Poemas, frases e mensagens de susana ariana

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de susana ariana

FRAGMENTOS

 
Não sei se já acordei.
Escondo-me do olhar do espelho que me assusta. Não me reflecte para além do escuro que me habita frequentemente. E se o olho, também, envelheço nessa imagem que se me apresenta. Os dias pesam ao canto dos olhos e o sorriso dos mesmos desliza, sinuosamente, como máscara estranha que cai, perante um acto terminado. O palco dos sonhos fica para outra história, onde as personagens sejam outras que não eu. Em que a outra face dada não seja a minha e em que os pés que caminham sobre as águas não sejam estes que se arrastam pelos pântanos. Para além de que estas águas são frias. Profundas. Traiçoeiras. Desdenhosas.
Trago da noite o sussurrar lento de mil asas de anjos perdidos que passam, apenas, por mim, numa auto-estrada até ao Inferno. Tentam resgatar aquela imagem que não sabe se já acordou. Estátua de sal ou mulher que olha para trás: a sua dura e eterna prova será nunca confiar em si mesma.
E se estava escuro, mesmo assim, o espelho procurava-a. Oferecendo-lhe a mão que apenas era sua, sem presentes nem passado, sem lugar onde se recolher. Os seus lábios, frios, soletravam, sem voz, o que eu escutava dentro de mim. Traçavam desenhos de sentido nas paredes embaciadas da minha mente.
Deixei os seus dedos tocarem-me. Aniquilarem-me, sem nexo, porque sentia, também, a sua extrema doçura.
- A morte sabe tão bem…também…

- Tu sabes melhor do que eu…vive-la todos os dias. Deixa-me tocar-te. Para além desta pele, destes dedos, destes ossos. Para além do que possas sentir. Deixa-me adormecer a tua dor, suavizar a tua alma. Tomar-te como a sombra do meu corpo, sendo o meu próprio corpo. Anestesiar-te com a indiferença.

- Serei, somente, o que restar de mim mesma?

- Não serás menos do que restas agora.
Tirei-lhe a mão, suavemente, da minha mente e não aceitei. Não por medo. Apenas por qualquer coisa. A apatia que me corre nas veias bombeia-me em estados sucessivos de indecisão e de projectos adiados. Encosto a face ao espelho e com a outra mão faço estilhaços imunes à dor de qualquer dia ensolarado. Mil estrelas de vidro e de gelo baptizam-me como lágrimas desmanchadas. Rastos brilhantes tatuando a pele a gelo ácido. A aranha que corre, atrás da perda, costurando as feridas com fios de esperança, não vence a letargia sonâmbula que cicatriza ainda mais profundamente.
Fogem fantasmas de mim mesma por entre as novas feridas e poros dementes e, de facto, quando arrisco um novo olhar ao espelho…já nem ele me olha: não resta nada.

- Acorda…acorda…

Agora sei que acordei.

(http://teiadeariana.blogspot.com)
 
FRAGMENTOS

NÃO SOMOS SÓ PALAVRAS

 
Não somos só palavras
De sentimentos decorados
Com letras por pendurar.
Tatuamos o corpo com histórias intermináveis.
Não vivemos só em fios
Cortantemente estendidos
Entre as vozes mudas de cada um.
Percorremos o som de cada Teia.
Não usamos máscaras feitas à medida
Do abismo que se encerra
Labirinticamente dentro de todos nós.
Herdamos o fio de Ariadne.
Não descemos os mesmos degraus
Que se alojam discretamente
Nas ruínas das nossas almas.
Colocamos novas pedras na Torre de Babel.
Não apagamos a lua da noite
Quando amamos, em segredo,
A luz do dia que nos desperta.
Procuramos sempre o momento exacto.
Não queremos mais do que a dose certa
Da vida servida a quente
Sobre o prato frio da morte como vingança.
Vivemos o amanhã no dia de hoje.
Não sabemos tudo o que queremos
Mas despimos o corpo da ignorância
Quando nos reflectimos perante as questões.
Descansamos na doce esperança.
Não temos o que queremos
Porque encetamos uma luta diária
A cada esquina do amanhecer.
Adiamos a perfeição.

Entre o real e o engano
Entre a porta e a janela
Entre a fuga e a prisão
Entre a pausa e o movimento
Somos o mesmo e múltiplo ser humano.
 
NÃO SOMOS SÓ PALAVRAS

PROFETA

 
Todas as noites

Que correm nestas veias
Abrem-se ao grande mar:
Imensa fuga do deserto
De um corpo revolto
Em areias caóticas.
Eis a confusão:
Último botão desapertado
Do espartilho humano
Que é o pensamento organizado.
Eis-me primitiva

Pregando a fantasmas solitários,
Iludidos,

Que pensam ainda viver
E brincam
Com a eternidade.
Enquanto falo
As minhas palavras escondem a trovoada.
Anuncio
As chuvas ameaçadoras
Que trazem o corpo nu.
O conhecimento.
Mãos cheias de areia,
Tão cedo vazias,

Lançam ao vento gestos de náufrago
Num mar deserto.
Estas noites,
Depois do sol,
Abrem-me à saciedade de uma prisão:

Liberdade.

de Susana Júlio,
in DO MAR GRANDE E D`OUTRAS ÁGUAS
(Antologia Poética)
 
PROFETA

DORMIR OU ACORDAR

 
Os dias vagueiam na ponta da alma enquanto o lápis divaga no contorno do corpo de uma emoção. Peça única, multifacetada mas que se oferece, sem preço, no mercado da multidão. A regra de não se ter regra é regra em si mesma, e condiciona todo o brilho que de si emana. Questiona-se o valor das coisas, por tudo e por nada e por aqueles que se esquecem de que esse mesmo valor serve vontades e objectivos diferentes. Ao sabor do Tempo, vagas sucessivas e intermináveis de horas, minutos, segundos – meros rótulos que descrevem a passagem do tempo – a indiferença dá as mãos à superficialidade e cai-se no centro voraz da sensação deveras sentida de que esse eterno Tempo passa a correr. E somos nós que corremos. Na antevisão inquieta do fim do nosso próprio mundo. Carregamos bagagem demasiado pesada dentro da nossa alma e a consciência ainda vai ao colo dela – aprendiz na primeira idade do mundo.
Compramos memórias ao Presente no catálogo do Futuro. O troco vem sempre em fragmentos do Passado que teimam em nunca desaparecer da carteira. Pesam, confundem, amontoam-se no espaço livre da razão e conduzem-nos pela Vida como se fossemos marionetas suspensas por fios pretéritos.
-“Daqui não se leva nada!” – dizem os que estão “acordados”.
Mas como os poetas não conseguem compreender o conceito de “nada”…ainda estão a dormir!

Silêncio. Apaguem as palavras…?!
 
DORMIR OU ACORDAR