À procura...
Vou-me pôr por aí à procura
Na rima deste cada dia
Do regalo que a fantasia
Tem até na forma mais dura
Das árvores a estrutura
Das folhas a verde sintonia
Dos frutos o gosto que mordia
De cada a certa altura
De um rio que vai até ao mar
Para somente desaguar
Todo o seu torto passado
E de mim dos outros de ti até
Desta coisa chamada fé
De saber ser deste lado.
Andorinhas
Pela manhã reinava chilrear
Nos altos fios de postes vários
Estava fresco mas contrários
Eram bulícios pelo claro ar
Aqui uma andorinha a cofiar
Além duas como adversários
Uma a chegar sem saber horários
Outra a partir para regressar
Anda nestas voltas decidir
Qual o momento certo de seguir
Rumo à distância do destino
E a firme partida traz saudade
De ver pelos céus liberdade
Sentir nas ruas passar felino.
Meu vibrar sem destino
Vibra todo o alcançar
Que o sentir descortina
Num maneira bonina
De leve vento passar
O rio cada margem a tocar
Nas pedras capa fina
No céu nuvem ladina
Que de tom teima mudar
A chuva que quando quer cai
A água que da fonte sai
A neve que voa sem tino
E de todo na certa água
Tenho por aperto mágoa
Meu vibrar sem destino.
Douro
Talhado curso em força bruta
O que o rio segue como destino
Faz descer ao leito afiado e fino
Subir encostas de forma abrupta
A água tendida esqueceu a luta
Tem barragem que lhe tira o tino
Espelha-se num sol vespertino
Fica sulco de quilha arguta
Pelas margens não indiferentes
Os socalcos são provas puras
De passadas e presentes amarguras
Não se nota, mas teve e tem gentes
De rosto sempre pregado no rio
Que nele a vida uniu no mesmo fio.
Dizem que neva
Dizem que neva
Tanto que nem se passa
Que no ar anda uma leva
Que pelo termo grassa
Anda o ar carregado
De nuvens de um frio presente
De um tom condenado
A cair em toda a gente
Pois que neve
Nem lhe vejo adversidade
Que sussurre leve
O branco que desce em liberdade
Enxertia
Dormiu aos embalos do inverno
A árvore de forma franzina
Um braço que ao alto afina
Num canto já para ela terno
Sentido que é este suave perno
Da estação de todas menina
Já no caule seiva imagina
Um fluxo firme para governo
E é quando lhe dou certo corte
Quase como tirando-lhe sorte
E lhe enfio o prumo eleito
Assim fica ela enxertada
Quase reduzida a um nada
E eu com ela atada ao peito
A António Feio, com admiração
Não deixes nada por dizer
Do que te vai nessa alma
E na mesma com certa calma
Não deixes nada por fazer
Não deixes nada por querer
Nem que não conheças palma
Segura tudo na xalma
De não deixares de crescer
Mas calma no que desejas
Ás tantas só tu almejas
Tanto ter nesse incerto
Não te percas e segue a luta
Que no interior labuta
E te traz o provento por perto.
Sementeira
Nas mãos frescas letras misturadas
Uma consoante outra mesmo igual
Um acento encimando uma vogal
Combinações ao acaso votadas
Em frente sem linhas desenhadas
Claro de folha de papel normal
Um terreno gradado ou sinal
Para onde devem ser lançadas
Por embelgas vão traços de rima
Passos bem medidos para cima
A delimitarem certo o intento
E saem sementes da pena tão caras
Umas bastas outras por sorte raras
Lavras de verso em pensamento
Sou ou não sou
Não sou mais que verso desta terra
Uma frase que ondula nos montes
Cantar que corre junto ás fontes
Rima que uma estação encerra
Raiz que procura e se enterra
Tronco que separa horizontes
Ramo torcido pelos despontes
Flor que vê fruto e ainda erra
Rumo onde veio bater a vida
De tanta gente mais a esquecida
Um lugar com a forma de berço
E sou mais e mais a recordação
O constante bater do coração
Uma alma num natural terço
Incêndio...
Anda um incêndio em mim
Que arde sem ter compaixão
Consome tudo num clarão
Parece não desejar fim
Fiquei revoltado assim
De ver o termo escuridão
Após um dia de devastação
De andar no ar fumo ruim
Que mão fraca e insensível
É capaz de louca vontade
Atear inferno de verdade?
E de negro fica o visível
Com a triste e crua certeza
Da vara da natureza