O ROSTO DA VIOLÊNCIA
Se a violência não tem uma residência fixa, também não são reconhecíveis facilmente, as suas muitas faces. Quem pode dizer que por trás de um belo sorriso "amigo" não esteja embutido um ato de injustiça?
O amor de mãe, por exemplo, que retém o filho junto a si, com a intenção de protegê-lo dos perigos do mundo, enquanto ele já se sente capaz de buscar novos horizontes ou aquela mão que bate querendo educar, não abusa de seu poder?
E aquele amor imposto, que nos implora atenção, buscando nossa constante dedicação, não nos constrange?
A sociedade que impõe regras, tentando moldar-nos conforme os interesses da classe dominante, não poupando de ataques pessoais àqueles que não seguem seus preceitos, não aprisiona?
A igreja que prega um Deus nem sempre justo, enquanto ameaça os “pecadores” que não aceitam suas doutrinas, não está intimidando?
Na realidade, a violência não tem apenas a cara da arma que dispara contra o indefeso nas mãos do marginal desconhecido. Ou o aspecto de quem viola a privacidade alheia, o corpo do indefeso ou inocente. Não tem só os traços do irresponsável que dirige inconsciente. Ou daquele que invade nossas propriedades e nos faz reféns. O uso da força, o constrangimento físico ou moral, esta inserido nas nossas melhores intenções, nos nossos sentimentos, aparentemente, mais honestos.
A violência tem muitas vozes, muitas mãos e muitas faces, reveladas de muitas formas, desde a agressão física ou moral, até a aparente ternura do gesto que nos faz prisioneiros de sentimentos altamente egoístas. Ela tem a cara da liberdade perdida,consentida ou não, roubada ou entregue espontaneamente para alguém que usou de poder sobre nós.
Na verdade convivemos diariamente com a violência, mas só nos unimos contra ela quando não a vemos sob disfarces. E todos nós, de certa forma exercemos o poder que temos sobre os outros, suavemente...
Rosilayne Vasconcelos
INSTANTES
Que saudade de um talvez...
Da certeza duvidosa de que fossemos nós...
Daquele instante em que passado, presente e futuro,
Nascidos em devaneios tornaram-se um.
Que saudade dos ruídos...
Aqueles que violavam-me a paz,
Enquanto o paraíso sorria serenamente
Prometendo a eternidade.
Que fome da ânsia...
Que sede de beber do que fui,
Enquanto não era esta paz.
Rosilayne Vasconcelos
SOLIDÃO CONJUNTA
Silhueta de sombra,
Digitais na janela,
O cosmo parece descansar.
Penso em ti e o chá esfria...
Textos amassados,
Musicas mudas,
Cabeça apoiada no vidro da janela embaçada,
Outra vez penso em ti...
Penso em um “nos” e estamos tão sós...
O orgulho se põe intacto
Não querendo encarar o fato
De amar alguém...
E subitamente sorrio...
Vejo apenas uma solidão conjunta,
Um vazio abraçando o calor e sugando-o sutilmente,
Até que se tornou novamente vazio...
Rosilayne Vasconcelos
PURA FASCINAÇÃO
Fecham-se meus olhos...
Sou suavemente violentada
Por fleches de notas multicolores,
A contenção do não se manifesta
Em sons, cores, e sabores...
Transpondo-se a contiguidade do sim e do não
O som delega-me o deleite
Que me faz carícias na inquietação...
Abrem-se os olhos...
Ao buscar a fonte de tanta fascinação
Tenho uma alma que é devaneio
E outra que é razão...
Ao provar do indizível,
Cantos escuros convidam-me ao conhecer
Bebo uma inebriante luz
Transponho o nevoeiro do ainda não ser...
Entrego-me nua
Então nascem tons nunca antes vistos
Da fusão da minha cor verdadeira,com a tua...
Ao tocar um grito que habitava a imaterialização
Num acender e apagar de luzes
Fecunda-me teu esperma da criação
Tudo o que antes fora quimera é pura realização...
Rosilayne Vasconcelos
MIRAGEM
Hoje ao contemplar o passado
Vejo que não fostes o tudo,
Mas uma sombra bem delineada que encheu um vazio.
Não fostes meu raro diamante,
Mas um vidro que refletiu luz.
Não fostes o belo vindo de dentro,
Mas o agradável a óptica.
Não fostes o claro,
Mas o difuso.
Não fostes o lugar,
Mas um caminho.
Não fostes luz veraz,
Mas a miragem vislumbrada por mim.
Não fostes o campo florido,
A relva,
Os pássaros,
Nem as crianças sorridentes que acenaram pra mim.
Fostes a janela do trem.
Fostes...
Rosilayne Vasconcelos
INEXISTÊNCIA
Uma interminável noite se debruça sobre o jardim
Repousam todas as flores que plantei para ofertar-te
Da terra brota o silêncio
Que nos canta uma funérea música
Meus sentidos ávidos vão a ti
Como quem busca o sol na noite
Você dorme...
Dormem as crianças
Dormem as flores
Dormem as águas
Dormem as canções
Dorme o útero do cosmo...
A vida é imaterial como o não ser
O tudo é a ausência
A iminência da Inexistência...
PRECISA-SE
Precisa-se de pessoas que tenham pés firmes na terra e um coração que pelo menos por alguns minutos no dia viaje ao olhar o céu, que mesmo na correria do dia a dia possa em sua volta do trabalho, parar e sentar-se a margem da estrada para ver o por do sol.Que sejam capazes de sonhar um azul indizível, mesmo diante da luz ofuscante da bomba que rasga a paz e desmancha a límpida escuridão humana.
Procura-se por homens que saibam reconstruir um rosto massacrado pela descrença,sem deixar marcas em seu sorriso. Que saibam colher e também plantar...homens tão idealistas que transformem qualquer sonho em metas. Pessoas determinadas, que nunca abram mão de construírem seus destinos e planejarem suas vidas, que tenham sede de mudanças e que seja a mudança.
Precisa-se de pessoas que questionem, não pela simples contestação ou pelo mero prazer de dominar o conhecer, mas pela necessidade íntima de só aplicar as melhores ideias, sem quererem se mostrar superiores nem inferiores, mas humanos na mais profunda essência da palavra. Que sejam a coragem para abrir caminhos, enfrentar desafios, criar soluções, correr riscos sem medo de ter que fitar o rosto do carrasco chamado erro.
Necessita-se de pessoas que enxerguen-se como parte das árvores e irmãos dos animais. Seres humanos justos, que inspirem e demonstrem confiança, sabendo que ela é contagiante e sua falta também. Precisa-se de seres racionais... tão racionais que compreendam que sua realização pessoal não pode ser friamente individual... que sua razão está atrelada à vazão de suas emoções...que sua racionalidade seja tão lúcida a ponto de alcançar a informação de que é na emoção que encontramos a razão de viver.
Rosilayne Vasconcelos