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Sou o 8 e o 80.
A alegria e a depressão.
Sou um vulcão adormecido.
Granada cozinhada.
Rosa-dos-ventos sem sentido.
Sou uma contradição.
Sou a doçura e a frieza.
Humildade e a arrogância.
Mão de ferro sem firmeza.
A paixão e temperança.
Nem bela nem senão.
embrulhei as palavras num abraço
são coisas
contidas
coisas que
querem cair
da minha boca
e eu trinco
são coisas
não ouvidas
coisas que
eu penduro
no teu brinco
é um tudo
com vontade
que me toca
é a verdade
que confusa
me sorri
é o sonho
que seguro
faço em ti
é a mágoa
que se trama
na cidade
que nos chama
e a chama
que engana
a chuva passa
pingas tiras
do cabelo
que me descem
à pontinha
do nariz
e se escondem
no teu beijo
ao recebê-lo
pronto
embrulhei todas as palavras num abraço
mas viajei de montanha russa no Espaço
Alter
- Descobri como funciona o mundo!
- O mundo não funciona.
- Mas resulta.
- Ai é?
- E resulta em quê?
- No que quiseres.
Aquele louco já me tinha avisado
...e eu via as coisas de cima,
...e achava-me um deus...
Bem o louco dizia:
- Abarcas tal compreensão!
Mal eu pensava que não existem dois lados,
Mas só um.
(Será que funciona assim?)
marasmo
esta dor de envelhecer que me consome
o espelho e que me diz o que não sou
no espírito do tempo a sede e a fome
da magia que sem querer se evaporou
na catástrofe lenta dos dias pasmos
toda a força fraqueja em frívola fé
quando a vida teia de marasmos
santifica o ócio que se tem em pé
senhores do mármore
nesta tarde incompleta
os senhores do mármore
me calaram já
quanto mais fecho a boca
mais me engulo das sementes
nos ouvidos
nascem-me deles trepadeiras
a tapar a cara e penetram dela
qualquer orifício
senhores do mármore!
está frio!!
permitam-me que parta
parta em cacos
rumo ao deslugar
das grutas do mau feitio
aqui dentro está mais quente
mais silêncio, mais terra
mais musgo, mais verde.
a trepadeira longe de vós
ja não aperta tanto
deixa-se fluir e brota
algo que a vossa
pedra dura disfarçada de rosa
não há-de prever
senhores do mármore
o meu templo é vida
apenas...
10/02/2003
Porto, 10/02/2003
Nesta manhã cinzenta com cheiro a café e carros a passar para lá deste vidro comercial, um puto apontando para o leite achocolatado da montra e eu aqui sentada acompanhada por meio copo de água.
Amanhã tenho um exame, um curso que me tem acrescentado um pouco ao pouco que conheço.
Uma prateleira que verga com várias garrafas de litro e meio e um Santo António olhando por elas e aqueles Tic-Tac que me seduzem a imaginação do paladar.
Alguma vez chegarei a escrever o que sinto? Como os famosos poetas e escritores de romances? Será que o faziam assim, ou apenas sentiam o que escreviam?
Talvez numa vida mais além, aquela que esta contém, mas ainda não é contida, darei mais valor ao menor tempo que me resta? Os dias a sonhar a tristeza e, no entanto, conseguir olhar os dias que passam com paixão e fervor, sendo esses preenchendo a minha alma, a minha vida, o meu amor?
Felizmente insconciente numa triste consciência olhando um futuro que olha para trás contente... Como será possível?
Melancolia que se extravasa alegremente num olhar de sonho e magia... E porque choro perante a beleza das coisas? E porque rio quando alguém tropeça da rua? E porque suspiro quando alguém deixa este mundo e tento decorar a imagem do horizonte nesse dia? E porque me ponho a escrever quando o tempo urge para o exame? E porque teimo em andar mais à frente do que o que faço? Urgência no sentimento, no pensamento? Mas o corpo não responde e a alma deixa-se a andar devagar relaxada...
Nunca chegarei ao amanhã...
Sal
as rugas da fome,
o tempo que resta...
a idade sem história,
sem sonho, sem nada...
a morte certeira
sem nome velada
p'la mãe descalça
escoriada de areia...
com olhos de fado...
o vento salgado
gretou a boca
do menino cansado
Casulo
está colado
cravado, entranhado
vou pegar em mim
vou-me destilar!
porque sou tão cega, cega
não tenho onde me agarrar
nada me diz seja o que for
nem nada do que me possam dizer
fecho-me aqui no mundo sem nome
onde alguém que desconheço
se afigura real num manto de amor
o som das águas lava-me os pensamentos
do enjoo que é a mentira
de viver no mundo lua de alguém
que consciente me quer agarrar
na eternidade de um único beijo
autêntico e sentido
o que restou
foram todos os beijos ausentes
e o frio de uma tempestade doentia
de todas as palavras que ousei ouvir
de tantos silêncios ensurdecedores
nenhum eu pedi
se pudesse rasgar-me
evaporar-me no ar
e deixa-lo apodrecer junto com o meu corpo...
Disfarçado
Um portão fechado
dos medos que o trancam
as frases que escapam
são a frincha dos sonhos...
Tal como a alma nos olhos
angustiada, trancada
atenta à protecção
atenta ao chão.
Só quero bem
mas mal posso ser
ao subir a escada
à frincha que me faz ver
tudo o que há além
desse gozão disfarçado
que protege sem perceber
que mantê-lo porém
é o seu maior pecado.
Mafarrico
O OLHAR FRIO
O RISO TORTO
A ALMA TRÔPEGA
UM PEITO MORTO
E CIO NO CORPO.
REPRESENTA,
GOZA,
FERVE,
CONSEGUE.
E VAI VITORIOSO
DA FRUSTRAÇÃO
A DE TER VIDA DE CÃO
E CÉREBRO RÉPTIL.