Irmãos Para a Vida (e para a morte)
Soltos, numa selva urbana perigosa,
Éramos réis da cidade das cidades.
Não respeitávamos regras nem idades.
Acreditávamos na rua mentirosa.
Éramos inseparáveis e imparáveis,
Preto e branco, pela amizade, unidos.
Roubar, bater e fugir sem ser punidos,
Nós cometíamos actos intoleráveis
Até que a polícia apareceu e disparou…
Meu coração acelerou, o teu parou.
Teu sangue nas minhas mãos foi o cúmulo.
Hoje, avanço, só, num caminho torto,
Choro todas as lágrimas do meu corpo
Em cima do mármore do teu túmulo.
Soneto dedicado à memória do meu amigo Diamakan (10/01/83-26/06/2001) e de toda a família Coulibaly.
Olá Deus
Olá Deus, ta tudo?
Eu nem por isso,
Acho que estou doente.
Minha alma está doendo
E nada fazes por ajudar.
Ontem pequei, hoje também
E amanhã volto a fazê-lo
E sabes porquê? Porque é tão bom
Trocar a penitência pelo prazer,
A humildade pelo poder,
A sobriedade pela droga
E o amor pelo amor pelo cu.
Estou com a minha namorada que diz que custou
Mas pouco depois que entrou mostrou que até gostou.
Vês como os teus filhos se portam bem … mal?
Isto aqui está de mal a pior.
E Jesus, está melhor?
Dei-lhe um estalo na bochecha,
Se ele quiser outro, que estica a outra.
Só um aparte, dizem que estás em toda a parte
Mas quando te chamei, estavas aonde?
Foste cagar, adormeceste?
Isso não é uma reza, é um monólogo
Como sempre.
Bom, vou andando
Há agulhas para espetar
A espera do meu braço.
Já agora ó esperto,
O amigão Satanás
Manda um abraço.
Então Adeus Deus.
Não pretendo ferir a sensibilidade de ninguém. Não escrevi isso para chocar as pessoas sequer. Quis apenas mostrar um momento de solidão, de abandono e de rancor que todos sentimos principalmente quando somos crentes como eu sou. Não peço desculpa a ninguém sem ser a Ele e a mim-próprio.
Pele de Cetim
Na ponta dos meus dedos
A tua pele suave de cetim, senti.
Sem ti não tenho sentido.
Não sou homem,
Não sou nada.
Sozinho,
só sou
Sombra da minha sombra,
Sepulcro dos meus medos.
Princesa, és o sol do meu ser
O sal dos meus sonhos,
A luz preciosa do meu amanhecer.
Ouço o som do teu riso
E risonho fica o meu rosto.
Vejo os raios do teu sorriso
E encontro a paz e o descanso
No instante de um encosto.
És a brasa que eu piso descalço
Sem receio. Se sofro? Sim, sei-o.
Sou sincero quando te sussurro
Sermões sem pés nem cabeça.
Contigo não penso, dispenso
Pensamentos sombrios e sem fios.
Como uma criança em susto
Nos teus braços seguros me enfio
E se não me queres, insisto.
Gozo em ti mas não gozes comigo
Quando oiço o teu suspiro.
Até sentir a pulsação
Do teu coração consigo.
Sempre que estou preso no teu ser,
Sempre que sinto os teus seios tesudos
E o sabor dos teus lábios macios,
Sempre que a tua respiração oscila,
Os meus músculos estremecem
E o teu corpo sensual vacila.
É simples:
Sei o que sinto e sinto o que sabes,
Sabes quem eu sou, sou o teu servo.
Aos Emigrantes
Saíram da terra prometendo retornar,
Sem nunca se virar, foram para a França.
Não tinham nada nos bolsos nem na pança,
Apenas a ilusão de ricos se tornar.
Quando chegaram ao destino, tamanha
Foi a decepção que a saudade os invadiu.
Povo maltratado, tratado de vadio,
Trabalhaste duro e não caíste na manha.
Alojados em sujos bairros de lata,
Sem água, sem luz, sem sequer segurança,
Rezavam à Deus com aquela esperança
Que caracteriza quem a dor não mata.
Com o fruto do labor saíram da condição
De escravos para serem livres de escolha.
O homem podia ser mecânico ou trolha,
O que importava era fugir à maldição.
Os anos passaram e os filhos nasceram
Num meio confortável, de nada lhes faltou.
O pai conta como a fronteira ele saltou
E como viu o amor pela mãe crescer.
Agora podem voltar todos os Verões
Para familiares e amigos abraçar,
Defuntos, velhos e doentes visitar;
Recordar o rico passado nos serões.
Cada ano sabe a pouco, não dura nada.
Na hora do regresso o coração aperta,
Deixa todo o ano uma ferida aberta
Que não pode curar nenhuma pomada.
Chegam a fronteira começando a recordar
A primeira vez que saíram de Portugal,
A terra, a fome e o passaporte ilegal.
Mais uma vez, comprometem-se em retornar.
Dedico os meus melhores versos aos meus pais e a todo a comunidade emigrante onde quer que esteja. Alguns só sentem desprezo por vós mas acho que vocês são o nosso maior orgulho. Fui emigrante, e de coração, emigrante sempre serei.
Não Sou Poeta
Não vou mentir, não sou poeta;
Só sou metade, só sei mentir.
Minha rima não sabe rimar nem remar
Nos rios sombrios do ritmo, da inspiração,
Do tormento do sentimento ou da razão.
Nunca enganei ninguém sem ser mim próprio,
Quem me ama e quem me lê.
A cada palavra que escrevo a folha fica vazia.
Escrevi poemas de amor e quando os lia só via azia.
Fiz magia com palavras sem saber o que fazia.
Tenho o coração quente como uma cama de casal;
Solteiro, na hora de o soltar, a inspiração vira a casaca.
Nunca enganei ninguém sem ser mim próprio,
Quem me ama e quem me lê.
A palavra é vento e voa em silêncio sem destino.
O poeta é um Cristo crucificado sem estigma.
Traí o estilo que tanto estimo:
Desisti de existir quando decidi resistir.
A vida é uma luta, e o poeta um soldado perneta.
A vida é uma puta, e o poeta um proxeneta com caneta.
Nunca enganei ninguém sem ser mim próprio,
Quem me ama e quem me lê.
Caminho com a cabeça nas nuvens de algodão,
E com os pés bem assentes no chão de alcatrão.
Mal sei se sou ladrão ou aldrabão.
Bem peço esmola sem pedir moeda.
Não vos menti, mal sou poeta.
Filhos da P...
Fui agredido numa noite
Invernal. Eles eram altos e eram oito.
Lembro-me de ficar o que pareciam
Horas e horas a levar na cara.
O meu rosto estava inchado, só se viam
Sangue e arranhões. Doeu tanto quando secara.
Dei por mim numa cama de hospital;
A enfermeira era tão boa que até bati mal.
Pude ver os estragos no espelho:
Um olho negro, o outro vermelho.
Tive tanta raiva de, pela palheta, comer, engolir e calar.
Amigos puseram-se na alheta, amigos não vão ficar.
Não se pode dizer que é poema bem escrito mas raiva e frustração são sentimentos difíceis de formular. Esses "versos" só têm o mérito de serem espontâneos e verdadeiros.
O Menino
Nunca se lhe viu um sorriso, apenas lágrimas no buço.
Nunca se lhe ouviu um riso, apenas gemido e soluço.
De noite como de dia, banhava na tristeza.
Porquê? Ninguém o sabia; Ninguém tinha a certeza.
Não era pobreza, nem vergonha, nem azia; não tinha apenas um brinquedo, tinha milhares
mas raramente brincava e quando o fazia, fazia-o sozinho e longe dos olhares.
Não tinha nem um amigo, nem um irmão, com quem brincar, com quem falar.
Só, Solitário, solidário da solidão. Sem nada para dizer, preferia se calar.
De dia, a mãe preparava bolos a moda antiga mas o menino não comia.
A noite, a mãe embalava-o com uma cantiga mas o menino não dormia.
Encostava o rosto a almofada e chorava toda a noite até amanhecer.
Via na cabeça uma visão, uma facada, um rosto que ele preferia nem conhecer.
Recordava aquela noite de chuva e de frio em que os pais foram ao teatro
Ficou sozinho em casa com o tio, trancados, no quarto.
O homem pegou no menino nos seus braços e com força atirou-o para a cama.
Tirou prazer com os rins e com abraços; durante horas gozou o sacana.
No fim, o tio fitou o teto com um sorriso estampado no rosto.
O menino ficou quieto, vazio, devastado pelo desgosto.
Nunca falou dessa noite a ninguém. Tinha vergonha, sentia-se culpado
mas não é culpado quem nunca pecou nem tinha pecado.
Nada fez por merecer o sucedido mas desde então ficou preso no passado
O menino estava perdido, o menino estava cansado.
De noite como de dia, banhava na tristeza.
Porquê? Só ele e o tio o sabiam; Só eles tinham a certeza.
Para quem não tem paciência de ler tudo, basta ler a primeira metade de cada verso. Não muda o fundo, só muda a forma.
Contemplações
O tempo não volta atrás, o tempo corre.
Enquanto a alma morre, o corpo percorre
um caminho insinuante e sinuoso.
O som do sino tira o sono ao idoso;
Soa como um sinal de saída em pessoa.
A vida é um soro corrosivo e venenoso
que vai e vem nas nossas veias.
Lembranças e saudades são coisas feias.
Quando a saudade nos prende nas suas teias,
a dura tortura dura e fura feridas sem cura.
Que água imunda, a mágoa imune à secura.
Nada serve segurar a sorte se nada é seguro.
Estilo
Escrever merda não interessa;
O que interessa é escrevê-la bem.
Não adianta ter calma ou pressa.
Ha quem tem estilo; Ha quem não tem.
Nada vale a mensagem, apenas.
Pobre Feidípedes tanto correu
entre Maratona e Atenas,
propagou a mensagem e ... morreu.
Porque a forma prima sobre a rima,
nos ouvidos o estilo estala.
Se pouco me interessa a estima
é porque, o estilo, está lá.
Estilo atravessa o tempo num
ímpeto breve de raridade.
Escandaloso entra no templo nu.
Profanação da mediocridade!
Tanto poeta de meia tigela
pensa que copiar é suficiente
para ser considerada bela
sua pobre escrita tão deficiente.
Estilo não copia mas inventa
uma nova forma de escritura.
É soprar um ar fresco que aventa
o bafo podre da autocensura.
Estilo não conhece limite,
regra, ideologia ou governo.
Bem tentam mas ninguém o imita.
É como um raio de sol no inverno.
Estilo pode se ouvir como um
silêncio no meio de um grito.
Enjoei do pensamento comum;
Caguei mais um escroto escrito.
Ainda Respiro
Cuspiram-me na cara até ficarem sem saliva.
Bateram-me mas os hematomas desapareceram.
Fecharam-me todas as portas até ficar sem saída.
Queimaram-me como uma vela de cera.
Fizeram-me a vida negra que nem um escravo.
Rasteira após rasteira, aprendi a levantar-me.
Deixei de ser tenro, tornei-me bravo.
Preso na lama, continuei a movimentar-me.
Quando estás no fundo do poço
só podes olhar para cima.
Ninguém olha pelos outros,
todos lutam por si.
Eles têm tudo mas não valem nada.
Deles não tenho ciúmes, nem inveja, nem medo.
Fizeram da minha vida um inferno, uma existência danada.
Atiraram-me as culpas, apontaram-me o dedo.
Somaram as pontas, diminuíram-me, multiplicaram os preconceitos
e acharam que as minhas intenções eram calculadas.
Os meus modos não foram aceites.
Sujaram-me o nome mas a consciência ficou imaculada.