sem votos fúteis
Tome a direção dos sentimentos,
sem votos fúteis, nem adivinhações.
Preenchendo todo o bem em si,
evitando as ostentações
que acarretam as misérias das almas vãs.
Se quiser,
escondendo o tremor das mãos,
esperar o crepitar das fagulhas
sentindo a Luz delicada, a Luz quente
afastar as dúvidas permeadas então.
Este poeta não é confiável
Essencial era sobreviver,
não lamentar nada,
aceitar os resultados
mesmo sob a chuva
na pista de danças.
Mais da metade da vida
passei conjugando verbos
no tempo condicional
como se pedisse licença.
Meio à fumaça doce,
percebo a decadência;
mantenho a cabeça nua
mesmo desconfortável
debaixo do chuveiro,
mesmo insuportável
na escuridão que intoxica
ante a fingida decência.
Seria bom estar no topo,
ter amor sem precedentes,
submeter-se a ele
em doces momentos de paz
ate o final da eternidade.
Seria bom não me apressar
num carrossel de temas aleatórios,
rabiscando poemas
indispensável atividade maior.
Infelizmente meus temas são tristes,
não seria romântico sobre a morte,
seria arrogante e impreciso
Não me perguntem
o significado dos versos soltos,
esparsas linhas óbvias
nas quais não farfalha a folhagem
nem suspiram corações;
astros celestes não iluminam
paisagens inofensivas.
A resposta seria simples:
este poeta não é confiável
ao escrever versos de amor!
Se só soam silvos árduos
Si,
sim,
soam
silvos árduos
refreados no fulvo vácuo,
da redoma prática mútua e ampla
contida na face côncava do elmo supérfluo
refletindo estático paráfrases e metáfora ilógicas
arraigadas no recônditos lívidos de hirtos reflexos duplos.
Amua firme o livro na marcha lépida em direção ao núcleo
singrando fátuo o álveo magno em direção ao círculo
ebúrneo antro rotundo fatídico de aroma ácido
no estalo rouco dos acordes dos címbalos
intervalo anômalo do colo dos vândalos
escândalos ralados nos gargalos
no calo dos vassalos bêbados
valos dos dédalos baios
regalos dos cavalos
embalo o galo
não falo
calo
alo
Sufocante foi a fuligem
Sufocante foi a fuligem,
o fogo desmazelado
brotou insuficiente,
quando negligentes as sombras fluíram,
tão descuidadas,
sem obstáculos à frente.
Foram mesclando os contornos
dos sonhos relapsos omitidos,
restando suprimidos
os derradeiros laivos de realidade faltosa,
que feneceram,
ocultados com restos falhos
das esperanças ausentes.
Liberdade e caminhos
Ao longo dos quarteirões em ruínas,
prédios e casas devastadas,
avançamos lentamente,
para tomar mais um objetivo.
No árduo caminho
bons amigos ficaram para trás
um deles com uma bala no peito
gritando para que prosseguíssemos.
Numa ultima olhada do perímetro
vi que não mais se movia,
um companheiro igual a mim
ficou à beira do caminho.
Ficava difícil manter a coragem para luta,
o inimigo espreitava nas sombras,
perto das trincheiras,
invisível e insidioso discurso fazia.
Ao som dos estampidos
crianças corriam com pés descalços
enquanto palavras, risos e lágrimas
tudo se confunde num esgar
nos lábios ressecados por causa do frio.
Todas as esperanças, todo o caos,
viaja nos obuses dos morteiros,
assobiando sobre nossas cabeças,
assustando mulheres e crianças,
saindo a procura de um poço,
para matar a sede dos lábios ressecados,
sob o fogo impiedoso dos fuzis.
De longe espreito o movimento,
perscruto cuidadosamente o perímetro,
ao longo das cabanas de madeira,
enxugando gotículas de suor da testa,
vendo longe como a fumaça azulada das lareiras,
a liberdade e o caminho a seguir.
Perdoem-me os filhos...
Como folha do carvalho
arrancada da fronde nativa,
vi a vida impulsionado
por uma guerra brutal.
Perdoem-me
os filhos, irmãos, as esposas,
que oraram pelos cadáveres
que ajudei a sepultar
nas covas rasas de campanha
cobertas por uma pá de cal,
duas ou três pedras pesadas
evitando que os lobos
revirassem as sepulturas.
Mães, irmãs e esposas
clamaram por deus em voz alta
- se ele ouve cada oração não foi presto.
com os filhos na distância,
que nas trincheiras não estão respirando
permeada a boca de moscas
aguardando funerais.
Como folha ordinária
de caderno de rascunho
a vida foi exercício,
foram rabiscos
a serem passados a limpo
num dia qualquer
quando a consciência permitir
A menina chora,
cora arrancando do seio
um lenço azul.
Mães choram procurando deus
que não responde orações
afinal uma guerra
não ocorre sem vitimas fatais,
sem cadáveres insepultos,
apodrecendo ao sabor do tempo inclemente
Bebendo uma caneca de vinho
Ecos não ressoem por mim
não voltarei...
Mantenho-me como antes de uma primavera,
na cautelosa espera,
observando as folhas mortas
cederem aos caprichos do vento,
deixando-se levarem flutuando
ao sabor da brisa outonal.
Somente estarei de volta,
quando cessar a chuva nas trincheiras
- a lama não mais absorver o sangue tisnado;
depois que a neve for varrida
das lajes das sepulturas.
Então haverá um tempo de trégua,
a cessação das mortes,
um tempo para repouso da alma.
Esquecer tantos dias ásperos
para acreditar nas verdades
que um dia houve em mim.
Até que esse dia aconteça,
deixarei amigos ansiosos a esperar
para comigo sentarem-se ao fogo
bebendo uma caneca de vinho
em louvor às almas do que partiram,
a despeito da morte que ainda ronda
e poderá adiar esse encontro.
A Imortalidade que perdi
Foram momentos de grande euforia,
tanto elevo,
a mais pura exaltação como numa elegia.
E na apoteose dessa paixão,
em pleno êxtase,
numa fúria cega,
vi-me como se revestido de aço,
invulnerável
e irrepreensível resilente
imune aos estilhaços das granadas.
Se ainda havia a Morte, não cria nela...
Após momentos dessa apologia à imortalidade
- glorificação de um próprio eu incandescente,
cedo à ebulição do febril entusiasmo.
Num repente,
tornando à rotina sem ênfase,
livre de todo alvoroço experimentado,
tomado pela irritação
- a efervescência da ira
e a frustração exalo diante da Imortalidade que perdi.
Domingo de Páscoa em Sarajevo
Uma semana se passou,
como se fora uma centena de anos,
vinte e quatros horas por dia,
o inimigo surpreendeu pela audácia.
Não recuou sequer um milímetro,
como brandindo foices ceifando vidas.
Ocasionalmente em meio às balas,
mulheres corriam gritando,
atravessando a cortina de fumaça e sangue,
baleadas mesmo com salvo condutos.
Insurgentes rastejavam como cobras,
não se recusaram a atirar nas mulheres,
mas hoje quando o sol surgiu no portão do leste,
o quartel estava deserto.
Nem guardas havia na frente de combate,
nem oficias nos postos do comando;
como se jamais ali houvera um inimigo
como se ninguém soubesse empunhar uma arma.
Música soou e de alguma forma estranha,
desapareceram as sombras do medo,
estavam prontos todos a se abraçarem,
neste manhã de domingo brilhante,
depois de uma noite horrível em branco e preto.
Muitos sonharam com a casa distante,
sentiram nos corações a esperança arder,
viram no céu mais claro voando pombas,
como se mais uma fortaleza houvesse caído.
Ao anoitecer as corujas vieram aos sótãos,
antes que os tiros fossem disparados,
nas varandas procuramos nos acomodar,
e sorrindo nos perguntamos uns aos outros,
qual teria sido o motivo da trégua inesperada.
E a palavra “ressurreição” correu de boca em boca,
de homens empedernidos corações se alegraram,
de repente se ouviram algumas orações.
De mais de uma religião coros entoados,
e se repetia a palavra em tantos idiomas,
como se um anjo passasse pelas calçadas,
as primaveras votassem de repente,
a se instalar nos corações dos soldados.