Sem Título
Devorei pulsos em chamas.
Amplamente o rosto envolto por coágulos de sangue luzidio
a trespassarem as veias estanques como a enrolar
as cores existentes
por dentro.
Certo é percorrerem
todo esse ar
que engole o corpo celeste mergulhado
na textura do nosso corpo temporal.
Fico com as mãos
cheias de ossos trancados.
Levanto
a cauda de um espelho
e alongo as vísceras astronómicas,
com bastante força química,
a dilatar numa circulação sanguínea
até a leveza
da garganta se alagar
na sombra líquida
das artérias
contra o alto esquecimento das coisas profundas,
contra os tendões severos a racharem a boca desvairada.
Relembro quando adormecia
sobre todas as
coisas vivas ou mortas
por fora.
Submetia os lábios
a girarem a voz louca
ao lume pedestre
e ardia pelo estremecimento terrível
dos nervos cabeça adentro,
donde múltiplas
estrelas demoníacas
a baterem-se em mim longamente
param, a pouco e pouco, a potência que nunca me sorriu
e vago ou inocente deixo de caber
nos sítios superficiais
à minha volta.
Releio todas as cumplicidades translúcidas
a moverem toda a pele num feixe de pérolas
das salgadas mãos,
aos braços a escorrerem aquele alimento
metidos nas águas sentadas
no túmulo dessas estrelas tubulares.
A destreza deste poema extingue-se quando as unhas
tocarem na carne abaixo, rompendo,
com sinceridade,
a desvastação simbólica
da escrita furibunda
ou silêncio furibundo
a pesar com delicada melancolia.
Ouço o rasgão
do corpo a sangrar
com os tecidos dos versos
a palpitarem porque se nomeiam
e se escrevem dentro
da pulsação ininteligível.
Por cima,
devoro os pulsos em chamas.
Sem Título 16
Dá-me os teus pés
dancemos abertos ao meio
no dorso da incrível lua estelar
até nos imaginarmos
ofegantes projécteis a derreter
de lábios entupidos
doidos e doidos de preguiçoso amor.
«Noutros Rostos» ...
em cada um dos cabelos existe uma penumbra morta
todo o ar da boca enche-se de chamas como quem canta às chuvas
a saber a cinzas luminosas de resina
olho para estremecer a névoa quente sobre a curva duma planta
a beijar as labaredas do pescoço de um feliz arbusto
e por mim tudo bem
Sem Título 11
A minha cabeça pensa em todas as cabeças é sombriamente
todas as outras cabeças, entranham-se, entram umas nas
outras, na minha! – inquieto-me, estremeço, esmago-me,
imortalizo-me tornando vidente tudo o que mexe...
Sem Título 21
A loucura é tão inexpugnável o quanto lhe depositamos de
delírio e da clareza ante o preconceito renascer insana.
Existem loucuras na introspecção doutras loucuras!
As pessoas imaginam a imprópria loucura doutras loucuras
dentro da loucura movediça, mas a loucura também pensa
das pessoas! Se estiver do seu lado esquerdo adormeço, do
lado direito acordo, de trás desmaio, de frente salto, por
cima ilumina-me, por baixo obscura-me, no seu ventre
musical, sou a sua clave!
É isso a loucura? Uma mera quimérica diferença em tropel?
Então deixem-me lá continuar louco, um louco
inabalavelmente feliz e lúcido. Lá Lá Lá... Hurra Hurra Hurra...
Sem Título 2
Cantam as túlipas.
E busco um cristalino mar
dum azul intensamente sensível.
Agora há-de sobressaltar-se gemendo
na sua farpada dobra
que me torce as unhas até esmagar
a água em volta do corpo,
por fora e dentro arbitrário,
ao entrar e sair salva,
como a luz florescente
duma janela longínqua debaixo
deste lento mar penetrante.
E faz idênticas espumas polirem meu suspiro
enquanto suavemente me afundo,
sem ser-me ninguém,
num mar de túlipas lavrado que se volta
para as palmas de minhas mãos esplêndidas
e me esvai toda a ferida
e peso rubros.
Bato embaciando-me
contra o sangue espesso das pedras
a baterem no espaço vazio
das pedras batidas
pela eternidade viva.
Batem-se as túlipas
no estremecimento das pétalas
contra o calor
sob o vento elástico.
Concentrassem
as gotas das coisas,
das terras despidas, de órbitas em órbitas,
mover-se-nos-iam
para a desastrosa profundidade volumosa
a inundar o que verdadeiramente
nenhuma pessoa possui.
Amamos o corte da neblina
encostando o vidro à cara
num clarão louco.
Sentimo-lo silencioso
para ilustrar a destruição
enquanto deixamos passar o horizonte
lá longe a planar.
As entranhas mirradas
a migrarem na concavidade nua
são hoje as sorridentes túlipas
a embalarem-me o fresquíssimo alvoroço,
donde rítmico,
regressei de dedos dados
ao frescor como desponto.
Quem visse
aquele pendurado cometa mole
a incendiar-se em jacto escorregadio
na copa das túlipas,
seria uma qualquer rota
pousada
no seu caule rodopiante
a colar-se à pele.
Tocas-lhe
e queimas-te intensamente
como queimaram um dia as túlipas
no momento em que se desprenderam.
Enumero o lume por baixo
e fecho-o pequeno.
Adormeço pela geada acima
escrevendo
o mar às túlipas surpresas.
Canta todo o alegre mar cristalino.
Cantam as cores que vêm do fundo limpo
de todas essas túlipas.
Cantam túlipas em mim.
Sem Título 7
Danças.
E as palavras do corpo
movimentam-se
na extensão doutro corpo
suspenso pela música
junto aos corações a crescerem-se
indefinidos e lentos.
A luz a retocar
a força por fora
dos olhos cúmplices.
Os corpos
a estremecerem-se
um no outro adentro
porque têm muito
que falar subtilmente
entre apaixonado toque
e tremores puro
dos dedos sem ver
todos os passos às voltas
das palavras à superfície funda
terão sempre o que dizer.
O compasso das mãos
a fluírem dentro
das pernas musicais.
Tanto para dar
tanto para receber
infinitamente
num acaso ordenado.
Danças
com a profundeza
dos braços
em espaço desenhado
ante a desordem aérea
e nos mútuos braços
se imobiliza
a perfeição
do tempo a ecoar
nos peitos entre
a cantiga dos pés
e os outros pés
a florirem
das danças exprimíveis
como para respirar
a alegria química
da energia num vácuo oculto.
Esvoaça toda a arquitectura
pelo silêncio na cintura
mesmo flexível
e as energias soltam-se
entrelaçadas
com os rostos
desprendidos contra
si próprios.
Então ninguém se fala
mas os corpos poderosos
sobre cada
palavra actuam
e as bocas inundam
todos esses corações.
Danças.
Sem Título 14
No pranto uma gota me faça
assombrado poeta para noutra
me tornar selvagem eremita
sorrindo proscrito.
«Noutros Rostos» .
se conseguires
atravessar os teus próprios ossos numa penumbra à cintura
alguém há-de encontrar a tua terna infância