Sinto saudades dos lápis de cor que trazes nos olhos - Poema 2 - Concurso APPADCM 2011
Premiado com uma Menção Honrosa
O destino passa por mim como uma pena caprichosa
Tão apressada, tão amarga que a cegueira
Tirar-me-á a lucidez de voltar a ser menino
O sono poeirento das pedras descobre-me os pés
E o ruído das estrelas permanece imutável
Ao longe umas mãos pequenas estendem-se
Abraçam-me como dois girassóis ciclópicos
Sinto-me tão pequeno dentro daquele olhar
As portas da igualdade fecham-se,
O espelho agride a nossa desmedida incoerência
Através da vaidade dos olhos que não usamos
Posso pedir-te que me abraces de novo?
Sinto saudades dos lápis de cor que trazes nos olhos
Carlos Val
DUETO JESSICA NEVES E CARLOS VAL - Já não me reconheço se não dentro da tua loucura
Tantas vezes fui sem querer ser
A chuva perdida no teu olhar de cetim
Trago os olhos ao peito a arder
Nas chamas de um céu ainda por nascer
E ao fundo uma voz a perguntar por mim
Na solidão de um grito quase mudo
Só os teus sussurros me elevam
A viajar rente ao chão onde pertenço
Sou ave ferida em voos descontrolados
Sobre planícies imaginárias no tempo
As minhas asas foram cortadas pelo vento
Quando ansiava chegar até ti
E nesse derradeiro precipício ouvi o teu sussurro
Doce como uma esfinge inacabada
Forte abracei-te como quem abraça o mundo
À espera da resposta na tua pele acetinada
Calo-me nesse hálito morno onde me embebedo
Nuns lábios cor de mel tão sóbrios
Como o beijo que nunca demos
Se soubesses o quanto te desejo…
Ah, se soubesses!
Os meus olhos voltariam a ver o mar
As minhas mãos voltariam a sentir-te
A minha boca a respirar-te
Os nossos corpos entregar-se-iam
A amar, amar, amar...
Mas tu continuas ali
Longe como um vulto ancorado na berma do sol
E as tuas mãos continuam longe das minhas
Já não me reconheço se não dentro da tua loucura
É lá que moro e permaneço só
Porque não vens desatar este nó
Arrancar toda a amargura?!
Porque insistes prender-me neste deserto
Onde a sede me mata sem me fazeres tua?!
Veste-me na tua pele nua
Porque de mim, tu não sabes nada…
Jessica Neves & Carlos Val
Rostos imutáveis
Lá fora começou a chover
Olhei-te nas melódicas paredes nuas
De um pranto sem nome
Toquei-te sem pressa
Bebi o teu choro
Antes que a chuva se recolhesse aos céus
Calei-me por um instante
Enquanto o teu rosto me olhava
Pela vidraça da minha loucura
Onde a luz e o mel jazem imutáveis
Carlos Val
Abandono-me nas palavras
A escrita é a minha última fuga de silêncio
Já não tenho as horas a roer-me a solidão
Nem o tempo a velar por mim
A mesa está posta e tu não vieste
Ninguém apareceu nem os pássaros mortos
Que habitam dentro de mim
As flores continuam alegres, algumas rasgaram-se,
Permanecem quietas junto dos remendos
Onde colo a minha sombra
Abandono-me nas palavras
E cravo nas veias a juventude dos livros
A passearem-se diante da cegueira
Diurna dos meus olhos
Carlos Val – pseudónimo literário de Conceição Bernardino
Esboço-te…amor
Deixa-me adormecer
Antes que a noite se esqueça de nós
E o céu se cale na nossa boca
Onde a luz se esgota na medula
Dos dias sem ninguém
Ainda sinto as cassiopeias
Atravessarem-me o peito
Tão dóceis como o beijo
Que nunca me deste, senti-o
Nos vestígios fogosos
Do lado esquerdo da cama, onde
A sombra dos teus olhos se esconde
Carlos Val
Trazes nos bolsos vazios a poesia
Nas gretas das pedras descansa o sonho
E o medo que trazes nos bolsos vazios
Rendilha a poesia que há em ti
Na cintilação das estrelas aquáticas.
Onde está a diferença dentro dos meus olhos?
Se as lágrimas da nudez das uvas que bebemos
Têm o mesmo sabor, o mesmo salitre
E as curvas oblíquas do chão que pisamos
Têm a mesma paisagem azulina das telhas.
Um dia inesperadamente veremos
As escamas húmidas dos crisântemos
Silente como um grito nas nossas mãos
Para que não se apague este mar imenso
De gestos que pernoitam dentro de nós.
Carlos Val
No limbo de um beijo apressado
Trago lençóis de água cravados
Na fonte seca que chora por nós
As abelhas envelheceram, e o mel
Secou no beiral de uma roseira brava
Ainda sinto os espinhos fincados
Nas costas, vertendo lágrimas de sangue
Que fluíam das tuas unhas acetinadas
À procura do pecado, da morte incerta
No limbo de um beijo apressado
Foge-nos a cumplicidade através
Das cinzas, e no silêncio ludibrio
Os teus lábios na insurreição das ondas
Carlos Val – pseudónimo literário de Conceição Bernardino
In - Nono Sentido”
Brindemos ao branco impreterível da morte
O teu rosto é semelhante à dança da noite
Contorço-me como um aspirante aos passos
Embriagados de um lobo esfomeado
À procura da silhueta mórbida
Que desenhas no meu corpo descompassado
A noite é colossal na sua inquietante audácia
Onde o ruído se esconde na erecção
De um cangalheiro à espera que o último copo
Se desfaça numa corda junto ao pescoço
Brindemos ao branco impreterível da morte
Carlos Val
à procura do poema inacabado
A chuva de outros dias
mata a sede da planície onde a âncora
repousa sórdida sobre os meus ombros
ligeiramente absortos
o meu rosto igual a tantos outros
esconde-se atrás do medo,
espreita, sorrisos crepitam
presos a uma mariposa
feita de papel acetinado, um longo fio
atravessa o céu
os meus olhos apressados correm,
segurando a mariposa dentro do arco-íris
das minhas mãos adversas,
abri gomos de orvalho em pregas
diferenciadas, e a chuva de outros dias deslizam
sobre os meus dedos
como continentes de metáforas
à procura do poema inacabado
que vive inexplicavelmente dentro de ti
Carlos Val
Dentro dos meus olhos reconheci-me
Os olhares cravam-se nas costas com ferocidade
E na terra Mozart planta Agnus Dei
Só as escarpas servem de asilo à liberdade
Agarrando as mãos de um Deus incógnito
Um fio de luz coalha no lábio de um velho
Que me acena com o olhar descrente
Para uma caixa de esmolas vazia e um pão bolorento
Um órgão desata arder dentro da garrafa oca
O cântico da paisagem silenciou-se
E dentro dos meus olhos reconheci-me
Sentado no mesmo sitio à procuro do velho Deus
Carlos Val