Vejo as brumas no espelho embaçado
Entre as cãs acentuadas no espelho,
procuro um sinal que seja a senha,
e no reflexo embaçado pelo vapor
delineia-se tão nítida a sepultura.
As brumas da campa silenciosa
vejo-as com misteriosa devoção.
Morrer entre elas seria a celebração,
haveria até mesmo certa grandeza,
quão importante estaria esperando
a vinda derradeira anjo invisível.
O corpo arrastado para o necrotério,
parentes chamados de antemão,
despejado da vida sob um céu cinéreo,
num crepúsculo triste de uma tarde de verão.
Procurar perguntas
Talvez devesse aceitar os conselhos,
ouvir a voz da experiência
e procurar as perguntas certas
para as tantas respostas que tive.
Localizar nas teias da memória
os feixes de luz branca
que marcaram acontecimentos extraordinários.
Deixar de estar às margens da vida,
obedecer ao instinto nato,
desconsiderando ponderações racionais,
mas evitando encontrar velhos rancores,
desviando-se de antigos amores,
todas as equações não resolvidas.
Suponho que então teria a paz,
deixaria de ver o céu vermelho,
guardaria a moeda de cobre,
para outras despesas mais urgentes.
Implorando por mais um dia
Imagino-me sozinho no universo,
ouvindo em silêncio o barulho da chuva
dias e noites à luz do luar,
só às estrelas confidenciar problemas.
Não haverá portas, nem caminhos,
o fim dos dias chegará,
quando um anjo negro abrir as asas,
apontando-me o palácio de gelo.
Creio que ainda haverá montanhas,
onde poderei procurar
raios de sol entre os picos,
enxugar uma ou outra lágrima,
meditar sobre a vida fugaz.
Ainda sinto albores do sol
na manhã de primavera,
sabendo que terei um dia
que deixar a velha varanda.
Terei tremores nas mãos,
olhos dispersos e perdidos
como fixos no fundo do abismo,
implorando por mais um dia,
poder ver mais um amanhecer.
verso derradeiro
Todos dormiam, mas eu não sonhava
quando mais uma vez disse “ eu te amo”.
A idade me torna mais lento
até para expressar um sentimento.
Isso às vezes faz meu dia amargo,
pois sempre me esqueço de algum fato.
Não estou tão perdido, abro sorriso largo
ao encontrar em mim tanta vontade,
de dizer que é seu nome que chamo,
de confessar que “ eu te amo”.
De todas as lembranças que se apagarão,
que me permitam deixar gravado
- que se faça lei.
Meu verso derradeiro,
o mais verdadeiro
de todos que esquecerei.
“Eu te amo”
sonho com céu azul
sonho com céu azul
encosto a cabeça no vidro
vejo paisagem
cuspo caroço de ameixa
um pássaro voa baixo
vem de encontro à vidraça
talvez quisesse cantar
ou pousar na palma da mão
no final da rua
uma árvore é cortada
ramos e folhas
ficam espalhadas
pelo passeio sujo.
trem passa ruidoso
namorados trocam beijos
talvez ela tivesse perdido o trem
não embarcou
ele recebeu-a aos beijos.
um cachorro esponja na grama
risca o chão
marcando território.
sonhando com céu azul
balanço a cabeça
cismando:
há tanta vida fora da janela
sem lugar para mim.
nota perdida
Numa sinfonia completa
vai faltar uma simples nota
escrita só para você.
Queria ter sido
o mais hábil compositor do universo,
conseguir a harmonia dos sons,
para não chorar
por uma nota que se perdeu
Sobre o primeiro dia da velhice
O primeiro dia da juventude é alegre
livrando-se dos trejeitos de crianças,
já tentando deixar as próprias pegadas
ao revés de seguir ás já traçadas.
O primeiro dia da maturidade é razoável
recordando a azafama do último dia da juventude,
deixando para trás róseos sonhos de alvíssaras,
deixado par trás a idealização de planos
assumindo a obrigação de realizar.
Mas o primeiro dia da velhice é sombrio,
recordando a amargura e tristeza eternas
pelo que deixou de fazer porque não quis,
pelo que fez incorreto por ter dúvidas,
pelo que não pode construir por impotência.
E quando sobrevier o ponto final
não haverá mais tempo para arrependimento,
nada saberia dizer sobre o primeiro dia da morte.
só peço mais tempo na caminhada
Mas, estou indo para você,
para a ternura do seu coração,
afeito aos efeitos dos cabelos brancos.
Sei que sentimentos
não podem temer a distância,
nem o decorrer dos anos banais,
mas já sabíamos há muito tempo,
juntos tivemos a sensação
que as pedras do caminhos
seriam mais que simples obstáculos.
Estou indo ao seu encontro,
seremos as metades
que se reuniram outra vez
nosso destino nesse tempo
se ascende na nossa estrada
Só peço pelo menos ao Criador
por mais tempo nessa caminhada.
Nos caminhos da eternidade
Caminheiros,
errantes,
apenas visitantes...
transeuntes...
transitórios...
itinerantes,
buscando o melhor curso
nos caminhos da eternidade.
farfalhando seu vestido
Furtivamente perseguir passos,
até a chuva bater à porta,
até a lua dar-me atenção,
piscando silhuetas nas ramas.
Apenas fragrância das flores,
você vestida de lua.
Vamos dançar no escuro,
deixar a noite esquentar.
Em silêncio,
farfalhar seu vestido
realizando meus sonhos.