Pluralidade
Murmura no meu sangue a princesa de olhos de corvo,
Negra como a noite que adormece o sono eterno
E baila sobre as cinzas do túmulo de ninguém,
Mas também a terna rainha do amanhecer
Estende os meus braços à luz que atravessa o dia
E renasce aurora no orvalho de uma flor.
Tenho na voz a revolta da tempestade,
O murmúrio dos ventos que revolvem as areias do deserto
E a chuva que fustiga as velas das velhas naus,
Mas também o dócil calor de um sol adormecido
Na calma outonal dos dias que movem a procissão dos corpos.
Sou profetisa de todo um destino clarividente
E cega justiça derrubada num mundo de iniquidade,
E, sendo pó de estrelas na multiplicidade de mim,
Sou o nada oculto sob os excertos de um todo.
Rosa Tardia
Minha flor solitária, abandonada
Ao frio deserto deste Inverno vão,
Recebe a minha esperança destroçada
Nas tuas pétalas de escuridão.
Pequena flor de dor e solidão,
Perdida num vazio de neve e nada,
Aceita a mágoa da minha ilusão
No olhar da tua desilusão magoada.
Breve flor de silêncio e de amargura,
Sê minha irmã na morte e na loucura
Das horas sempre eternas, sempre iguais.
Porque eu sou como tu, rosa vencida,
Imagem adormecida pela vida,
Para, sozinha, acordar tarde demais!
Deixa-me Desistir de Ti
Deixa-me desistir de ti
Como num encontro repetido entre penas de mil eras
E traçado em véus de fumos mutilados,
Para esquecer que te dei a alma de todos os meus sonhos
E a força de toda a vontade
Na concretização de uma visão que mão me pertencia.
Será o silêncio a minha promessa,
O vazio como futuro
De quem deixou as asas rasgadas no chão,
E apenas a noite alcançará a minha voz amordaçada
Nos primórdios do poema.
Não sou ninguém…
Nada mais que o pálido reflexo de um espelho estilhaçado,
Um grito no amanhecer
E as lanças dos meus dedos estendem o sangue da derrota
Que estrangula o meu olhar.
Deixa-me, pois, morder as cinzas que ensombram os meus lábios
E morrer dentro da cruz,
Como um corvo em voo de hecatombe
Rasgando os céus da última alvorada,
Um sonho aberto à lâmina dos deserdados,
Um cântico na morte…
Para que vejas a renúncia que floresce nos meus olhos
E me deixes desistir
De mim.
Chorai, Poetas...
Cantores de sonhos, vencidos da vida,
Almas de indefinida inspiração,
Chorai, porque, na mágoa da traição,
Morreu a vossa essência enternecida.
Chorai, poetas da esperança destruída,
Trovadores da infinita escuridão,
Porque morreu, na imensa solidão,
O olhar da vossa musa indefinida.
Filhos de uma distante fantasia,
Eis-vos ausentes de toda a magia,
Despidos do calor da vossa voz.
Chorai, pois, cantores de toda a agonia,
Pois, nesta noite sinistra e sombria,
Morreu a mais gentil de todos vós!
Desculpa
Desculpa se não vivo à tua imagem,
Se não sigo o teu rumo de vaidade,
Se nem sempre cedo à tua vontade
E cumpro o que ordena a tua voragem.
Desculpa se o meu mundo é de miragem
E se acredito na fidelidade.
Desculpa se me guio pela verdade,
Ainda que despida de coragem.
Desculpa se não creio na loucura
Do teu mundo de dominância obscura
E de momentos inúteis e vãos.
Não sou igual a ti, alma indiferente.
Não quero o teu controlo permanente…
Desculpa se não estou nas tuas mãos!
Melodia de Lágrimas
Encontro-me no espelho deste corpo destroçado
Onde se reflectem todos os silêncios do universo,
Como fantasmas que oscilassem na dispersão dos sentidos
Que se afogaram nas lágrimas do meu corpo.
Prendo-me na dissolução dos silêncios que me envolvem
No embalo das chamas que me purificam a pele
E cada sussurro é um grito nos desertos do meu nada,
Onde a carne exposta desabrocha em flores de sangue.
Perco-me na exaltação das essências inflamadas
Que invadem a obscura luz do meu corpo suplicante,
No labirinto onde a memória sangra
E o meu destino pulsa no coração dilacerado
Que convulsiona nos recessos do meu peito,
Como memorial da minha humana condição
Cantando às musas os silêncios do meu norte.
Afasto-me em cinzas de castelo estilhaçado,
Esquecido em vagas dissertações de encanto obscurecido,
E as cordas da minha voz apagam-se na bruma
Para me plantar na alma o silêncio universal.
Mãos de Nada
Que asas se abriram nas mãos do meu nada
Que prende a sombra da minha razão?
Silêncios de inocência derrotada
No estilhaçar do abismo da traição…
Que corrente envolve o meu coração
No negro abraço da ilusão quebrada?
O eco de um sonho derrubado em vão
Entre noites de vida abandonada…
Que voz sangrou o grito dos meus dias?
Os fragmentos das débeis fantasias
Que me apagaram a noite do ser…
Ah, sono! Porque não desces, eterno,
Sobre o nada deste corpo de Inverno
Que morreu já, mas que insiste em viver?
Se Eu Fosse...
Se eu fosse luz de um sonho esplendoroso
E fossem meus os dias desta vida,
Dava-te a minha alma reconstruída
E amava o teu sonhar silencioso.
Se eu fosse o azul eterno e majestoso
Do céu que cobre a terra indefinida,
Dava-te uma promessa renascida
De amor sublime, puro e poderoso.
Se eu fosse o sonho da tua miragem,
Criava um novo mundo à tua imagem
E os teus sonhos erguia ao alto céu.
Mas sou só eu, esta sombra quebrada
Que se arrasta entre as sombras e o nada,
E nada tenho para dar, senão eu…
Foi Necessário
Foi necessário que o tempo sangrasse
Para que sentisses a canção da vida,
Na sombra de uma noite enlouquecida
Onde o teu coração se derramasse.
Quis o tempo que o teu corpo quebrasse
Numa cintilação obscurecida,
Para que o brilhar da lua enternecida
A voz do teu sentir iluminasse.
Foi necessário que os deuses eternos
Te arrastassem à sombra dos infernos
E ao fúnebre desalento da dor
Para que entendesses a voz da miragem
Que se embalava sobre a tua imagem
Num efémero sussurro de amor.
Alma de Inverno
Soturna como a sombra da loucura,
Sinistra como o espectro da traição,
Minha alma é tempestade de amargura,
Inverno de infinita escuridão.
Sou eco da eterna condenação,
Relâmpago que rasga a noite escura,
Fantasma de eterna desolação,
Gélido deserto de vida obscura.
Ausente como a sombra do passado,
Sou murmúrio de uma alma sem pecado,
Condenada a morrer sem ter abrigo.
Mas, mundo cruel que me condenaste,
Prometo que, pelo mal que me causaste,
Te hei-de levar aos Infernos comigo!