Κρόνος
Cronos me engoliu.
Filho ingrato que sou,
me agarrou com suas de garras de homem-touro-leão
e não tinha intenção de passar.
Serpenteava envolta do mundo
guardando a terra que um dia eclodiria
pra se transformar em monstro.
Em tripé desequilibrado pelo medo da cria.
Vazia.
Desprovida de chifres, de garras ou sabedoria.
Que morde o próprio rabo
com gosto amargo do sangue escorrido.
Arrependido.
E que congelado, não podia mais seguir adiante.
Que me fez desbotar as escamas polidas
pelas mãos do amor.
Contrariado por não saber quem sou
amarrei-me à pedra da incerteza
e me joguei no mar do vazio
que é minha incompreensão.
Sem destino. Sem paraíso. Sem redenção.
Meia Metade
Sou metade de mim mesmo.
Metade de um completo que se complementa.
Inteiro completado por duas metades que não se conhecem.
Mas que não se separam.
Sou o que completa minha outra metade.
A metade que é minha e é inteira.
A metade que mente uma verdade.
Que se divide pra se completar novamente.
E é incompleto sendo inteiro.
Não quero pedaços.
Não quero uma metade que me complete.
Quero um inteiro que me transborde.
Pronto pra Morrer
Eu sou um homem, não um menino
certas coisas eu não admito
carrego um desejo de vingança reprimido
Desde que na minha casa entrou um estranho
que encostou uma arma pro meu crânio
e eu nada pude fazer
a não ser me ver balbuciando
febrilmente, implorando:
"eu não estou pronto pra morrer"
Cada um tem que enfrentar o seu carma
pagar por uma escolha errada
comigo não é diferente
Minha baixa escolaridade
é um espetáculo à parte
eu sei que pode te entreter
já que você vê comicidade
em tanta desigualdade
o que, pra mim, é novidade
mas eu evito esse debate
pois seguiremos nesse impasse
mesmo depois que eu morrer
Toda cidade tem a sua aberração
uma criatura habituada à humilhação
para quem não existe chance de redenção
Eu me lembro de um aspirante a padre
que aos quinze anos de idade
teve que se defender
de uma afronta à sua masculinidade
que nem sequer era verdade
ou, se era, era só em parte
de resto, era só maldade
mas não houve quem não acreditasse
Então, segundo me contou Linari,
logo ocorreu um embate
quando numa certa tarde
de porta em porta, o coroinha bate
e anuncia com voz grave
se fazendo ouvir, sem muito alarde:
"estejam prontos para morrer"
Nem é preciso comentar
eu me contento em ressaltar
o poder de uma mentira dita mil vezes
O desespero me invade
um choro em meu rosto arde
mas eu não posso me deixar abater
mesmo com o coração partido
amargamente desiludido
eu preservo a gana de vencer
Me esconde onde não me achem
onde qualquer ruído se abafe
não me deixa enlouquecer
Me beija com vontade,
me demonstra lealdade
para mim, isso é o que vale
E se esse amor for de verdade,
eu estarei pronto para morrer.
Moça
Moça
Me diz como faz pra te ter
Ter sentada, em pé, de costas
Sem andar, sem atropelo
Segurei pra não cair
Segui depois do tropeço
Moça
Me pego pensando no encaixe
Das sílabas tortas sinuosas
Grunhidos e barulhos de pele
Que toca e que troca
E que brota água
Salgada
Daquelas que mata a sede
Mas só aumenta o desejo
De sibilar mais grunhidos insinuantes
De troca de pele
Que é toca que me protege
Da água salgada que brota
Sufoca
Enforca
Desbota
.
Não posso falar do que eu não vivi
Se posso correr pra não enxergar
Eu faço, sem pressa
E já me despeço.
De que adianta eu te desejar
Uma boa partida, um até logo, um adeus
Se bem lá no fundo
Não sei desligar
Se paro um instante
Minha mente te caça
Meu corpo te abraça
Meus lábios se enchem
Do vazio que é você
Brinco de ser um pouco maior
Me contento em fingir
Acredito em tudo
Até que seu vulto se mostra
E se prostra
Em corpos que não são seus
Em bocas que não se encaixam
Abraços espaçosos
Pensamentos irrompidos.
Invoco cada poro seu
Pra me sentir melhor
E entender as fábulas que me conto
Em pratos
E murmúrios escondidos
Sussurros noturnos
Palavras dedicas
Passadas
Que não desgrudam do meu presente
E tudo o que preciso saber é
porque você também não sente?
Deita Aqui
Deita aqui, puxa o lençol
Aqui de baixo o silêncio nos aquece
O sol clareia a intenções
Como uma lanterna chinesa
Vermelha
Acesa
Olha pra mim, não faz assim
que a sua sombra não satisfaz
Esquece o tempo, quero só nós
O que não for, hoje fica pra depois
E eu te asseguro, pode vir
Que hoje nada vai ultrapassar
o vidro da janela do meu quarto
Nem meu coração fulgáz
Eu não fiz nada pra impedir
Quem quiser que tente ouvir
Nossa sintonia vibrar
Deita aqui, fica mais
Descansa o peito, joga a cabeça pra trás
Que hoje o tempo não importa
Não mais
Vou fechar essa janela
Te enxergar com toque no escuro
E tentar te completar
Deita aqui
Bom dia pra você
A opção soneca me atrasou de novo
Levanto correndo, visto qualquer coisa
Passo um creme no cabelo e já pego o celular
“Bom dia pra você”
Vou correndo pro trabalho, o metrô tá atrasado
O que vou dizer pro chefe
Penso se você já viu o meu
“Bom dia pra você”
Passo a manhã sob pressão
Mil coisas pra entregar
Será que você lembrou de mim?
O celular vibra e eu vou correndo atender
Era só mensagem propaganda da TIM
Eu não tenho que te ver todo dia
Mas preciso saber que você está aqui
E se você não me responde eu vou pensar
Que você já não me quer
Que foi embora com alguém
Que só mentiu pra se dar bem
Que eu já não sirvo, que eu sou feio
Que o sexo esfriou
Vou descobrir quem ele é
Vou encontrar vocês dois juntos
E vou mostrar quem grita mais
Dou meia hora pra ligar
E dizer que é só um oi, mais nada
Pego o celular e só então vejo um aviso
Erro: mensagem não enviada
.
Sombra de aroma azul
Compressão interna em vão
Antítese sobre o torno nu
Análogo ao complexo não
Sobressai à compreensão
Daqueles que se julgam só
Exílio por comparação
Desespero preso num nó
Expresso continuado
Excedido pelo timbre da alma
Quando o texto parece anulado
E o sentimento finalmente se acalma