Sismo poético
Escrevi sem medo de fazer
Dos versos um barco perdido
Que deriva na costa sem ter
Nunca de lá partido.
Escrevi o que minha alma gritava
Por entre ecos de desesperação
E por momentos, minha alma desesperava
Trivial desolação.
O medo irracional
Penetrava-me como uma flecha
Caçando o animal
Num acto de causar inveja.
Afinal, queria ser abismo
Da tremenda dimensão,
Queria ser escrita, forte sismo,
Alma irrequieta da ocasião.
Natália Bonito, in “Qu4tro Dimensões”
http://estradasrepletas.blogspot.com/
Destino traçado
Um destino traçado,
Uma vida mal vivida...
Sopra um cantar amarrado,
Toca uma música perdida...
A solidão grita sem cessar
A mágoa há muito sentida,
A paixão que deixou de amar...
Ouvem-se os sinos distantes,
As ondas a sussurrar,
Os segundos caídos em instantes...
A lua, bem longe, a brilhar
Manifesta sua presente ausência,
Sua liberdade sem história,
Sua constante permanência.
Tristemente, chora distante vitória,
Grita uma infeliz vivência,
Um brilho sem qualquer glória,
Uma espera com paciência...
Fugaz eternidade de viver
Cerca-me uma fugaz eternidade!
A aura celeste perde-se
Em ritos de bela vaidade
Que ofuscam o interior
Da mais singela cidade
Construída com amor
E muito pesar da idade...
Eu também teria nesta procura
Um insensato querer,
Uma réstia de loucura,
Um fogo que teima em arder
Mas que muito não dura,
Pois morrer é viver
Uma manhã mais escura...
Estrofes solitárias
O silêncio derruba a sensação
De ser verso descoberto
Na estrófica dimensão
Deste poema aberto.
Sinto as alvíssaras prometedoras
A derrubar
As pontes ameaçadoras
Do verbo criar.
Sozinha,
Choro a angústia do tormento
Grito o desalinho da frieza
Espero encontrar o alento
Desejo libertar a tristeza.
Sozinha,
Creio na sepultura dos incrédulos
Anseio um céu bem maior
Invento a loucura dos belos
Finjo ser primavera do amor.
Amante rebelde
Percorri cada milímetro da sensatez
Gastei mil minutos na rebeldia
De beijar a tua tez,
E sozinha, pensei ser ousadia
Daquilo que um amante, por ousar, fez
Sem medo, nem cobardia,
Fê-lo uma e outra vez
Na noite clara daquele dia.
Ser tudo
Ser tudo num poema escrito,
Libertar o fundamento
Daquilo que pensado não foi dito
E por um breve momento
Sentir que no verso aflito
Apenas um fiel ensinamento
Renasce da partícula deste atrito
Como semântica de um pensamento
Tantas vezes feito grito...
Gosto, porque gosto
Livre como um pássaro eloquente
Segue na lucidez do teu palpitar,
Uma vaga inércia doente,
A nudez que vem beijar
A alma por sempre ausente...
Não queiram impor a paixão
À pele seca, sem a água
Que jorra de teu coração...
Não queiram meu amor submeter
Às voltas, sem direcção;
Meu sonho fazer desaparecer
Nas certezas da contradição...
Eu sei o que quero!!!
Luto com determinação:
Sou alma,
Sou desespero,
Vontade de divisão...
Gosto porque gosto,
E ninguém a isso me obriga!!!
Gosto porque gosto,
Gosto porque gostando
Sei que sempre gostei
E hei-de tornar a gostar
Os dias em que te amei
Os dias daquele amar...
Escrever um poema
Cada poema tem uma história,
Uma forma simples de sonhar,
Cada poema é uma vitória
Da luta deste embarcar.
Acreditar na profunda manifestação
Escrever em cada dia
Com fervor e emoção,
Com vontade e alegria.
Porque a inspiração é movimento,
Escrever um poema é sentir
Confundindo alma e sentimento
Para chegar ao infinito, sem nunca partir.
Manhã de tormento
Hoje a manhã é sentimento
De uma escravidão lamentada.
Nas fantasias do elemento
Esquecemos a mágica alvorada
Como um eclipse num momento
Beijando a lua amada
Em dia lânguido e cinzento.
A rapidez dos tormentosos
Invade a fúria e a lividez
Da alma dos receosos
Que medo têm da sensatez
E por isso recusam ser generosos
Perante a raiva e malvadez
De actos humanos tenebrosos.
Relativa é a sensação de poder
Neste mundo de moções
Onde quem vive por viver
Apenas recebe lições
De envergonhados ritos do saber
A que muitos chamam confissões,
Lembranças esquecidas por tecer.
Não engano meu coração
Entra em mim uma imprópria vontade...
Somente um grito por gritar
Engana minha triste saudade;
Somente uma noite por chegar
Acalma o fulgor da idade.
Sempre acreditei na luz da vida,
Brinquei às paixões fulminantes
E na brincadeira, esquecida,
Deixei à nora meus amantes...
Agora meu castigo é chorar,
Chorar uma inocência perdida,
Uma pureza que não mais quer voltar:
Fugiu sem alma, nem vida,
Juntamente com aquele amar...
E não engano meu coração,
Porque sou eu quem mais ama:
Sou eu amor e paixão,
Fogo que queima a própria chama...
in A Janela deste Mar