Poemas, frases e mensagens de thiagodebarros

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de thiagodebarros

Fodei-vos

 
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O amor
é invenção nefasta
do sexo.
O nexo dos corpos juntos
parido pela linguagem.
O amor,
verdade esfarrapada
para desculpa.
O amor,
mentira talhada
pela raça
que se quer casta
em palavras.
O amor não existe
em sí,
para além dos suores
e outros fluídos.
O corpo ama, só se for.
Corpo não é mentira,
corpo não é pecado.
A alma alucina amores,
o corpo sente-os
em fricção de peles
e respirações.
O amor é a maldição
do humano,
vítima de seu corpo
biológico,
entregue à lógica
dos hormônios e neurotransmissores
e escravo das justificativas
para a culpa,
para a responsabilidade,
para o objetivo,
para o plano traçado
pelos ancestrais
sobre ser humano,
sobre amar -
a missão de encontrar par,
as borboletas no estômago,
a posse,
a obsessão,
a negação da solidão
conjurada como tristeza.
É proibido dizer
que é possível ser feliz sozinho.
Pode-se matar Deus,
mas não o amor.
Os corpos seriam órfãos
do único sentido de vida
que compreendem,
porque o fazem com seus corpos
suficientemente opacos,
tangíveis,
ao alcance do tato.
O amor é inatingível.
A fábula invisível
que se crê com a certeza
do corpo.
Cometem disparate,
aqueles que confundem o sexo
como do amor, apenas parte.
O amor é resquício
de dualismo metafísico.
O corpo é a matéria monista,
o todo.
O amor é a meta do tolo.

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Fodei-vos

Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cachorro-Quati

 
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Aprendi a pescar
inspirações.

Digo a mim mesmo:
- Vou escrever um poema.
Sento-me
em qualquer lugar que esteja
com o caderno em mãos,
olho por todos os lados
e espero o motivo
qualquer.

Às vezes só preciso
que a pessoa passe
com o cachorro.

O cachorro me vê.
O cachorro
é um quati.

Nunca mais pude ver
cachorros
como cachorros
depois da Lispector.

Clarice me contou
um dia,
de um homem
que tinha um quati
que tratava como
cachorro.

O mais interessante
do conto
é que
eventualmente,
o quati
passou a acreditar
ser cachorro.

Eu acredito no cachorro
que me olha,
percebe-me,
sente meu cheiro
de longe.

Olha-me nos olhos
como se soubesse
o caminho, assim,
instintivamente.

Mas,
o cachorro
ou o quati
está na coleira
e a sua passagem
é sempre
condicional.

A pessoa passa
passo a passo.
As costas da pessoa
é o passado.

Para passar
de lá para cá
é preciso
um ponto fixo
preciso.

Eu sou a ponte,
o ponto
ou o poste
por onde passam
pessoas
e sinas.

Às vezes
me olham na cara.
Às vezes me dão
o dia bom,
a noite,
à tarde.
Às vezes me dão algo
com o olhar.

Poucas vezes
as bocas se movem
em esboço
de sorrisos
quase monalísicos.

Passam.
Notam-me.
Sabem que eu
ponto,
ponte,
outra pessoa,
estou ali.
Outro história.
Outro mundo.

Às vezes
encaram o chão.
Como em homenagem
aos próprios
pés.

Observam o passo
ao invés da pessoa
poste,
fixa,
por onde passam.

É que o outro
é amedrontador.
O outro dá calafrios.
O outro me dá coisas
que me convencem
a fixar o chão
nos limites da reunião,
até que de costas,
a pessoa que passa
pensa
na pessoa suspensa
deixada para trás.

Pensando melhor,
o cachorro
da pessoa
era cachorro
mesmo.

Não é,
nunca foi
e nunca quis
ser quati.

O cachorro
da pessoa
mal desconfia
da existência
de quatis.

Ele sabe pouco
e por isso me olha
curioso,
nos olhos,
quando passa.

Sei mais do cachorro
que da pessoa.
Da pessoa
só sei as costas
e que não me olha
quando passa.

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Cena 1, Banco da Quadra, O Títere, A Pessoa e o Cachorro-Quati

Chegou Shiva

 
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Shiva na chuva quântica.
Exu na semântica.
Tríshula.
Maha Deva, mais ou menos
Deus do fogo.
Irmão de sangue.
Filho da lua.
A cobra pulula shambo
de girar tambor
do meu mundo.
No meio da minha ação
o interstício da intenção.
Que se faça cumprir a missão!
Medito
dia e noite
no capacho de leopardo.
O fardo amargo do animal morto
que também já fui.
Shankara,
escancara a boca e grita OM.
As pálpebras dos terceiros olhos
tremem na janela ajna.
É tempo de transformação.

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Chegou Shiva

Passarela subjetiva

 
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A cidade pulsa como um rio,
a cidade pulsa no rio da cidade,
no subterrâneo,
na veia da cidade,
no pulso.
A minha voz,
a minha voz pulsa
no pulso da cidade,
fêmea efêmera.
O eixão passa por cima,
os carros,
a cigarra,
o cigarro em minhas mãos
e o eco na passarela
subterrânea.
Os grafites das pessoas
que querem dizer algo à cidade.
Eu digo em eco
Agora ora ora ora ora ora
Agora é hora de dizer
o que eu quero fazer
da vida ida ida ida ida ida
A vida ávida em meus gânglios.
A vida fluída em meus gânglios,
os grafites da cidade
são o açoite,
são o açoite dessa terra
de dedos
das pessoas com tintas nas mãos
mostrando nos muros da cidade
a verdade,
a verdade única do ser:
a subjetividade.

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Passarela subjetiva

O silêncio é uma verdade

 
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Saúdo as musas urbanas
nas vibrações energéticas
da conectividade sem fio
da cidade.

Musa uaire léss,
sem asas do fio da meada,
no meio fio abandonada
bêbada e sem créditos.

Noutras ruas
pira o tal poeta
de pira acesa para a lua
iluminando o breu
da folha em branco.

A musa cracuda
na esquina escura
da cidade sem esquinas.

A ponta de seus dedos escuros
indicam um verso surdo
para o muro.

Um verso de ler
com olhos fechados.

Um verso sobre a realidade
dos becos escuros
dos bloqueios de letras.

A realidade não é de verdade.

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O silêncio é uma verdade

Homonoia

 
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Sou cientista,
macumbeiro,
mago,
poeta,
artista.
Minha ciência
é coreografia
da natureza
das coisas.
Quem dança é meu santo,
quem baila
é orixá,
é anjo,
é guia,
é luz.
É sina.
Sinal de santa cruz
em meus gráficos
de ordenadas
e abscissas
de barrigas abertas
parindo fatores
e milagres.
Eu manipulo a variável
na encruzilhada,
dedutivo-hipotética
entidade antitetânica
e antirrábica,
o cão chupando manga,
pontos,
equação.
Minha poesia
é sempre o rito
do experimento,
é sempre a invocação
ao vento
de algo outro
(nem sei se santo)
que vem lamber a prece.
Meu poema é polpa
de alimento luz,
meu poema é um ponto
em cruz
nos eixos cartesianos.
Não há divisão,
não há limites.
A natureza que investigo
e descubro,
é o deus que grita
ou chora
ou chove
ou lamenta
meu poema
em letras.
Arte,
Ciência,
Religião,
tudo eco
do mesmo ão.

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Homonoia

Poema Tófago

 
Poema Tófago
 
 
Poema Tófago

Onco lógico

 
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Nunca terei câncer.
Antes da cura
sucedeu-se a prevenção.
Em suma:
Não cansar-se de si.
Em soma:
Rir-se em riso raso,
sem não caçoar-se.
Carcinoma,
melanoma,
melindrosa melanina,
pintas pretas
de puro expelir cansaço
e cobrança.
Se cobrares-se na sombra de outro ser,
para parecer similar e aceito,
perecerá.
Não cansar-se de si
é aceitar-se,
assumir a sina, qual seja,
e exercê-la.
Só sucumbirá
aquele que soterrar
o sumo de sorte que tem.
O sonegador de ser-se
acelera o sacramento morte
em pólipos, espólios de
protuberâncias ubiquitárias,
caroços,
nódulos,
nós duros
e metástase.
Salve-se.
Seja.
Sem cansaço,
e com riso.

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Onco lógico

Má Sã

 
Má Sã
 
 
Má Sã

Brachycera ou A(s) Mosca(s)

 
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A mosca
e sua paixão
pela fresta
da janela que abro.
Nunca tenho sopa,
ela nunca pousa.
A mosca passeia
em zumbido árido
pelo cubículo-lar.
A mosca enxerga
linhas divisórias etéreas
e outros prismas.
Baila colorida
no meu ar.
Ai dos insetos!
(que invejo menos)
mas invejo pouco,
por poderem voar.
Ai de sua pequenez
diante da minha
maioridade aerosol.
Quando aponta
na fresta,
mentalizo a mensagem
e envio
ao astronauta-mosca.
Não há sopa,
não há pouso,
não há paciência
para seu ganir
em zum.
Zumba!
Zabumba!
Zumbaio você,
mosca,
e peço que vás,
pela fresta, de ré
ou em festa,
antes que eu
determine sua sina,
sentença de morte.
Maldita sejas,
por não ouvires.
Eu, D-limoleno,
Rayd, protector
em meu zum
artificial e letal,
embriago-a,
mosca.
Zabaneira barata
por odores,
danças no olor
de laranjais,
a fragrância
do fabricante.
Sua morte flagrante
nesse mesmo ar
meu.
Enveneno-a
e homeopaticamente,
a mim.
Mosca de matar-me
de raivas ancestrais
de seus pousos conspiratórios
nos pires do meu oratório.
Acompanho
sua última dança
mais zumbida que nunca,
viras kamikaze
e joga-se brutalmente
no meu quadrado chão
e giras
enlouquecida
como se risse
em zum contínuo,
quase cigarra.
Morres.
Fito o quadro funerário
e a carcaça já não jaz;
nunca acho os corpos
delituosos.
Em ossos,
Raul lembra que se mato
mosca
outra vem,
de algum lugar.
Eu digo,
vem do além.
É a mesma mosca
a voltar.
A mesma ancestral
da sopa genética
milenar,
do mar de onde saí.
A mosca evolutiva,
mentecapta,
reencarnada
e aflita para vir,
ir,
voltar
e dizer em zum:
- não adianta -
zurzindo ziquiziras.
Mosca necrófila
fiando a fila do meu azar.
Animalia
Insecta
Desinfeto-a,
enquanto
posso.
Volte
enquanto puder,
Cumpra-se a sina,
tua, mosca,
e minha.

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Brachycera ou A(s) Mosca(s)

Corpus Criticus

 
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Enquanto meu corpo não acaba
eu me acabo em outros corpos.

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Corpus Criticus

Far off

 
Far off
 
 
Far off

Poema achado no perdido

 
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Eu pratico
o desapego
para não ter
que praticar
o desespero
da perda.

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Poema achado no perdido

Ressaibo sabiá

 
Ressaibo sabiá
 
 
Ressaibo sabiá

Carcinome

 
Aperto meu corpo
com meus dedos.
Aperto meu rosto
com a ponta dos ossos das falanges
e rangem outros ossos e um recheio de mim.
Sinto que estou cheio.
Mesmo que não vejo,
o apelo do dedo enquanto aperto-me
Assevera:
- Deveras cheio estou.
E todo esse recheio,
que imagino bem vermelho,
parece não ser bastante.
É que a todo instante,
latente como constante,
No meio cheio do recheio
das estranhas entranhas,
tão disfarçado que mal se localiza,
tão dissimulado que mal se desfaz,
O vazio.
Identifico com artigo porque o conheço de longa data.
É talvez o mal estar que deu pregas na alma do Álvaro,
É aquilo.
Meu recheio tem disso.
Tem essa coisa quase feto
que se nutre nas minhas entranhas
e que é estranho.
Às vezes é câncer.
Às vezes me cansa.
 
Carcinome

Neuroanatomia urbana ou Quadra 743

 
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Na linha do horizonte,
na curva da ponte
deste pensamento.

Os pulsos nervosos carros
pelos neurônios ruas
da cidade.

Eu, astrócito
deste cérebro coletivo.
Eu, astro insólito
deste cérebro comestível.

"Os canibais de cabeça
descobrem aqueles que pensam
porque quem pensa
pensa melhor parado"

Eu paro no semáforo.
O cérebro pára.
A corrente neural
fedendo a combustível.

No dendrito preto
do cérebro da cidade,
paro.
O astrócito pedestre
passa.

O canibal de cabeça
não me descobre
porque atravesso
enquanto o cérebro pára.

Não estou parado,
não ficarei parado.
Não posso estar parado
nem em qualquer sonho do mundo.

Quem come a cidade?
Quem comerá o cérebro da cidade?
Quem beberá o sulco
do giro do cíngulo
do sistema nervoso
do eixo central?

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Neuroanatomia urbana ou Quadra 743

Existencialidade imediata

 
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O futuro bate à porta
como se para me assombrar.
Torna a trilha do passado torta
e quer tomar da memória o lugar.

Sinto a ansiedade
dos dedos magros do futuro,
o eu que serei na cidade
ou no campo, mais maduro.

Olho no olho mágico,
o futuro veste morte.
Percebo seu gesto trágico
traçando a minha sorte.

Olho atrás, o passado mirra.
São neblinas de outros tempos.
As culpas não têm mais rimas,
o verso do instante cresce lento.

Fecho os olhos e encho o pulmão,
é na respiração que eu sei do agora.
O passado não me alcança na lembrança,
o futuro é do lado de fora.

Fico dentro.
Fico centro.
Este é o meu lugar.
Fico respirando o vento
do que chamo instante já.

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Existencialidade imediata

Procura-se um poema

 
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Eu sonhei um poema
e o esqueci.
Lembro-me outros sonhos
que não são poemas,
são só sonhos.

Eu perdi o poema
porque ele quis
ser
livre
desde o princípio.
Jorrou-se durante uma caminhada
na encruzilhada de um caminho que trilhei,
depois jogou-se num precipício
e nunca mais o avistei.

Eu caminho com direção,
com pseudo-objetivos
porque o final é a morte.
Os de agora,
são todos vãos.

Eu perdi o poema
num vão.

Tento recuperá-lo em vão.
Daqui pra frente,
talvez,
toda vez
que eu
pretensiosamente
quiser fazer poema,
só regurgitarei fragmentos
do poema perdido.

O poema era sobre pés,
era sobre caminho,
caminhar.
Era sobre eu dizer
várias vezes
quem ou o que sou,
qual o som
da palavra,
da verdade...
Em qual conceito me assento
e fico majestade de mim?

Quem encontrar o poema,
favor devolvê-lo sem dano.
Contanto, cuidado:
o poema causa dano,
irreversível.
Eu fui afetado,
só me resta agora,
um coração de vidro pintado.

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Procura-se um poema

Na boca do fogão

 
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Estar na panela
Panelinha
Cada uma com sua tampa
Achar a tampa da panela
Bater panela
Panela velha
Broa.

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Na boca do fogão

Ilusão Semântica II

 
A dor meço no lençol. Amor, tecido.
 
Ilusão Semântica II