Não quero sonhar
Não quero sonhar,
A dor é uma realidade falsa,
uma aparição desaparecida
que insiste em assombrar.
Viro Lua no adeus ao Sol,
Pálida, fria, solitária
Triste e encantada
nas noites insanas...
Não quero sonhar,
Crio raízes de realidade
para impedir que se fechem as janelas
numa casa onde a solidão reina,
cada escada é uma melodiosa tortura
a cada passo profundo na escuridão.
Não quero sonhar,
Falsas expectativas que fazem desmoronar paredes,
Barreiras invisíveis da minha salvação.
A cada sopro de sanidade
Abandonam-me, desprotegendo-me
na nudez pura de toda a magnificência da tua beleza.
Não quero sonhar,
Não quero virar Lua nem dizer adeus ao Sol,
Não quero caminhar pelas escadas da minha casa
onde os muros há muito desmoronaram,
onde não existe nem saída nem entrada,
onde apenas tu existes como figura falsa,
como reflexo inexistente,
como aparição desaparecida...
Quero-te tocar,
quero-te chamar,
mas não ouves ou não queres chegar,
não me vês ou não existes,
és a dor da falsa realidade do meu sonho.
Quero-te tocar, não te quero sonhar!
Ser
Sou a vida, sou a morte
Sou o tudo, sou o nada
Sou o sonho, sou a realidade
Sou a fantasia, sou a sanidade
Sou a ilusão que nasce na escuridão
Sou a luz que vive da integridade perdida em vão…
Sou o certo, sou o errado
Sou o paraíso, sou o inferno
Sou a alma, sou a pedra
Sou o rio, sou o oceano
Sou aquilo que existe que nos faz perder a razão
Sou a sombra que caminha por entre o esquecido como o vento do furacão
Sou o planeta, sou o universo
Sou a água, sou o deserto
Sou o sentimento, sou o gelo
Sou a lua, sou o sol
Sou o eco que vibra nas paredes da mente
Sou a voz que encanta e embala deliberadamente…
Serei eu amor?
A Nu...
O espaço vazio,
Distante, afélio.
Quase invisível, incolor,
Sem se notar a dor
sob o abrigo abafador
O espaço vazio,
Inquieto, cheiro a bafio.
Impaciente, escondido,
Socialmente suspendido,
Pessoalmente esquecido
O espaço vazio,
Abrigo fugidio.
A presença imponente
da tua figura adjacente
que me devora vorazmente
O espeço vazio,
desapareceu sem vestígio.
Agora cheio de resquícios
da verdade sem indícios
de esconderijo sem vícios
O véu levantou,
a nu, o corpo e alma escutou
a silenciosa voz que acalmou,
e o abrigo insensato que derrubou.
A voz que agora incendiou
um espelho de olhares destapados
sem véu, sem amarras ou sentimentos vedados.
Sem roupa, verdadeiro e só, perante ti...
Inércia
Adormeci sem ter acordado,
a olhar para o mundo vedado
intransponível para mim,
Aqui permaneço na inércia sem fim.
Sentado, parado no tempo,
A vida inteira passa por mim,
Pessoas caminham sem me ver,
Apenas sombras e vultos
impossíveis de entender...
Impossível de alcançar,
o Sonho que se virou doente
e a minha prisão envolvente
suspira num desespero sem par!
Acordei sem ter adormecido,
Cresci sem ter nascido...
Congelado no tempo, neste olhar
vou morrer sem ter vivido...
Arcanjo
Não vivo neste mundo
Não sou senão tu que vives dentro de mim
Asas bem debruçadas
Lentamente transfigurado
Solitariamente incumbido na tristeza, envolvido...
Assolado,
pela pele agarrado
Preso nas sensações da falsa perfeição
Realidade
a tragédia mascarada
A vida evoluída sob um pretexto de mágoa
Eu paraliso...
Uma pegada na sombra, uma sombra na escuridão
Uma invisibilidade e o sangue que cai...
Não pertenço,
Devolvido de qualquer espectro,
Real ou fantasia, eterno ou finito
A pérola da mancha negra da Lua
Ele debruça-se sobre mim,
Cospe a alma e eu existo,
A invisibilidade e o sangue que cai...
A certeza e o muro que desmorona,
A simplicidade o o sorriso que morre...
A faca que trespassa a parede da demência
Vontade, mágoa, malvadez, suicídio
A queda, o desejo do sangue que cai
os olhos que se negam a fechar...
Não vivo neste mundo
Não sou senão tu que vives dentro de mim
Deus que realiza, que engana
Deus que se solta, que infama
Deus que vive na sombra do meu pecado
Na natureza e na morte que me guiam sobre o solo da tua insanidade...
Na polaridade negativa de energia cósmica
Não pertenço a ti,
Preso pela pele de mim,
pela alma
Rejubilo com a força de ti,
Ignoro a fraqueza de mim
Não vivo neste mundo
Não sou senão tu que vives dentro de mim
Inimigo de ti
Inimigo da humanidade
Força da verdade e do sangue que cai
Faca nos pulsos e os olhos que se negam a fechar
O sangue que cai...
Não vivo neste mundo
Não sou senão o Arcanjo que vive dentro de mim...
Porque Chove quando procuro o Sol?
Como sou eu a vida
que se desmoronou dentro de mim?
Não vejo senão janelas e paisagens longínquas
que embarcaram numa viagem
pelos meus maiores receios,
Uma viagem rendida aos meus meios
de uma vastidão imaculada
de asas partidas e ensinadas.
Como sou eu o calo de uma árvore
que tombou sob o sopro de Deus?
Ou serei eu o próprio sopro que tombou a árvore?
Sem raízes, cresceram e desapareceram
com as nuvens que entristeceram...
Pintadas de branco numa tela branca,
Tropeço nas minhas raízes
e lembro-me de como ainda existo
como uma sombra sem presença,
Infrutífera, desdenhosa e sem crença.
São nestes pedaços de papel onde escrevo,
onde gastei a tinta da caneta
que sempre me foi companheira,
Onde me viro para a chuva
que sempre veio quando procurei o Sol...
São nestes pedaços de papel onde me banho
nas águas divinas de mundo superior,
Gota a gota, a beber do sofrimento do céu,
O horizonte que chora a alma que se perdeu...
Peguei nas minhas asas ensinadas
e tentei voar sobre o mar,
Mas caí e afoguei-me no sonho de separar
a terra do ar,
E acabei por me enterrar
Na tristeza ainda por acabar,
Perdi-me no horizonte ainda a chorar...
Terramoto
Com um estrondo,
o mundo decompondo
a vida, sobrepondo
o limiar tresloucado,
do Deus abastado,
de um povo sacrificado
pelos seus pecados
e dos sonhos sagrados
Outono
No pavor da queda das folhas da noite
O sabor das pétalas ressequidas
sobre eternos campos floridos.
Rastos de campos de terra batida
em rios desaguados das chuvas esguias
O verde refrescante trocado pelo castanho doentio
Escondidos sobre as asas negras do nosso abrigo,
Cegos ao esplendor dos céus zangados,
As lágrimas que perfazem o teatro fatigado.
Se ao menos nos revelássemos
entre Almas e Ruas cá dentro por achar,
Descobriríamos a tristeza do Mundo
em nossas lágrimas a acumular...
Big Brother
Na mente,
decadente,
do olhar demente...
estrategicamente
e internamente subscrito,
sob o olhar aflito
de um triste conflito.
Perda de identidade,
roubo de intimidade,
crime organizacional
da alma experimental.
A montanha monumental
de uma tortura mental,
sem questionar a liderança
de uma herança
sem balança,
no limiar da vingança!
Na mente,
decadente,
do olhar demente...
A mão conivente
que rasteja debilmente
sobre a palavra eloquente
cantada assiduamente.
Inexistência de moralidade,
no objectivo de futilidade,
acima da Divindade
de um mundo sem credulidade
e das chamas da irmandade.
Deserto de emoções
de cegas adulações
na inverosímil calmaria
acreditamos na Utopia
Ignorância
Eu já fui uma criança de África...
Eu já vi as chamas,
as labaredas do nosso sentimento;
A solução que a humanidade inflama
no incêndio do mundo sem entendimento.
Já vi as crianças de África,
Já vi a sua desolação;
Eu já fui uma criança de África
sem ter essa cotação!
Já vi os comerciantes de rua,
Sorridentes a impingir bens roubados,
Já vi o artista, malabarista que flutua
alegre, de bolso vazio e os polícias incomodados.
Já vi os mendigos mendigando,
Já sublinhei a sua tristeza dizendo não;
Já encontrei a sua pobreza m'enganando,
O sonho destroçado de alguns que vão.
Já vi os refugiados sob o desabrigo da chuva,
Almas mortas à espera de salvação;
Já vi, mas tenho a visão turva,
Coração palpita mas ignoro a sua condição!
Já fui uma criança de África
sem ter essa cotação...
Desculpem-me se já vi mas não sinto,
O frio dos outros não me preocupa
A minha alma está abrigada, não minto,
Olho apenas no ecrã o meu reflexo, peço desculpa...
Eu já vi as chamas,
as labaredas do nosso desentendimento;
A isolação que a humanidade inflama
no incêndio do mundo sem sentimento!