Poemas, frases e mensagens de aziago

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de aziago

O que fazer num céu que não conquistei?

 
Em algum lugar distante
aos pés de montanhas,
num país tão conturbado,
de fronteiras não delimitadas,
correm lentos os dias
para os homens na vida amarga,
as mães de luto fechado,
pelos filhos mortos no combate
enfrentam profundas dores
e proferem orações

Quando é o momento
dos filhos partirem
vertem lágrimas
desfiando os rosários
perseguindo ícones
para livrarem-se do pecado,
talvez possam acender
velas para que as almas
tenham paz, ganhem o céu.

Escuso
tais privilégios,
mesmo que alguém
ore por mim,
objetivos
devem ser tomados,
deve haver
luta anterior
para que não sejam usurpados.

Afinal,
penso ou,
que iria fazer
num céu
pelo qual não lutei,
lugar que não conquistei?
 
O que fazer num céu que não conquistei?

Num triste setembro

 
A primeira vez que vi um combate
muitos anos atrás,
num triste dia de setembro
o ar rescendia pólvora
e morte grassava impiedosa
cerrando olhos que faiscavam.

Um insurgente olhava atento
para as fachadas dos edifícios
carregava a kalashnikov
a procura do inimigo.

A memória vezes me falha
sobre aquele dia de setembro
quase consigo ver flores
nos escombros das casas antigas
que um dia foram lares felizes
e alcovas que acolhiam enamorados;

Movimento nas trincheiras
acompanhados dos disparos
contra adversário invisível
protegido pelo aço insensível
do carro de combate que demolia
as portas de ferro que sacudiam

Alguém estava chorando
rompendo o silencio mórbido
mas as balas não acreditam em lágrimas
nem a palavra lhes importa

Difícil progredir cinquenta metros
até a praça cheia de cadáveres
enfeitando um chafariz
que um dia acolheu crianças

Sentia sede e aplacava a fome
com côdeas de pão amanhecido
e nacos de carne em conserva
atrás das paredes esburacadas
salpicando os lábios com sangue
vendo a distancia uma ponte
como objetivo militar longe demais.

Quando anoitecia o céu acendia estrelas
quais velas para orientar as almas
que procuravam a eternidade
mas o combate não cessava
as palavras não importavam,
as razões não convenciam.

Foi um ano difícil aquele do setembro
quando pela primeira vez vi um cadáver de olhos baços
vergonhosamente orgulhoso
de ter puxado o gatilho.
Pela primeira vez em combate
vi um insurgente morrer
sem querer chorar de ressentimento
satisfazendo os desejos da alma sanguinária.
Mas, como desde os tempos antigos, não esquecidos,
as balas não acreditam em lágrimas.
 
Num triste setembro

Ao som da valsa de Straus

 
Estarei feliz esta manhã
ou comprarei uma passagem de bonde
cantando em falsete uma ária de Figaro.
Pois que vivo sem ver o dia,
sem saber o numero do seu sapato
e a idade do seu cachorro.
Apenas queria com você,
dar corda na caixinha de música
fazer dançar a pequena bailarina
ao som da valsa de Straus.
 
Ao som da valsa de Straus

Lutar não é um negócio

 
Foram anos duros aqueles que vivemos
nos escombros da cidade,
quando as almas tornaram-se menos rigorosas,
com o recrudescimento dos vícios.
Encharcadas pela chuva,
tudo parecia perdido
em meio ao cinza dos olhos vidrados,
das almas derramadas
como as águas depois da inundação.

Acariciam os amigos o rifle de assalto,
lembrando dos rostos doces das meninas,
que acompanhavam a canção.
Talvez em um lugar do mundo remoto,
num momento de angústia,
alguma esposa apertou o peito,
com tremores no coração,
acariciou o rosto frio de um retrato
sobre uma lareira na sala de estar.

Jardins e canções desvanecem,
na neve que absorve sangue e lágrimas,
ansiando na penumbra,
que antecede o arrebol
que descansar a alma seria desejável,
como ter sede não mitigada
definhando o coração.
Lutar não é um negócio
mas vou honrar até o fim
os compromissos assumidos.
 
Lutar não é um negócio

Em cada um quase um irmão

 
Não me atormentem essas visões,
ao ruído seco das armas disparadas;
o fogo brotando das raias abrasadas
entre imprecações e exclamações
findas na boca dos mortos de olhos abertos.

Creia em mim!
Sou escravo das trevas
luzes não se acendem mais
nas profundezas do coração.
Trago a alma entorpecida
pelas emoções rebeladas,
tempestades de paixões viciosas.

Creia em mim!
Neste silêncio que faço reverente
... nos gestos.
... nas palavras
quando ditas,
sem que sejam orações
aos mortos na hora santa.

Eis que muitos dos que conheci,
aqui morreram antes de ver o sol brilhar
sobre as baionetas caladas
saudando um pavilhão na praça.
Não os conhecia então,
com o tempo, as agruras divididas,
em cada um quase um irmão
- alguém que por mim derramaria lágrimas
e cerraria minhas pálpebras
para que a alma encontrasse o caminho da Luz.
 
Em cada um quase um irmão

Momentos de paz

 
Bandeiras desfraldadas
e a névoa densa
sobre a cidade.
Sempre inspira sobressaltos
esses momentos
de paz aparente.

Teria olhado
com mais vagar
as imagens plantadas ao redor
ouvido talvez,
com um pouco de atenção
vozes agitadas
pouco mais além.

Talvez caminhasse
até a igreja
e meditasse
defronte ao altar
sobre o que seriam
a felicidade e a glória
em oposição
a estes momentos de paz
 
Momentos de paz

Natal de 92 numa trincheira em Sarajevo

 
Havia gotas de orvalho
desde o insurgente arrebol.
Mais um amanhecer naquela fronteira,
percebemos logo algo diferente:
- poderíamos contar com o sol
que alegre despontava sobre as montanhas,
já dourava os arbustos e a grama.
Munidos dos binóculos de campanha
atentos vigiávamos a trincheira;
o silêncio imperava sobre a cidade,
longínquo um só pássaro gorjeava na rama.
Ao mais tudo ao redor era silêncio sepulcral,
enquanto a guarda repassava as posições dos blindados;
parecia que todos dormiam na manhã vernal,
nenhum alarme soara despertando os soldados.

Como se não houvesse mais a guerra,
nem um só inimigo, nem a matança;
parecia haver naquela serena manhã.
Disseram terem ouvido choro de criança
alguns insurgentes durante parco café
- e talvez fosse mesmo
talvez imbuídos na fé
uma aura serena, algo celestial.
ouviram um choro naquela manhã do Natal.
 
Natal de 92 numa trincheira em Sarajevo

Dez mortos a cada minuto

 
Não me sufoquem com pesado granito,
nem o bronze me atrai a vontade,
na vala comum meu destino é liberto,
do pranto das viúvas chorosas.

Vejo as luzes de fogos de artifício,
à espera do trovão subsequente.
Lembro-me de relâmpagos,
do clarão dos canhões
no calor de mais uma batalha
quando dez pessoas morriam a cada minuto.

Como entender essas luzes no céu
alegres como fogos da aurora boreal
inspirando o vigor da fé inabalável
sobre o desespero reinante no front.

Em algum lugar perto daqui
a esposa, a mãe extremosa pranteia
saudosa da risada familiar
que não mais verá nas faces dos mortos.

Oito quadras foi preciso avançar,
entre o turbilhão de balas e fogo.
A cada minuto dez vidas perdidas
sob a chuva dos obuses,
espocando na noite de breu,
como se acendendo círios nas nuvens,
no réquiem das almas presentes.

Então, me sepultem na vala comum
sem cruzes, nem adereços,
onde viúvas não depositam flores,
mas arde vivamente um buque de chamas,
no fogo eterno das almas perdidas,
dos homens que morrem em combate.

Seria o destino somente sem outra opção,
nestes escombros amar, lutar...
e sonhar sem ousar esquecer
os olhares do terror instalado
nas faces de todos os mortos,
dez mortos a cada minuto.
 
Dez mortos a cada minuto

A fúria das musas cedendo ao sabor do vento da desolação

 
Quando começa um combate
as musas se calam.
Em tempo de guerra,
todas as vozes silenciam,
submetidas à toada que brota
dos canos das kalashnikov,
musas entopem os ouvidos com cera
diante do fragor dos canhões.

Nos campos
os corpos apodrecendo na lama
enojam as musas em silêncio;
somente a chuva anuvia e dilui
o sangue jorrando,
fluindo das veias dilaceradas.

Mas quando é preciso lutar,
mais uma vez o sangue
vai brotar dos peitos abertos;
outra vez os fragores da guerra
trarão lamentações e lágrimas.
Mães e esposas irão verter lágrimas
milhares de órfãos percorrerão
as ruas abandonadas em escombros
a procura de uma mão amiga.

As musas irão tremer
diante do som dos canhões,
a necessidade da inspiração
ira ceder à vergonha nua
de matar em nome de uma justiça
que obedece à lei dos mais fortes.

Musas enfurecidas silenciaram,
abandonando as brisas das tardes amenas,
fugiram do cheiro da morte nos combates,
sabem que o vento da desolação
somente irá inspirar versos bastardos.
05032016
 
A fúria das musas cedendo ao sabor do vento da desolação

sem votos fúteis

 
Tome a direção dos sentimentos,
sem votos fúteis, nem adivinhações.
Preenchendo todo o bem em si,
evitando as ostentações
que acarretam as misérias das almas vãs.
Se quiser,
escondendo o tremor das mãos,
esperar o crepitar das fagulhas
sentindo a Luz delicada, a Luz quente
afastar as dúvidas permeadas então.
 
sem votos fúteis

Este poeta não é confiável

 
Essencial era sobreviver,
não lamentar nada,
aceitar os resultados
mesmo sob a chuva
na pista de danças.
Mais da metade da vida
passei conjugando verbos
no tempo condicional
como se pedisse licença.

Meio à fumaça doce,
percebo a decadência;
mantenho a cabeça nua
mesmo desconfortável
debaixo do chuveiro,
mesmo insuportável
na escuridão que intoxica
ante a fingida decência.

Seria bom estar no topo,
ter amor sem precedentes,
submeter-se a ele
em doces momentos de paz
ate o final da eternidade.

Seria bom não me apressar
num carrossel de temas aleatórios,
rabiscando poemas
indispensável atividade maior.
Infelizmente meus temas são tristes,
não seria romântico sobre a morte,
seria arrogante e impreciso

Não me perguntem
o significado dos versos soltos,
esparsas linhas óbvias
nas quais não farfalha a folhagem
nem suspiram corações;
astros celestes não iluminam
paisagens inofensivas.
A resposta seria simples:
este poeta não é confiável
ao escrever versos de amor!
 
Este poeta não é confiável

Se só soam silvos árduos

 
Si,
sim,
soam
silvos árduos
refreados no fulvo vácuo,
da redoma prática mútua e ampla
contida na face côncava do elmo supérfluo
refletindo estático paráfrases e metáfora ilógicas
arraigadas no recônditos lívidos de hirtos reflexos duplos.
Amua firme o livro na marcha lépida em direção ao núcleo
singrando fátuo o álveo magno em direção ao círculo
ebúrneo antro rotundo fatídico de aroma ácido
no estalo rouco dos acordes dos címbalos
intervalo anômalo do colo dos vândalos
escândalos ralados nos gargalos
no calo dos vassalos bêbados
valos dos dédalos baios
regalos dos cavalos
embalo o galo
não falo
calo
alo
 
Se só soam silvos árduos

Sufocante foi a fuligem

 
Sufocante foi a fuligem,
o fogo desmazelado
brotou insuficiente,
quando negligentes as sombras fluíram,
tão descuidadas,
sem obstáculos à frente.

Foram mesclando os contornos
dos sonhos relapsos omitidos,
restando suprimidos
os derradeiros laivos de realidade faltosa,
que feneceram,
ocultados com restos falhos
das esperanças ausentes.
 
Sufocante foi a fuligem

Liberdade e caminhos

 
Ao longo dos quarteirões em ruínas,
prédios e casas devastadas,
avançamos lentamente,
para tomar mais um objetivo.
No árduo caminho
bons amigos ficaram para trás
um deles com uma bala no peito
gritando para que prosseguíssemos.

Numa ultima olhada do perímetro
vi que não mais se movia,
um companheiro igual a mim
ficou à beira do caminho.

Ficava difícil manter a coragem para luta,
o inimigo espreitava nas sombras,
perto das trincheiras,
invisível e insidioso discurso fazia.

Ao som dos estampidos
crianças corriam com pés descalços
enquanto palavras, risos e lágrimas
tudo se confunde num esgar
nos lábios ressecados por causa do frio.

Todas as esperanças, todo o caos,
viaja nos obuses dos morteiros,
assobiando sobre nossas cabeças,
assustando mulheres e crianças,
saindo a procura de um poço,
para matar a sede dos lábios ressecados,
sob o fogo impiedoso dos fuzis.

De longe espreito o movimento,
perscruto cuidadosamente o perímetro,
ao longo das cabanas de madeira,
enxugando gotículas de suor da testa,
vendo longe como a fumaça azulada das lareiras,
a liberdade e o caminho a seguir.
 
Liberdade e caminhos

Perdoem-me os filhos...

 
Como folha do carvalho
arrancada da fronde nativa,
vi a vida impulsionado
por uma guerra brutal.

Perdoem-me
os filhos, irmãos, as esposas,
que oraram pelos cadáveres
que ajudei a sepultar
nas covas rasas de campanha
cobertas por uma pá de cal,
duas ou três pedras pesadas
evitando que os lobos
revirassem as sepulturas.

Mães, irmãs e esposas
clamaram por deus em voz alta
- se ele ouve cada oração não foi presto.
com os filhos na distância,
que nas trincheiras não estão respirando
permeada a boca de moscas
aguardando funerais.

Como folha ordinária
de caderno de rascunho
a vida foi exercício,
foram rabiscos
a serem passados a limpo
num dia qualquer
quando a consciência permitir

A menina chora,
cora arrancando do seio
um lenço azul.
Mães choram procurando deus
que não responde orações
afinal uma guerra
não ocorre sem vitimas fatais,
sem cadáveres insepultos,
apodrecendo ao sabor do tempo inclemente
 
Perdoem-me os filhos...

Bebendo uma caneca de vinho

 
Ecos não ressoem por mim
não voltarei...
Mantenho-me como antes de uma primavera,
na cautelosa espera,
observando as folhas mortas
cederem aos caprichos do vento,
deixando-se levarem flutuando
ao sabor da brisa outonal.
Somente estarei de volta,
quando cessar a chuva nas trincheiras
- a lama não mais absorver o sangue tisnado;
depois que a neve for varrida
das lajes das sepulturas.

Então haverá um tempo de trégua,
a cessação das mortes,
um tempo para repouso da alma.
Esquecer tantos dias ásperos
para acreditar nas verdades
que um dia houve em mim.

Até que esse dia aconteça,
deixarei amigos ansiosos a esperar
para comigo sentarem-se ao fogo
bebendo uma caneca de vinho
em louvor às almas do que partiram,
a despeito da morte que ainda ronda
e poderá adiar esse encontro.
 
Bebendo uma caneca de vinho

A Imortalidade que perdi

 
Foram momentos de grande euforia,
tanto elevo,
a mais pura exaltação como numa elegia.
E na apoteose dessa paixão,
em pleno êxtase,
numa fúria cega,
vi-me como se revestido de aço,
invulnerável
e irrepreensível resilente
imune aos estilhaços das granadas.

Se ainda havia a Morte, não cria nela...

Após momentos dessa apologia à imortalidade
- glorificação de um próprio eu incandescente,
cedo à ebulição do febril entusiasmo.

Num repente,
tornando à rotina sem ênfase,
livre de todo alvoroço experimentado,
tomado pela irritação
- a efervescência da ira
e a frustração exalo diante da Imortalidade que perdi.
 
A Imortalidade que perdi

Domingo de Páscoa em Sarajevo

 
Uma semana se passou,
como se fora uma centena de anos,
vinte e quatros horas por dia,
o inimigo surpreendeu pela audácia.
Não recuou sequer um milímetro,
como brandindo foices ceifando vidas.

Ocasionalmente em meio às balas,
mulheres corriam gritando,
atravessando a cortina de fumaça e sangue,
baleadas mesmo com salvo condutos.

Insurgentes rastejavam como cobras,
não se recusaram a atirar nas mulheres,
mas hoje quando o sol surgiu no portão do leste,
o quartel estava deserto.
Nem guardas havia na frente de combate,
nem oficias nos postos do comando;
como se jamais ali houvera um inimigo
como se ninguém soubesse empunhar uma arma.

Música soou e de alguma forma estranha,
desapareceram as sombras do medo,
estavam prontos todos a se abraçarem,
neste manhã de domingo brilhante,
depois de uma noite horrível em branco e preto.

Muitos sonharam com a casa distante,
sentiram nos corações a esperança arder,
viram no céu mais claro voando pombas,
como se mais uma fortaleza houvesse caído.
Ao anoitecer as corujas vieram aos sótãos,
antes que os tiros fossem disparados,
nas varandas procuramos nos acomodar,
e sorrindo nos perguntamos uns aos outros,
qual teria sido o motivo da trégua inesperada.

E a palavra “ressurreição” correu de boca em boca,
de homens empedernidos corações se alegraram,
de repente se ouviram algumas orações.
De mais de uma religião coros entoados,
e se repetia a palavra em tantos idiomas,
como se um anjo passasse pelas calçadas,
as primaveras votassem de repente,
a se instalar nos corações dos soldados.
 
Domingo de Páscoa em Sarajevo