Foi triste
Era um dia comum de verão, e, como de costume, eu estava a voltar da faculdade no transporte público; com assentos de plásticos, um tanto desconfortáveis, e janelas sem cortinas que, de maneira alguma, impediam que os raios solares invadissem o meu espaço, pousando sobre minha pele.
Aquele dia, como já falado, não era diferente dos outros. Lá estava eu e os meus fones brancos encardidos pelo tempo, e/ou bagunça da minha bolsa (bagunça da minha vida), sentada solitária perto da janela do ônibus, quando ouvi vozes, quase incompreensíveis por causa do fone no volume máximo, a tocar A day in the life, que gritavam algo do tipo: “Vai, se joga” “Eu duvido.” “Pula, cara!”.
A ponte não era muito alta, mas tenho impressão que causaria alguns estragos. Não sei se é falta de memória, ou se foi a rapidez do ônibus que não me deixou ver com clareza o acontecido, só sei que ali estava uma pessoa, que, por motivos que desconheço, desejava naquele momento esmagar sua vida num pulo de uma ponte. Doeu-me tudo por dentro ouvir aqueles absurdos; seres humanos riam, seres humanos zombavam, seres humanos criticavam, seres humanos o incentivavam a se matar. Seres humanos, ah! Nem sei mais se ainda os posso chamar assim.
Hoje em dia é tão difícil de encontrar seres humanos, muitas vezes o que se vê andando por aí são seres, mas não humanos.
Sou só um poema mal feito
Eu sou só um poema mal feito, cheio de rimas pobres. Não tenho palavras bonitas, porém são todas complicadas. Eu não passo de um poema mal organizado, mal terminado.
Não queira ler-me, você não entenderá “bulhufas”, sou um verdadeiro caos.
Creio que o escritor quando fez-me estava bêbado, e ainda estava indo, cedo, para o trabalho de trem.
Fez-me torta, com palavras que não existem no dicionário. Sempre que ele ousava colocar a caneta no papel - já não mais branco de tantos lugares já passados, e todo amassado - o trem dava alguns solavancos fazendo-o borrar-me toda.
Depois que acabou olhou-me e fez algumas caretas. Levantou-se, desceria na próxima parada, e largou-me no banco no qual estava.
Foi-se embora, como todos vão quando me leem e veem o quão torta e bagunçada eu sou.
O mundo não gira ao meu, ou ao seu redor
Só que o mundo não gira ao meu, ou ao seu redor. Ele nunca girou. Confesso que já fui muito egoísta a ponto de pensar que ele girava, mas não gira. E é duro, eu sei. Entretanto é preciso, sempre, tirar os olhos do seu próprio umbigo e olhar para mais além. Você verá que por aí há pessoas iguaizinhas à você, que sofrem da mesma maneira. Você não é o único! O mundo não parará para ouvir os seus problemas, todos têm problemas. Se fazer de vitima é ridículo! Há vidas muito piores que a sua.
Botão sem casa
eu sou o botão
e você a casa.
A saudade é o seu Zé
que vive com calor
e deixa a camisa aberta.
a gente quer ser flor
querer ser o que não é, é dolorido.
a flor quer ser gente
e a gente quer ser flor.
mas flor tem que ser ela
e a gente, a gente.
viver não querendo viver
não é viver.
morre antes de morrer.
morre por dentro.
morrer por dentro é algo muito triste.
é, talvez, o mais triste dos tristes.
é digno de pena,
da ave inteira.
morrer por dentro dói.
dor que não pode ser curada com chá ou dipirona.
dor que não passa.
dor que maltrata.
dor que destrói.
Queria que Saturno tivesse oxigênio.
Se eu acredito em Deus? Claro que acredito, como posso acreditar no amor se não acreditasse nele? Às vezes vêm dúvidas em minha cabeça com relação à sua existência, porém logo paro de me questionar coisas do tipo: ”se Deus existe, de onde ele veio? Quem o criou?”
Afinal, de que me adiantaria saber estas respostas? Acho que é melhor não saber essas coisas, acho que certas coisas não devem ser esclarecidas.
Em relação à varias coisas como uma pessoa namorar, ou casar com uma outra do mesmo sexo, eu não sou contra. As pessoas perdem tempo sendo contra, reclamando. Mas, cara, há tanta coisa no mundo para eu me preocupar, por que irei me incomodar com duas pessoas que se amam e não estão fazendo mau à ninguém? Só por que elas têm o mesmo órgão genital? Isso é problema delas. Cara, fico tão indignada, se elas se amam qual o problema em ficarem juntas? Não leio muito a bíblia, mas sei que Deus diz para você amar o próximo como a si mesmo. Por que as pessoas não param de ser egoístas e fazem o que Deus pediu?
O mundo está cheio de pessoas ruins, que existem e vivem para o mau. Me dói a cabeça ver pessoas que preferem se incomodar com pessoas que se amam do que com o mau que existe. Porra, o amor não é ruim, vê se aprende.
Minhas esperanças de esse mundo um dia melhorar estão cada vez menores.
Não sei se quero ter filhos e deixá-los aqui. É nessas horas que queria que Saturno tivesse oxigênio.
Sim! Eu levaria-os para Saturno, eles seriam felizes lá. Porém se os homens descobrissem que lá continha oxigênio se instalariam lá e logo o destruiria, assim como está acontecendo com a terra. O ser humano não presta.
É, sou um ser humano,
mas preferia não ser.
Ei, a vida está passando
Deixe o comodismo de lado. Levante-se dessa cama, ou dessa cadeira, ou desse sofá, ou desse chão. Saia! Vá ao parque, ou à praça, conheça novas pessoas. Você acha que não existe pessoas legais? Mas como você sabe, se não conhece todas as pessoas do mundo?
Se não quer sair do celular, ou do computador, leve-os junto.
Só não fique aí trancado o dia todo. A vida está passando, e depressa.
Sei que você pode dizer que saindo e conhecendo pessoas a vida ainda continuará passando. Porém algum dia você levantará da cadeira, ou de onde você estiver, se olhará no espelho e pensará: “Cara, o que eu fiz na minha vida além de reclamar dela e não sair do lugar?”
Um girassol na biblioteca
Era a moça mais bela que já havia visto em todos esses meus 75 anos.
Ela estava na prateleira de poesias, se não engano-me, olhava livros de Mário Quintana. Ela usava um vestido com estampa de girassóis, e eu amo girassóis. Perto dela estava um carrinho de compras, daqueles que colocamos os livros para não carregarmos muitas coisas nas mãos.
Eu olhava para ela, mas ela nunca olhava para mim. Eu tive medo de ir falar com ela. Eu parecia um adolescente no seu primeiro encontro: tremia de nervoso. Não sei porquê. Isto nunca aconteceu antes. Lembrei que ali, perto da biblioteca existia uma floricultura. Fui e comprei um girassol - novida -, revirei minha mochila e por sorte encontrei papel e caneta, rabisquei o meu número de celular e ainda acrescentei: "Se gosta de girassóis, ligue-me."
Dei um jeitinho de prender o papel no girassol, e o coloquei no seu carrinho.
Isso aconteceu a mais ou menos 20 anos.
Ela nunca ligou.
Vai ver não gostava de girassóis.