Amor vadio
Dobra-se a tarde
na esquina da casa
secreta
a sombra
ao Sol que teima em aquecer.
Flores vivas
coloridas
outras secas
belas
sensuais na textura
das pétalas
mesmo moribundas.
Lembram tempos passados
em que as gotas de orvalho
eram as pérolas que me trazias
do fundo do mar.
Noites de Lua no Deserto
que povoo com o olhar.
De quem vive intensamente
mesmo os sentires proibidos
perfumes (cons)entidos
os toques de alma
corpo a corpo
aberto
de par em par.
E dou-me conta de um novo gesto
num beijo
por ensaiar.
Agosto 2009
Refúgio
A coragem
de mergulhares
dentro de ti
nuvem aventura reflexo foto
sem mim.
Esconderijo de sentires proibidos
sabores pe(r)didos
olhares desertos
em gestos
lágrimas
t
r
o
c
a
d
a
s.
A dor que se instala
na ausência que se ensaia
breve
a palavra
dorida.
A amizade é um diamante em bruto
lapidado nesse amor
infinito.
Luto.
Faz-te (a)mar
de encontro ás rochas.
E regressa.
Beijo esquecido
Fecho a porta.
Instala-se em mim
o calor das flores
um barco perdido,
mas não naufragado,
um quarto cheio
de memórias esquecidas numa caixinha de lata
o Sol no peito
a dor
na
rua
a solidão guardada
no vento histérico de lágrimas geladas
e a manhã que não vem
numa noite de desespero
música calma
na paz
que não sei
se sei
eu comigo
sem mim
talvez a ternura sufoque o grito rouco de imagens bebidas.
Silêncio nos espelhos
o outro lado
é
miragem
perfume
e
sede
a partida adiada
medo indecisão dúvida
palavras de ontem
palavras
sempre.
Um gesto de despedida.
Perdi alguém
as lágrimas deslizam rápidas e quentes
onde buscar a perfeição?
Enterraram-se os segredos
dói a espera
soltam-se as borboletas nas tardes de inverno
quem reponde ás minhas confusões?
Mãos frias
um lento viajar até à espuma das maçãs.
Depois,
um beijo esquecido
rosas murchas
o tempo,
a distância
a separar-me dos outros
e de mim.
Haverá alguém que me descubra e me ajude a permanecer?!
Não sei o que sinto:
um breve gostar perdido
ou
vontade de partir.
Adeus
Encontro-te gélido,
procuro um sopro de vida
tão tarde que cheguei
para te aquecer o peito
parado,
cansado pela minha espera.
Foste luz e energia
amor sem saber,
coragem
luta
e resistência.
Foste a honestidade
no trabalho incansável
a presença mesmo ausente,
o princípio dos princípios
com que me comandaste.
Ser humano complexo,
pai incomprensivo,
difícil tantas vezes,
autoritário sempre.
Tão generoso com os outros,
quanto exigente comigo.
E contigo.
Inflexível.
Orgulhoso.
Homem admirável,
inesquecível em cada gesto
(mesmo os que não tiveste).
Uma vida enriquecida
de tantas histórias e aventuras
que não acabaste de me contar.
Embora tenhas partido sem avisar,
desejo que a viagem te seja agradável.
Dá um beijo à mãe.
Adeus, pai.
Palavras mais que soltas
A dor no peito
estala
o sal na pele
um olhar distante num viajar sem fronteiras
o Sol
uma flor
andar de mão dada pela cidade estranha
um lento chorar sem lágrimas
(À noite vêem até mim
olhares de lume
num corpo
em fogo
a Primavera
reconhece-se pelo desejo de andar descalça
num rio inventado
de palavras acesas).
O sono
completa o estado contundente
das mentes adormecidas
uma gota de água
(um pingo de chuva ou uma lágrima?)
Os rios de solidão
na espuma das maçãs brancas
doces
o suco das cerejas...
(E o vermelho dos lábios resiste aos beijos pe(r)didos...)
Os cabelos esvoaçam
ao vento fresco das marés.
A cidade é única
a saudade esquece
os amigos,
os outros,
nós e um barco no mar.
T(r)ocam-se mãos
olhares e borboletas
num tentar entender...
...Ir até ao fundo de um corpo
assim alguém
com quem partimos para o País do Sol.
13 Abril 1984 ; Coimbra; "Cadernos de capa negra"
Amor selvagem
A água gelada nos pés, a correr, a correr, suave e fresca, pelas palavras que não consigo gritar.
Borboletas azuis, de um azul eléctrico (mais bonito que o da moda)...
O cheiro da erva amansada.
O Sol que me descobre lentamente e pára no meu olhar triste de lágrimas escondidas.
O vento agreste da montanha que as minhas mãos tentam segurar para eu subir, subir até aos olhares azuis, verdes, de qualquer cor...
Porque eu meti os dedos nos corações das árvores e elas despertam inquietas e húmidas de sangue estival do sono quente das lágrimas que eu ainda choro quando penso em ti: longe, tão longe quanto a mais infinita distância (daqui-aí)!
Mas há olhos infantis, azuis, negros, verdes, e castanhos (de tão infantis) que me fitam e me amam porque eu ainda sei o caminho que leva até às crianças (gorduchas, de cara suja, terra nas mãos e muita ternura nas palavras de lábios cantantes e frescos).
Depois há ainda o meu corpo dividido entre o mar e o fogo, entre o medo e a aventura, entre o céu e eu!
Caminho pela ternura que me engole os passos e me chama ternamente pelo nome (que eu não tenho).
O perfume dos espelhos espalhou-se pelas meninas e meninos que me acompanham (de peles tisnada pelo Sol e cabelos louros e negros de tanto amor).
A musica solta-se pelas chaminés e a neve (que aprendeu a cair no deserto) vem até mim, mais branca e mais fria do que nunca, tentando apagar o fogo dos meus lábios, a chama das minhas lágrimas e fazendo com o vento, uma coroa de cristais para os meus cabelos, agora, mais selvagens do que nunca!
Nuvem Passageira
Esta Serra que me tem cativa
em movimentos ondulantes
de ventos
sufocantes
mar de chamas
em princípios de todas as côres.
Os aromas (con)fundem-se
verde-pinho
eucalipto-mel
alfazema, alecrim
e tanto,
tanto de mim.
Em suor e lágrimas
num renascer das cinzas.
Regresso,
lentamente
ao alpendre de madeira,
ao lugar vazio
da cadeira de baloiço.
Regresso,
numa força ímpar de vida
a palpitar
o coração em sangue
cem lágrimas no olhar.
Esta vontade de vencer
a morte anunciada,
esta energia alegria poesia
decalcada na alma
de luto
guardada,
no mais fundo de mim.
Serra da Lousã, 6 de Agosto 2008
Não há longe nem distância...
O peito em ferida
as lágrimas no olhar
a musica no entender
é tão grande a dor
triste perder de mim
as laranjeiras em flor
as memórias na cidade
a dor que volta numa tempestade de sal
solidão sem mim
as palavras sem som
o sono e o tentar esquecer
uma noite de gargalhadas
e
vazio
os olhares incertos
a conversa acabada
a tentativa de fuga
não ouvir
é urgente a partida
não recuar
falar com os amigos
agora
ninguém
um nó na garganta
e
silêncio.
Regresso
Pouco a pouco
a calma regressa.
Cruzam-se olhares
t(ro)cam-se as mãos,
breve despertar
numa dança irreverente.
Indiferente a cor
do sol
apenas o azul permanece.
Em golfadas de luz nua
respirares apressados
passos em musica,
inventados
os gestos
suspensos
os dias,
em que as noites são madrugadas tardias
as vontades
num salgueiro
junto
ao
rio
num riso cristalino.
Acordo cedo.
E regresso a casa.
Cisne selvagem
A (minha) morte
será a libertação
de dor
que causo
inexorável
e
imprudente
quando tento uma felicidade
mesmo breve mesmo pendente
em flores silvestres
aromas campestres
mar de meu desejo
infinito azul
tudo o que começa tem um fim
assim um amor que era eterno
na efemeridade da mudança.
Musica
sentidos
dança
aroma jasmim
o apelo do deserto
chá de menta
perfume táctil
plural
cântico final.
(O princípio está no fim).