Imersão
Hoje as tuas mãos imergiram mais fundo
No mar de mim além de carne e pele.
E é meu todo o prazer do mundo
Macia lã, mais seda que burel.
Ondas que são deleites sendo sismos
Pelos líbidos montes estivais.
Horas por desoras, cataclismos
Em dueto, sonatas nupciais.
E se a sombra cinza 'inda perdura
Se agarra e se prende na cintura,
Sou ave de fogo em voo planado.
O roçagar da tua alma na minha,
E o teu colo, meu peito e escrivaninha
São meu sopro energizante e renovado
Nita Ferreira
Meninos
Há nos rostos
dos meninos
e nas lágrimas
que já não choram
mil gritos emudecidos
da sua alma já rouca
de esperança tão pouca
Que as mãozitas
já cansaram
de buscar p´rá sua vida
a tal bola colorida
que o poeta cantou
E os avanços do mundo
jazem estagnados no fundo
da espera desses olhinhos
tão esfomeados de paz
Enquanto ódio e dinheiro
forem estandarte primeiro
sempre os meninos esquecidos
maltratados pela vida
verão apenas cinzenta
a bola mais colorida
Nita Ferreira
Ao sol de Outono
Ao sol de Outono que brilha e aquece
Acaricia e doira os meus cabelos
A luz destes meus olhos estremece
Na tristeza que vê nos teus ao lê-los
Na brisa suave e cálida que passa
E me toca qual raio que consome
Há um chamamento que me perpassa
A alma e sussurra o teu nome
E a chuva mansa que vai caindo
No meu peito e meu poema ouvindo
No seu macio e doce deslizar
É consolo e luz que do céu desceu
E me beija como um beijo teu
Deixando um sorriso no meu olhar
Nita Ferreira
Véu primaveril
Olho lá fora, o céu tem outro azul.
É Primavera, gorjeiam as aves.
E quão sedoso este véu de tule
A envolver-me como só tu sabes!
Olho lá fora e o campo é mais verde;
Há mais aroma a fluir do jardim;
Sobe mais firme a hera na parede;
Sonha mais alto este sonho em mim!
Vem Primavera, atravessa o meu peito;
Fica-te em mim, caudal em seu leito,
Rio de flores e sorrisos a abrir!
Vem Primavera, p'ra eu ser feliz,
Beber-te a frescura e qual chafariz
Ser água a correr por todo o porvir!
Nita Ferreira
Toque
Naquele lugar encantado
lá onde a entrada secreta
fica entre a espuma e o orvalho
o sol quente beijou o mar
vasto das brumas do tempo
um assustador momento
toque que libidinoso
revolveu o firmamento
E um vulcão vomitou
a lava seca de há séculos
o astro rei fulgurante
raiou mais incandescente
e o reino de Neptuno
azulou ondas de vida
mais largas e mais serenas
mais plenas e cumpridas
Erupção incontida
toque da vida co´a vida
eterno quanto profundo
destinado à eternidade
e aberto à imensidão
de um sentir incendiado
florescido e guardado
dentro do meu coração
Nita Ferreira
Quem...?
Quem...?
Quem faz nascer em mim a primavera
e o meu olhar todo florir em rosa?
Quem no meu peito faz poesia em prosa
e nos meus seios constrói ninhos de hera?
Quem semeia em mim campestres perfumes
e me cultiva, assim, terra orvalhada?
Quem me envolve, semente germinada,
no húmus, revolvida, sem queixumes?
Quem me faz fada verdinha e até
rodopiar bem na ponta do pé,
qual bailarina em clássico bailado?
Só tu, é o que me escreve o coração,
e teima que não há outra razão
que assim me faça campo cultivado.
Nita Ferreira
Soneto da saudade
A saudade é lonjura sem afagos
É caudal numa lágrima pendente
Nascente crescendo que morre em lagos
De um olhar pelo outro olhar ausente
Saudade é um ermo aberto em nós
Que alastra e devora, impetuosa
É um vento pelas ruínas, uma voz
Que ruge e ensurdece, dolorosa
Saudade é um rumor, um azedume
De fel, de infortúnio e queixume
Um árido deserto, uma espera
Mas, ó doce ventura a fluir
É a doce lembrança a sorrir
Misteriosa taça de outra era
Nita Ferreira
Laços
Eu não sei mais de mim sem estes laços
Com que prendeste, soltos, meus cabelos.
Eu não sei mais de mim noutros espaços.
Só me encontro por estes de tão belos.
Só sei de ti, doçura que preciso,
Intrínseco poema em mim inteiro.
Só sei de ti, vontade do meu riso,
Dedicado, leal e verdadeiro.
E sei de nós, a plena emoção
O peito, seara nossa, vastidão,
Dulcíssima ondulação que persiste.
Sentir assim é p'lo céu ofertado,
Benção a certas almas em legado,
Igual tesouro eu não sei se existe.
Nita Ferreira
Emergente sorriso
Emerge um sorriso do sofrimento.
Vem lavado de lágrimas saudade.
Traz um sussuro em si e clama o vento,
Que o amor não pergunta, só invade.
E nasce um balbuciar bem baixinho
Como ténue lume que em redor
Do coração sussura:'inda há caminho
A palmilhar porque é imenso o amor.
Lágrimas chovendo as dores do atrás
Não logram do tempo torrentes vãs
Que encharcaram a alma em desatino
Mas sorrisos renascentes de calor
Que o peito regenera em vivo amor
Têm força p'ra mudar o destino
Nita Ferreira
Apetece-me dizer
Apetece-me dizer
que a hora é de crescer
além de todo o sofrimento
deixando que nos leve o vento
Apetece-me dizer
que dentro de nós está
a maior força que há
e a vontade que hora cabe
na palma da nossa mão
vamos fazer com que tenha
a força de um vulcão
É só fazê-la valer
respirar fundo e viver
É crescer e não parar
e com muito amor... AMAR
Nita Ferreira