascínio do teu belo rosto
A Lua,ciumenta
Resplandece inteira
No intento de te ofuscar
Tola,não percebe
Que seu despudorado luar
Só faz tua beleza
Ainda mais luminar
História de Amor (miniconto)
Fechou a última mala, enxugou a última lágrima. Desceu as escadas carregando a bagagem de toda uma vida. Pesada.
Pegou as chaves do carro e viu sobre a mesa um velho livro. Estrategicamente aberto. Entre as folhas brancas, uma folha seca. Memória da rosa ofertada.
Fechou o livro mas não encerrou a história.
Voltou com as malas para cima, curiosamente, mais leves.
Instinto Fatal
Era mesmo um tanto paranóico e assumia sua condição sem nenhum constrangimento.Depois que viu aquele filme ficou ainda mais seletivo ao escolher uma companhia feminina.
Aos seus mais variados rituais,acrescentou mais um. Quando levava uma mulher para casa,trancava todos os objetos perfurantes a sete chaves. Principalmente,o picador de gelo...
Conheceu Abigail numa reunião de negócios e,apesar da atração instantânea entre os dois,ficou meio cismado porque a cena
lembrava-lhe aquele outro filme.
Ficou enrolando por umas duas semanas,resistindo às investidas daquela ruiva escultural que andava lhe tirando o sono. Investigou tudo o que pôde sobre ela e o que descobriu foi que,além de uma mulher independente e absolutamente normal, ela era muito boa de cama.
Finalmente a convidou para sair. Não conseguia parar de pensar nas coisas que ouvira sobre ela.Estava muito ansioso por provar daquilo tudo.
A noite foi alucinante. Que mulher! Encontraram-se várias outras vezes, sempre em motéis. Aos poucos,ele foi baixando a guarda. Até que chegou o dia em que a levou para a sua casa.
Tomou todas as precauções de praxe. Ela adorou o lugar e sentiu-se completamente à vontade. Fez um strip-tease na sala e eles transaram pela casa toda. Exaustos,adormeceram no quarto.
Lá pelas tantas ele acordou e viu-se sozinho na cama. Chamou por ela mas não obteve resposta. Sentiu uma pressão no peito, começou a suar. Calma,calma. Estava tudo sob controle. Havia trancado todas as coisas pontudas e perigosas e tinha tido o cuidado de revistar sua bolsa enquanto ela tomava uma ducha. Chamou mais uma vez e nada. Onde diabos essa cretina se meteu? Já em pânico e berrando pela casa,encontrou-a na cozinha falando ao celular. Fez sinal para que ele ficasse quieto. Desligou e explicou que era seu marido,em viagem a trabalho há três semanas,voltaria no dia seguinte.
Excitadíssimos,transaram sobre a mesa da cozinha.
Pela manhã,ele preparou o café. Estava totalmente relaxado. À luz do dia,sentia-se bem mais seguro e,além do mais,ela parecia mesmo ser uma pessoa normal. Entrou pelo corredor carregando uma bandeja repleta de frutas,pães e um fumegante bule de café. Abriu a porta do quarto sorridente e,quando ia dizer alguma coisa,tropeçou no tapetinho à beira da cama e derrubou a bandeja sobre ela. A mulher soltou um berro horrível pois o líquido quente queimou-lhe a barriga.Estupefato,não teve tempo para se desculpar,morreu de traumatismo craniano.
Afinal,a bandeja era pesada e ela era forte.
Resgate
Novas floradas despontam
é tempo de retornar
chega de hibernação!
A Cabeça Flutuante de Mercedes
A cabeça flutuante de Mercedes
Pairava sobre as praças
Girava, desvairada
As nuvens, bolinava!
A cabeça flutuante de Mercedes
Bailava, assim, descabelada
E os olhos flamejantes
Fulminavam quem passava.
A cabeça flutuante de Mercedes
Quicava feito bola
E gargalhava
A boca escancarada!
A cabeça flutuante de Mercedes
Belicosa, esfomeada
Devorava quem passava.
A cabeça flutuante de Mercedes
Vomitava cânticos
Regurgitava cândidos
E tripudiava!
A cabeça flutuante de Mercedes
Sugava os ébrios e os incautos
E se deleitava!
A cabeça flutuante de Mercedes
O dia, incendiava
A noite, iluminava
Abóbora gigante decapitada.
A cabeça flutuante de Mercedes
Pairava sobre as praças
E ria-se das pragas
A boca escancarada!