E o céu cospe nesse chão...
.E o céu cospe nesse chão.
.de vermes,cobras,porcos,imundos.
.de hipocrisia clamando justiça.
.de crianças clamando futuro.
.o céu cospe.e mostra a luz.
.pois é tão difícil enxergar.
.a ignorância encobre a visão.
.todo mundo não se importa.
.ninguém presta atenção.
.e o céu cospe nesse chão.
(Letícia Corrêa 09-09-06)
Teatro
Tragam as luzes. Aquelas bem serenas, tênues... E tristes. Tragam, armem o palco, e nada mais. A atriz se encarrega dos scripts. Mas traga rápido, porque veloz é sua melancolia, vago o seu desalento. Assistam atentos e deixem-se envolver pelo sentimento [o verdadeiro], pois cá neste camarim e, principalmente, nesta cena, o que não há é teatro, nem encenação. É a mais pura expressão da incógnita sentimental humana. Num grito profundo e rouco, ela tenta arrancar da mais profunda camada de sua alma toda a angústia e dor alucinantes. Tanto esforço e empenho que provocarão um insignificante tapar de ouvidos dos poucos espectadores, da última apresentação semanal naquele teatro quase abandonado, falido. Aquelas palmas abafadas pelas poltronas vazias e pelo ar úmido e inebriante, ilustram o fim de uma semana introspectiva e o início de outra a ser escrita, dessa vez com mais ânimo, pra não cair na rotina.
(Letícia Corrêa – 27/05/07)
Sublimação
... Uma levitação inerte de mim mesma... Vaga pelo incerto, um espaço fluido de sensações, cores difusas... Uma busca do fixo, num caos mutável ...
(Letícia Corrêa – 28/05/07)
Torpor
Uma embriaguez mental que me atormentava a noite.
Minha’lma quase levitou.
Para ver encolhida na cama minha armadura de algodão.
Suplicando em rezas, terços e Santos alguma fé.
E fazia isso tão repetidamente que minha voz fez-se canto.
E no canto adormeci.
Mas permaneci em cantoria sonâmbula.
E da melodia surgiram cordas.
Guitarras, violões de todo tipo.
De papel, com som rasgado.
De metal, ressoando o tilintar das lágrimas.
De madeira, com aquele som seco e estalado.
Que tocavam a melodia onírica.
De um sonho quase pesadelo.
Que de pesadelo, era quase real.
(Letícia Corrêa – 09/04/08)
Verde terra
Sinto o gosto
Daquela chuva grossa e gelada.
O cheiro de terra que exala no cair da água.
Água doce do Rio Guamá
Que um dia me acolheu na sua cor de barro.
Nas suas águas de mururé, de canoas, de boto, de mangue, dos ribeirinhos e dos jacarés.
Águas decoradas pelo verde das matas centenárias
Que guardam a essência do país que lhe esqueceu.
Amazônia, amazônia, das pororocas, do açaí.
De vidas isoladas do caos urbano.
De vidas abraçadas pela TERRA.
Terra molhada dos igarapés, do Solimões.
Terra dos marajoaras, das frutas do Brasil.
Terra dos índios, terra de raíz.
Belém das Mangueiras, do ver-o-peso, do tucupi, do teatro da Paz.
Belém da pele morena e pintada, dos olhos amendoados dos Tupinambás.
Belém do Círio de Nazaré.
Da fé na corda da Santa.
Da fé nativa e cristã.
Belém também da pobreza, das palafitas, dos nossos ancestrais.
Amazônia de ruas de rios.
Meu Norte, meu Brasil.
Que jeito ser?
Então qual é o melhor jeito de ser?
Se possessivos, somos condenados à culpa.
Se compreensivos, oferecemos a cara a tapas.
Não quero ser boa, sendo compreensiva.
Meu auto-amor não é tão perfeito assim a ponto de não sofrer decepções.
Tampouco quero ser má, sendo possessiva.
Meu ego não suporta prisões, quero ter e oferecer liberdade.
Mas que sorte a minha!
Saio de um, caio no outro.
Caindo neste, fujo por aquele.
Que existência angustiante e a dos humanos,
conscientes de que sentem dor,
só conseguem enxergá-las quando transcritas, muitas vezes, por outras dores.
De outras pessoas.
Subversão
Mais uma vez, permiti tal ato contra meus sentimentos. Contra meu coração.
Permiti-me o gosto amargo na alma.
E, depois da dor, o que nos resta além das coisas casuais?
Os porquês perdem força dentro de nós.
Só os gritos de dor, de raiva.
As súplicas de amor-próprio sobem ao púlpito.
E fazem a festa.
Enquanto resistir aqui dentro, essa mania estúpida
de tentar justificar a minha fraqueza.
(Letícia Corrêa – 11/04/09)
O Abraço
Há quem abrace por gentileza.
Há também quem abrace por educação - aquele tapinha nas costas bem rápido.
Mas também há quem abrace com afeto, com alegria, transmitindo o que de bom há em si.
Quem abrace por saudade.
Quem abrace por consolo, compaixão.
Existem os grupos que se abraçam como forma de integração.
Existem os grupos que se abraçam como tentativa de reconciliação.
Entre tantos tipos de abraços...
Há, e não menos real, quem abrace apenas por abraçar.
E quem abrace buscando contato, afetividade, carinho.
Existem aqueles abraços de quebrar costela, que nos passam força.
E aqueles que nos transmitem tristeza.
Abraços existem de todo o tipo.
Pessoas existem de todo o tipo.
As pessoas dão os abraços que possuem, querem e podem...
e recebem os que as outras pessoas possuem, querem, ou podem dar.
Meu abraço, eu não dou em vão.
Dou o abraço que quero receber!
E você, que tipo de abraço está oferecendo?
Preferiria...
Num quarto em que ressoam melodias e palavras inglesas, daquelas com voz rouca, arrastada, quase melancólica - quase, se não fosse a força na voz –, euforia não existirá. Exceto se for estimulada quimicamente. Preferiria um estímulo tátil, como este.
Entre um olhar de tristeza e uma ligação telefônica alegre, existem motivos invisivelmente observáveis. Preferiria que fossem visivelmente claros, ou que contivessem um ar de preocupação – quem sabe até de culpa.
Escolher gritar de raiva, ou escolher calar, por equilíbrio – escolher a indiferença também vale. Preferiria nenhum dos três, preferiria a companhia, o contato.
Transitar em pensamentos leves e pesados. Mas poderia achar refúgio no sono.
Guardar um novelo de palavras na garganta, até doer e provocar choro. Como também deixar que elas extrapolem seus poros, por suas mãos, ouvidos, pela respiração – até o novelo se desenrolar.
Preferiria ter escrito sobre o sabor do chocolate...
Ou o do café!
(Letícia Corrêa - 03/10/08)
Um presente celeste
.Da mesma calma que vi brotar.
.Nos olhos de uma criança.
.Ao se embalar, no Jardim de meu.
.Sonho mais acalentador.
.Da imaginação mais onírica.
.Nunca, então, vislumbrei tão serena.
.Quiçá agraciada fui, com sorriso de igual valor.
.Utopia fosse que houvesse sonhado.
.Mas me quiseram presentear.
[.E de gratidão junto as mãos, em prece.]
.Com um auto-retrato feito, de certo.
.Por um anjo.
.Que do arco-íris.
.Criou sua aquarela-prima.
(Letícia Corrêa – 11/05/07)