Poemas, frases e mensagens de Mario Piccarelli

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Mario Piccarelli

Eu sou eu,
Como eu não há ninguém.
Se o meu não agrada o teu,
faça você o que lhe convém.

Mãe terra (poemeto)

 
Sete palmos acima de mim, brota uma flor;
Sete palmos abaixo, o fedor do decompor;
E em mim, amor, nem vida e nem morte,
Apenas dor.
 
Mãe terra (poemeto)

Poesia Torta

 
Ai de mim que sou Ninguém
Humano torto – ó Deus amém
Se assim não fosse
Quem eu seria?
Alguém?
Talvez um dia

Pois Alguém sabe
O que a Ninguém cabe
E se Alguém duvida
Ninguém se importa
Mas que não se acabe
A poesia torta

Ninguém quer sombra
Alguém quer bomba
Mas que Ninguém machuque
Se Alguém explodir
Tudo é truque!
Não há de ferir

Antes que Ninguém desabe
E de louco Alguém babe
Vou me embora!
Quem se importa?
Mas que não se acabe
A poesia torta
 
Poesia Torta

Com Carinho

 
Ah, se tu soubesses o que sinto.
Nem em pintura conseguiria lhe esboçar,
Arte alguma refletiria tal confusão.

Caminho querendo chegar ao nada,
O ar sólido me dificulta a respiração,
Mas, tudo insiste seguir-me.

Como com uma bola-de-ferro em meus pés,
Amor, estou cansado das coisas.
Riem de mim as estrelas e os astros;
Imitam meu monólogo mudo e úmido,
Não de lágrimas, mas de fogo.
Hoje, queima de tão gelado meu coração.
Ontem, refrigerava-me doce em teu colo.

Muitas primaveras passei sem lhe conhecer,
Agora, qualquer verão seria em vão sem sua ternura.
Rompe no horizonte a alegria do reencontro.
Inibido por sua beleza o Sol brilha mais fraco.
Oh, Anjo sem asas, voe pro meu abraço!
 
Com Carinho

Este Estado está estranho.

 
Estrada estreita estão estreitando
Estrela estrondando estragado estima
Estão estáticos estes estreiando
Estapafúrdio está extinto estigma

Estudo estagnado estamos estultos
Estaca está estancando estro
Estrilados estão estéreis estatutos

Estradando estamos esta estância
Estiletando esta estou extirpando
Estorvo estampado estilo estiolando
Extravazando estoma esta estafância

Está este Estado Estil?
Estado estância Estado estrelado
Estado extremo Estado Brasil
 
Este Estado está estranho.

Amar é viver

 
Quanto mais penso na vida, mais eu penso em amor:
Os que já tive, o que vivo,
E algum outro que eu possa vir a provar o sabor.

Viver sem amar é sobreviver padecendo
Na ausência, na carência,
De alguém que nos complete mesmo não sabendo.

Cada escolha uma renúncia e isso é o que somos:
Amigos, amantes,
Resultados da opereta que em tempo real compomos;

Maestros de nós mesmos, figurantes de outras vidas,
Artistas num baile de máscaras:
Tão alegres, tristes, cinzentas ou coloridas.

O que importa é amar sem culpa, sem medo da fantasia.
Aprender, amadurecer,
Experimentar tudo o que nos for bom em demasia.

Vivo para amar e amo para viver.
Agradeço aos meus amores
Pela centelha da vida em mim reascender.
 
Amar é viver

Nos cafundós da mente.

 
Quero fugir:

Fugir para onde eu me encontre. Para um lugar que me permita enxergar de cima do muro, vendo tudo com olhos imparciais, mesmo sendo praticamente impossível não tender a posição alguma, diante de todos os vícios e crenças acumulados ao longo do tempo.

Fugir para onde eu me perca. Para um lugar que me permita viajar pelos meus pensamentos, divagando sobre os mais simples e singelos temas, bem como os mais obscuros e complexos. Isto sem o compromisso da solução, para ter maior liberdade em meus devaneios.

Fugir para onde eu me liberte. Para um lugar que me permita libertar-me das amarras da hipocrisia e da mediocridade, me deixando aquém da mesquinhez humana. Assim, poderia eu fantasiar o que seria do mundo e da humanidade sem as pessoas portadoras de tais adjetivos.

Fugir para onde eu me aprisione. Para um lugar que me permita prender-me aos meus ideais e aos sentimentos mais puros e benevolentes, tais qual a compaixão, a gratidão e o bem comum.

Esse lugar existe e está dentro de cada um de nós. É um lugar onde podemos mergulhar, mesmo que por instantes, e percorrer as mais belas e intrigantes paisagens. Lugar sem culpa, sem medo, sem grades. Sem e com o que quisermos.
Esse lugar é a nossa mente, que por intermédio dos pensamentos faz com que tudo seja possível, inclusive o impossível; lugar onde tudo pode acontecer, inclusive nada.
 
Nos cafundós da mente.

A morte do poeta

 
Andando pela rua tropeçou nas nuvens
Bateu com a cabeça num tapete mágico
Equilibrou-se, penso, nessa corda bamba
Sacou seu guarda-chuva já engatilhado
Planou no ar tão denso como se fosse um pássaro
Aproveitando as correntes num balé tão clássico
Desceu rodopiando de volta ao asfalto

Com os pés de volta ao chão se imaginou um cisne
Plumoso e soberano no espelho d água
No leito do seu lago repousado em lágrimas
Gemendo e suspirando pelo pato-feio
Que fora ele, um dia, em meio a tantos raros

Quem dera ter nascido em outro plano trágico
Nas saias da Coroa esse filho pródigo
Bancado à um mecenas que estimula seu estro
Gozando a liberdade que tanto lhe exige
O ócio do ofício que tanto lhe é lógico

E assim viveu, morreu, em meio as pensamentos
Que nunca lhe faltavam mesmo nessas horas
Se imaginou de novo em meio a todo o trânsito
Cabeça sobre o chão e os pés tocando a aurora
Pensando justo o inverso do que fora antes
Deitado no tapete que agora já é seu

Embalado em sono manso em direção ao túnel
Que a luz no fundo brilha tão intensa e impávida
Destino, então, é certo agora não tem volta
Nem mesmo para um cisne de asas tão largas
Que hoje é só mais um em meio a tantos plácidos

Aqui jaz um poeta que viveu tão tarde
Um sonho, um sentimento que já não mais arde
Nem pula, nem palpita nesse peito mole
Só jorra, escorre e desce pelo sangue líquido
Que o ralo suga e junta a tantos outros lixos
Jogados à mercê de um mar tão puro e límpido
De volta, de onde veio, completando o ciclo

Renascerá, quem sabe, ele, em outras páginas...
 
A morte do poeta

Como o Amor nos confunde

 
Se fundo, se profundo,
Se raso, se superficial...
Como no real do sonho do mundo,
Vivemos imaginando o trivial.

Mal e Bem lado a lado,
Num cavalo alado voando,
No rolar trotando do dado...

A sorte lançada ao léu,
Sem véu, nua no escuro
De um sussurro se sente o fel,
Graças do céu apenas puro.

Contudo é sempre um fardo,
Inevitável dardo pontiagudo,
Absurdo cravado no bastardo.
 
Como o Amor nos confunde

Mãe, fui brincar de astronauta.

 
Quando eu provar o sabor das nuvens,
Me lambuzar na aquarela boreal do cosmos
E tingir de cores a massa negra universal
Eu volto.

Não sem antes chegar ao fim,
Ao limite do infinito,
A fronteira entre o tudo e o nada,
Para contemplar o verdadeiro vazio.

Nadarei por entre as raias orbitais:
Derivando, velejando e divagando,
Apostando corrida com foguetes
A bordo de meu táxi-lunar.

Agora, só desço daqui amarrado.
Viagem sem volta só de ida:
Sem prazo nem tempo certo.
O jantar que me espere!

Cadê a graça que estava aqui?
Me sinto tão sozinho...
Aqui tem tanto Espaço...

E como que num passe de mágica
Voltarei pra casa por uma passagem secreta:
Um buraco-negro
 
Mãe, fui brincar de astronauta.

Tanto quanto pude (2)

 
Tanto carinho guardado, pois não pude dar.
Quanto amor sufocado, pois não pude compartilhar.
Pude fazer o que queria, mas, por você, não pude .

Tanto pra falar engasgado, mas não pude dizer, só escrever.
Quanto sofrer calado; pelo que não pude ter, só querer.
Pude tanto, quanto pude, mas não pude, só não pude.

Tanto poema, tanto sonho, tanto...
Quanto poema, quanto sonho, quanto...
Pude compor, pude sonhar, pude!
Mas, não posso mais.
 
Tanto quanto pude (2)

Arte

 
A arte se manifesta de várias formas possíveis e inimagináveis. Geniosidades em campos nunca dantes navegados se despontam em artes. Gênios! Por fazerem coisas excepcionalmente únicas e inatas, como que se já soubessem daquilo mesmo antes de sabê-lo. Dom! Mas, e todo o resto? Esforço, dedicação, estudo, cultura, saberes, antepassados, ícones, símbolos, referências? Será que já se nasce com isso tudo também? – Ora, pois, somos frutos do meio, e o meio de hoje já nos foi o início de algo.
O que meu português quer dizer é que, se a experiência vivida é repassada através dos tempos e dos meios, somos sempre o final, a conseqüência, o reflexo, o resto, a criatura órfã. Somos, em arte, tudo que já se foi até agora, até a última arte. Não a última produzida, mas a última vista, a última que se parou pra refletir. Isto é o que nos falta: parar pra refletir. Não só sobre aquela arte, mas, sobre a Arte: fonte e expressão cultural, indelevelmente perpétua, aglutinadora e remodeladora de pré-conceitos, preceitos e conceitos, mas, sem preconceitos.
Por isso e por tudo é que devemos ser instigados, desde sempre, e cobrados, para sempre, a sermos arteiros e, assim, quiçá nos tornarmos artista. Faça arte.
Acabo aqui e vos deixo: A arte é a fuga da realidade, para que voltemos à realidade através do sonho; ou, segundo Gandhi, “A arte da vida consiste em fazer da vida uma obra de arte”.
 
Arte

Janaína

 
Beleza nua de contornos tão leves, imperfeitos e lindos
Assim como a areia fina imita a cor da tua pele
Céu e mar se confundem em um único azul da cor dos teus olhos
A brisa tem o frescor do teu hálito úmido e quente
Como os cumes altos da serra no horizonte deste cenário
Tuas protuberâncias vistosas ascendem ao infinito

Personificação da beleza moldada em carne e osso
Tua voz se faz como o som de tuas águas
Variando entre cristas e vales de uma mesma onda mansa
Teu canto, sereia, chega às minhas conchas e me perco
Confuso entre as correntes: ora frias, ora quentes de teu amor
Navego sem bússola em tua direção, meu Cruzeiro do Sul

Tu és, como somos, fruto do teu lugar
Não poderias vir de outro lugar senão daqui
Deste remanso pitoresco, marejado e salgado
Destas águas ondeantemente turvas e calmas
Onde repouso e amanheço embalado por teu vai-e-vem
Onde nasço e morro a cada reencontro

Eu me entrego em oferenda a ti, ó iemanjá
Ou me carregue para suas profundezas,
Ou me deixe padecer em tua praia
Mas me afogue
Pois não suporto a idéia de não seres minha
Tu és praiana
 
Janaína

Amor Vicejo

 
Sempre que me vejo
Penso o quanto me desejo
A sorte de um doce beijo
Goiabada, assim, com queijo
Só me falta um cortejo
Que ponha em prosa o que almejo
Eu, você, num só festejo
Timidez é meu manquejo
A qual desfaço com gracejo
E nossa vida já planejo
Sonho até com o lugarejo
E a cor azul do azulejo
E é por isto que antevejo
Que uso todo o meu traquejo
Toco até o realejo
Ou em cordas um arpejo
Danço e mostro meu molejo
Se é de antes que te elejo
Inspiração do meu versejo
No meu peito te protejo
Te embalo e até bocejo
Ou me acendo em relampejo
Não adianta seu boquejo
Se te amo e lacrimejo
Assim, por esse amor vicejo
 
Amor Vicejo

Tanto quanto pude

 
Tanto tempo
Quanto amor
Pude esperar

Tanto sentimento
Quanto desejo
Pude sonhar

Tanto...
Tanto quanto...
Tanto quanto pude

Quanto?
Quanto pude?
Quanto pude tanto

Pude!
Pude tanto...
Pude tanto quanto pude!
 
Tanto quanto pude

Pátria que te pariu!

 
Raios!!! A vontade é de ir à casa de cada um dos 46 filhos da pátria que absolveram o Renan e socar-lhes as fuças. Isso se soubesse quais foram, pois, francamente, sessão secreta... só podia dar nisso.
Que filhos da pátria! E o filho mor, o presidente do Senado? Com tantas provas de fatos apresentadas contra ele, teve a audácia de dizer no plenário que elas não existiam. Vai se... fundir àquela corja!
Até ontem não podíamos – se é que ainda não podíamos – generalizar dizendo que todo político é safado, corrupto. Mas, e quando a maioria o é? Numa democracia, o que vale é a maioria, não é?
Então, desnaturados senadores, só quero saber uma coisa:

– Quem foi a Pátria que te pariu?
 
Pátria que te pariu!

Amor à distância eu mato

 
Esperei e recebi o seu cartão postal.
Pois tal cartão-rascunho chega e não alivia.
Via ali você, talvez, noutro Natal.
Tal na festa que outrora, ou nunca, não havia.
Há via de ida e via de contramão,
Mão contrária ao lápis, mão contra o cartão,
O cartão contra mim e eu contrário a tudo.
Doto-me com um manto molhado de choro.
Roxo está meu rosto e quase que me mato.
Toma o que lhe cabe – o rumo – e se alinha.
Linha e agulha à mão, um olho ao outro olha.
Alho, dente, e cebola até que me protegem:
De gente que promete, voz mansa que soa,
Aço que enverga então padre abençoa.
Soa boa palavra, embora bem mal dita.
Dita mal a regra do jogo que joga.
Gajo, para entender, demoro um pouco, custo.
Tosco, em meus pensamentos, grotesco, concluo:
Amor,
Morra!
 
Amor à distância eu mato

Pedra Preciosa

 
Não sei se quero a paz de um sono,
Ou se quero o sono-da-paz;
Só, quero ser sem-dono,
Um volátil viageiro fugaz.

Percorrendo as trilhas do destino,
Meu engano se desfez em verdade;
Relutei, meu cruel desatino,
Em extirpá-la da minha saudade.

Hoje, é rúbea a pedra que trago,
No peito, e que um dia foi bruta;
Segui o conselho de um mago:
O que lapida é o que não se refuta.

Verdades se fazem em mim,
Exagero o tudo que sou;
Enalteço o Ser sem fim
Derramando nos outros que estou.

Me liberto deste mundo
Me prendendo a você,
Mergulhando no cosmos profundo
Da interioridade do teu por quê.

Minha veia – minha Láctea –,
Minha verdade forense,
Em meu escuro és minha réstia.
Rubi, a mim você pertence.
 
Pedra Preciosa

Reminiscência

 
Quero ser lembrado como um todo:
Por cada passo certo,
Por chegar, talvez, tão perto
Do ápice ou do lodo.

Meu espasmo de sensatez –
Minha loucura sensata,
Ou minha qualidade inata –,
Só quero que ecoe cortês.

Pois, agora, vos digo e me desfaço em féculas:
Aos que viram meu parto,
Aos que choram agora que parto,
Me parto em moléculas:

Do barro, o grão;
Do ar, o oxigênio;
Mas que eu dure mais de um milênio,
Provando que nada foi em vão.
 
Reminiscência

Amável Luar

 
Lá sob as estrelas o sereno umedece a gente,
Uma lua ilumina toda escuridão inocente
Atraindo silêncio quebrado pela mente,
Razão e devaneio jaz ambivalente

Lúgubre satélite que nos presencia –
Um amor, a morte, trabalho, a boemia;
Amar em plenilúnio é amar em demasia –
Revela aos amantes quão grande é sua magia.
 
Amável Luar

Os mesmos

 
O que seria de mim sem eu mesmo
Com todos meus defeitos e qualidades
Com todas minhas crenças e ceticismos
Com todas as minhas loucuras e sanidades

O que seria de mim sem você mesmo
Com toda a sua doçura e delicadeza
Com todas as suas virtudes e trejeitos
Com toda sua humildade e grandeza

O que seria de nós sem eu e você mesmo
Com todas as nossas concordâncias e divergências
Com toda nossa individualidade e união
Com todos os nossos carinhos e carências

Sinto falta de mim
Sinto falta de você
Sinto falta de nós
Mesmo!

Vêm, pra eu voltar a ser eu mesmo
Pra eu te fazer ser você mesmo
Pra voltar a existir o nós mesmos
 
Os mesmos

Mário Piccarelli