Hoje não sou
as margens que te enlaçam
como ninfa mareante,
a vogar arrebatada,
nua e pura, sem miragens,
na corrente do teu rio cristalino,
nem a água que corre sagaz
na pele do teu corpo ainda moço.
Hoje não sou o olhar atrevido
à janela da tua procura
no fundo chão da verdade,
nem gesto de pássaro errante
na tua rota aparente
de gazela perdida,
a viajar acordada na distância
que te aparta de mim.
Hoje não sou fome nem sede,
alvoroço, desejo ou ardor.
Muito menos o bombeiro incendiário
do teu acirrado fulgor,
ou mente de boca insana
que percorre, consistente,
a carne dos teus loucos segredos.
Hoje sou o silêncio
que escuta na concha
o mar do teu grito,
sou o sussurro do vento
sem distâncias
que te enroupa de concórdia,
sou o murmúrio da chuva miudinha
que te chama para a margem certa
num rio de janelas luminosas.
Hoje sou o teu amo, o teu escravo,
sou o recato escondido
do teu segredo encontrado.