Ensaio sobre a inveja
Desde que o tempo é tempo, o verme do vício da alma
É a pausa antes da punhalada, para depois ver o sangue escorrer com calma
Admiração doentia, vezes confusão sexual, real insanidade
É o mesmo que brinca com a estima e pede humildade
É o fiel da balança que pesa a maldade
Um pesar alheio por tudo, ou quase tudo, alheio
Irmã da paixão desvairada e do ciúme, ela está no meio
O cumulo dela mesma, os invejosos invejam até os invejosos
É a tapinha nas costas, é um falso sorriso e olhos nervosos
Como ladrão que rouba ladrão
Dizem se ocupar, mas esperam os anos de perdão
São vampiros, alimentam-se da vida alheia
Para não se alimentar da própria vida
Fazem do ser terra estéril onde o bem não semeia
Vão chamá-lo de “meu querido” e “minha querida”
Sondam o coração do homem e o que o faz bater
Instintivamente se riem ao ver perecer
De mãos espalmadas negam invejar, rezam até de joelhos
Reproduzem em suas mentes inimigos, tal qual coelhos
Negam as intenções procurando o espelho para se ver
Apontam o dedo do implacável Deus de Abraão
Somam pesadelos com uma fila de fantasmas a cobrar
Fazem-se magoadas, julgam e enfim jogam corpos ao mar
Acusam santos de bruxaria e os queimam na fogueira da inquisição
Mas o inevitável é que se afogam de fato, carburam de fato, e pelo reflexo do espelho vêem-se perecer.
Ala dos poetas
Cansado, quis-me louco
Fui o que se espera durante um bom tempo,
Mas foi pouco
Não podia ser são para o mundo adoecido,
Nem despercebido ser louco para mim
Mesmo assim fui pego pela Realidade na primeira esquina
Essa pau-mandado, psicopata de cada dia
Obrigou-me a ler jornal e pagar conta
A dizer sim senhor e sim senhora
Aguardar o salário no final do mês
A caminhar em círculos para o final das horas
E ser mais um num caminhão de chinês
Ainda me fez anotar o protocolo de atendimento
Outro dia recebi um envelope oficial
Informando da necessidade internação urgente,
Dizendo-me são para bagunçar minha mente
Essa burocrata forjou um falso teste de sanidade,
Pelo menos fui parar na ala dos notívagos, boêmios e poetas,
Na Casa de Custódia e Tratamento Sociedade.
A morte do Pequeno
Se há pecado no amor,
É fazer o homem amar como criança
Estufar o peito e brincar de ser forte
Para fazê-lo levar um corte,
Que nem sequer leva pontos e sangra no invisível
Decretar a morte do Pequeno invencível
E já morta é um fantasma infantil num mundo de adultos
Que como fantasma chama os homens de vultos
Se há pecado no amor,
É fazer o homem amar como criança
Para depois partir pelo desavisado capricho
Dar adeus com a covardia de um cochicho
E o homem-menino, nu de si mesmo, nascendo do lixo
Fingindo ser grande, engrossando a voz, vivendo um clichê
Velando em pequeno caixão o que não pode entender
Caminhando como o Homem que precisa crescer.
Viajante astral
Um viajante astral voltando pro lado de cá
Um sonho se dissolvendo, já não lembro
Aqueles dias em que se acorda pensativo
O existir rondando como bicho furtivo
Um falso sorriso para o mundo
Vesti um escafandro e caminhei lá no fundo
Ecos do passado me visitaram sem motivo
Conversas presas nos cantos da casa
Pensei ter achado seu cheiro no travesseiro
Voei em lembranças como uma ave sem asa
Voei o dia inteiro...
SIGLAS
Não era felicidade, era Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Não era amor, era Síndrome de Estocolmo.
Não eram dias bons e dias ruins, era Transtorno Bipolar.
Não era indiferença, era Transtorno de Personalidade Esquizoide.
Não eram ciúmes, era Transtorno de Personalidade Paranóide.
Não era tesão, era Síndrome de Excitação Sexual Persistente.
Não era frio na barriga, era Síndrome do Cólon Irritável.
Demorei a descobrir, eram muitas siglas, eram muitos diagnósticos.
Não sai ileso, “adquiri” Insensibilidade Congênita a Dor.
(J. Victor Fernandes)
AS VERDADES DE UM INSTANTE
Naquele micro instante fui um narrador onisciente
Não é só o que é belo que se vê,
Vê-se um mistério, a juventude ainda quente
Vê-se o pensamente vagueando, vê-se também uma armadilha
Pode não ser nada, pode ser uma trilha,
Dali ao infinito desse lugar que a prendeu
Ela vive em algum tempo que talvez não se liberte
Jogue os dados e observe inerte,
Porque Ela é gente e aparição, porque Ela é outro bicho,
Pode ser cruel por ser leal a sua abadia
Mata e morre num cochicho,
Pedirá amor e pedirá perdão, lhe dirá que não sabia,
Ela é perfeita, Ela está quebrada, se refaz no mesmo claustro
E você, mero Você, saberá que foi uma prisão construída por outro
Tenha a pretensão de caminhar em areia movediça
Ela dá o sopro da vida, mata e manda rezar a missa
Ela sabe que observo, antes de antes Ela já percebeu
Mas o certo é que não vai demorar em vestir um sorriso,
Para aprisionar sem aviso,
O narrador desavisado no mundo seu.
CONTRA A CORRENTE
Contra a corrente que aprisiona a mente
Contra a corrente que aprisiona a alma
Contra as amarras que nos dão uma falsa calma,
Prendem-nos e não nos deixam reagir
Contra a corrente da mesmice que compromete o existir
Contra os grilhões que invertem os valores
Confundem os normais e criam tantas dores
Contra a corrente que se diz majoritária
Que do alto de uma montanha solitária
Usam caras canetas para cometer um genocídio mudo
Peças em um gigante tabuleiro, usados como escudos
São tantas Marias, Josés e Antônios
Cegos pela penumbra de velhos demônios.
Busca Vida
De Barcelona a Calcutá
Busquei o som do amor para embalar a vida
Na terra, no ar, no mar
Aquele mar era a vida tão calada
Um flamenco em um deserto de água
Procurei, não te encontrei no turbilhão
Um balé nas profundezas, um oceano de incertezas
Me afoguei em uma maré de janeiro
Mas eu sei, me perdi de mim primeiro
E voltei a navegar
De Buenos Aires ao Panamá
Busquei o som do amor para celebrar a vida
Na terra, no mar, no ar
Minhas asas não eram mais fortes que o ar
Vivi uma música de Gardel, um filme com Darín
Assim sofri uma dor que não passava
Fui expulso do meu falso céu
Fumei mil cigarros, xinguei a presidente, tomei antidepressivo
Mas estava vivo, procurando uma saída
Quis entender o meu destino, quis entender a vida
Vivi um drama Argentino
Não virei tango por um triz
Lembrei-me do menino... E quis ser feliz
De Barcelona a Calcutá
De Buenos Aires ao Panamá
Daqui a qualquer lugar
Busquei o som do amor para completar a vida
No mar, no ar, na terra
Como a vida que começa, como a vida que se encerra
Tenho os pés no chão, embalo uma canção
E querendo ser feliz celebro a alegria, apago a tristeza como pó de giz
Do que já sei... A vida é melodia que tem ferida e cicatriz.