Poemas, frases e mensagens de PedroCampos

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de PedroCampos

O lugar do medo

 
Estou aqui
Onde a noite se precipita
Líquido como um beijo
Leve como o vento
Sou a sombra que não vês
Numa rua que nunca cruzaste.

Rodopio, como num turbilhão
Desloco-me à velocidade do pensamento
Mas o pensamento morreu!
E agora...
O que ainda faço aqui?

Existes tu..
Existo eu...
Muitos mais guardam-se ainda
Dentro do pensamento que morreu

Além, nada mais existe
Só uma utopia
Só uma ausência
Só um silêncio
E então? Para quê?

Para nada! Um vão ser...
Um espaço incolor
À procura de um espectro
E os olhos, onde estão?

Os olhos, esses, redondos, vidrados, num "flow" permanente...
Para que lado estão voltados afinal, no momento em que deixas de respirar?

Será que olham para as paisagens inventadas em cartolinas recortadas com formas da natureza?
Será que se preenchem das visões cinematográficas de quem foram? Serão ainda capazes de olhar?
E o lado de dentro? Onde está o céu azul a enfeitar-te do lado de dentro?

Mas...
Há qualquer coisa que persiste
Um dedilhar de cores
Um frenesim dentro do sangue a fervilhar
Um correr de alegria atravessando-se ao tempo
A melodia em crescendo a acompanhar-me
Um breve sorriso, o Sol a encadear-te os olhos
As tuas pernas tão perto das minhas pernas
A janela paralela ao infinito
Um piano a tocar... e os dedos nas teclas... acorde após acorde
E o amanhã, sempre ali, ao alcance de um salto!
Mas o salto nunca acontece
Onde está o medo.
E agora...?

Agora, estou aqui, numa estranha espera
Onde a vida se precipita
Líquida como um beijo
Leve como o vento
Sou uma cor que não vês
Numa rua onde nunca foste além da esquina dos teus medos.
Mas a vida é prisioneira
Onde está o medo.

E qual será o lugar do medo?

Pedro Barão de Campos

Pedro Barão de Campos
Poema retirado do livro de poesia "Intensidade" editado em 2012.
 
O lugar do medo

No meu aniversário

 
Eu estou mais velho
Hoje bateram-se palmas a anos que não vi passar
Assoprei as velas, parti o bolo
As pessoas cantavam e juntei-me a elas
Sem saber muito bem a letra da canção
Que cantavam sem saber
Que era eu a razão

Mas como?
Como podia ser?
Se tudo tinha sido o tempo de um beijo
Não havia ontem
Não havia amanhã
Só uma sala cheia de gente estranha
Que nunca vi chegar
No meu aniversário..

Que o tempo é sempre o fim
Das palavras que desejámos ouvir
Dos beijos que quisemos dar
De tudo o que já não podemos mudar
Aí... até para o próprio tempo
É quase sempre tarde demais...
Para recuperar o que se perdeu..
Algures...
Em algum olhar...

(…)

Pedro Campos.
 
No meu aniversário

Onde estou?

 
Na mesa o lápis perdido
E a borracha esconde-se perto da tua mão
E há um areal extenso
Onde adormeces tranquila
E um balão de ar quente
Que levita sobre o chão
De onde vês a tua vida toda
Compilada num instante...!

E saboreias o doce amargo sabor
De rituais de encantamento e poesia
Que ali... frente à porta escancarada do vazio
Eu... penetro... no intenso universo
Do Inverno que acontece...

Um sofá antigo
As nuvens cinzentas...
O ar húmido...
Um lírio lilás
As flores que um dia colhi... para ti...
Fossilizadas nas lembranças do amanhã...
E...

E... as profundas palavras
Colossais momentos
Indizíveis na sua nudez mais profunda...
Estilizadas numa tela a rubi
Grito surdo... explosão calada
É o verso de uma morte anunciada
Que crepita no ilusionismo
De afinal não estarmos aqui...

Onde estás...?
Onde estou...?
Serás tu... o semi-arco aberto de um arco-íris proibido...?
Serás tu... o oceano mareante... navegante... o absinto incerto, invisível no imediato segundo posterior ao sonho...?
Serás tu... aquela ferida, lacinante... que dói... cada vez... que choras...?
Serei eu... o inexistente...?
Onde estou...? Onde estou....??
Será que estou....?
Será que eu sou alguma coisa...?
Será que existo....?

Hoje... estaria capaz....
De olhando tudo aqui... e tudo ali...
Dizer que não me vejo... nem localizo
Como se num instante fosse miragem
A miragem de mim próprio em si
E no instante seguinte...
Nunca tivesse existido...

Talvez... nunca tenha realmente existido...
Talvez... sim...
Talvez... não...
Talvez... me pergunte simplesmente....
Num questionamento suave e puro...
Ondulante e divagante...
- Onde estou...?

Pedro Campos
 
Onde estou?

Dissipo-me no sopro...

 
Dissipo-me no sopro...
 
Disperso entre a penumbra
Uma loquacidade quase extravagante
Dissipo dentro de mim a bruma
Que me fazia cego e vacilante

Destruo a barreira de pedra e silêncio
Que a geada das almas nuas me fere
Sou muitos dentro de mim viajando
Sou todos os que nunca foram Eu's sorrindo... chorando

Sou múltiplo nas dimensões
Transcendente nas emoções
Indecifrável na loucura
E uma plateia de fantasia... emulsiona-me...
Mistura-me com a madrugada fria...
No semblante limiar de um grito triste em euforia...!

Arrasto a cómoda
Salto para dentro do jardim
Amanhã serei apenas mais esta terra
Que será vento depois do fim

Acerco-me de poemas que não escrevi
E finjo-me eterno nas palavras
O lume do vazio faz-me cair aqui...

Sei que navego por um futuro do presente
Mas a dois passos e meio...do caminho... e zás...
No amanhã já ninguém se lembrará de mim...

Poderei dizer então... lá de cima... lá de baixo... ou a meio do caminho...
Que existindo... nunca existi
Fui somente a névoa de um destino
Que algum Ser respirou em ti..

Pedro Campos.
 
Dissipo-me no sopro...

No chão...

 
Diluí o verso eloquente da ternura
E nas mãos ficaram as gotas de tinta
As gotas de água, as lágrimas que sobraram
Do saco de lágrimas que chorei
E me choraram...

Dissipei as nuvens tempestuosas em surdina
E as árvores agitaram densos ramos na neblina
E nos dedos, e nas unhas, e no corpo todo...
Adormeceram as fagulhas de um fogo ardente que cessou
Além do sonho...

Às vezes num instante de reflexão
Pergunto-me, indago as minhas dúvidas ao infinito
Será que somos nós que choramos
Que carpimos dolentemente a dor sentida em vão
Ou seremos somente, apenas nós
As lágrimas choradas... que jazem como lagos... no chão...?

Pedro Campos.
 
No chão...

Ainda há...

 
Ontem
Olhava o relógio
E via nos ponteiros uma intenção diferente
Uma força de rebeldia
Que puxava pelas cordas do engenho
E expressava em palavras surdas
Os instantes cessantes
Na maré do cais

Ontem
Não acertava o relógio
Todo o tempo tinha o seu tempo certo
E não havia instantes esquecidos
Lúgubres momentos ecoantes no pensamento
Como obcessivos dilemas morais
Flutuando em lagos de lamúrias…
Na superfície da água…

Hoje
Relógios sem energia
Acerto e reacerto constantemente os momentos que passam
Espero revê-los, passados no amanhã
Decerto a fantasia irá chamar por mim
Ao amanhecer

Decerto também a noite será como uma ruína de um castelo de uma história de príncipes e princesas
Decerto… a rua toda perca o sentido de caminho
Porque… decerto o destino já se desfigurou
Em algum areal de uma praia qualquer
Num qualquer dia de húmido nevoeiro
Em qualquer espelho derretido… uma saudade diluída nas lágrimas alheias de uma doutrina espectral inelutável
Em que tu… escutas… calada…
O som do silêncio…

Mas…
Tic… tac… tic… tac… tic… tac….
O relógio afinal continua a tiquetaquear… e o tempo não parou…!
Ainda há esperança para que o fim não seja hoje… agora… já…
Ainda há talvez uma fórmula nova à espera de ser descoberta…
Ainda há…
Ainda há…
Frieza…
Calor…
Ainda há… também… madrugada… e sol e dia… e noite e sal nos pratos feitos de liberdade prisioneira de vãos espaços… unidos na ausência…
E há… solidão a espantar a alma… e tristeza a fechar os olhos e a estigmatizar as mentes…
E medos… há medos que fazem surdos os ouvidos e cegos os olhos… e gestos que mudam tudo…. no momento certo…

Ainda há… saudade…
Ainda há… amor… também…
Esperança… afecto… ternura… feridas abertas…
Facas afiadas e revolveres feitos de letras e palavras… em que as balas são lançadas nas madrugadas em que os sonhos não condizem connosco…

E há loucura….
Ainda há… lucidez…
Lucidez… em cada vez que vejo a minha loucura… a minha febre… o meu… instante…
E batem… bombas…
Espelhos de vidros impossíveis… estalam…
Rotas cruzam-se…
Testemunhas rendem-se à evidência de não terem testemunhado nada…
E mentiras penetram fundo nos lençóis plasmáticos da alma destruída…
E ainda… há… imensidão…
E a cor do asfalto não é mais da mesma cor e os trajectos são feitos de mármore e o chá está aqui… a arrefecer… e a garganta não me deixa falar…
Estou numa noite em que não sou eu…
- Então… meu velho amigo? Como estás?
- Cá estou…! Sou o mesmo nos mesmos tecidos e nas mesmas vitrines de abstração.
E afinal… depois de nesta noite…
Ter havido tanta noite tão cheia de noite…
Cesso-me aqui…
E adormeço concentrando atenções no ritmo do passar dos segundos…
Fecho os olhos exaustos e saio…
Afinal…
Ainda há um ser humano aqui.

Pedro Campos.
 
Ainda há...

Estás aí?

 
Estás aí?
Quase toquei a tua mão outra vez...
Noctívaga e colorida...

Durante toda a noite
Estiveste ali, à minha frente
Inteira e sorridente
Como em tantos instantes
De paisagens que já foram...

Foi um sonho, eu sei!
Foi uma imagem de ti
Transportada para o meu mundo interior...
Espectro do desejo
Voz rompendo o silêncio
Do tempo que passou
Em que negando
Disse o contrário do que estava a sentir..

Mas a verdade...
A verdade...
É que durante todo esse tempo
Estiveste sempre em algum lugar de mim
Onde te guardei, preciosa e viva, em segredo
Como uma história plena de energia
E o sentir... aquele... mágico e sublime... que só tu conhecias
Esse, esteve sempre aqui...
Fui eu que, para sobreviver, fugi.

Fugi de mim mesmo
Quando não encontrei outro lugar para estar
Fugi e neguei-me assim
À musa bela e delirante
Numa confusa forma de lutar...

Metáfora atrás de metáfora
Deambulei e perdi
A agridoce ternura
Que bebia
Só por te saber aí.

Embriagado da saudade do teu sorriso
Recordo a tua pele macia e clara
E os fios castanhos, escuros, sublimes de leveza
Enleados nas gotas da liberdade
Que sempre foram o fogo
De uma esperança que acalentava em mim.

Nesta saudade me reinvento
E com sono, ondulante e lento,
Adormeço, pensativo,
Ao relento!

Desejo somente
Que sejas tu, o vento
Que quero abraçar um dia.
Um dia...

Pedro Barão de Campos.

Pedro Barão de Campos
Poema presente no livro de poesia "Intensidade" publicado em 2012.
 
Estás aí?

Ironia

 
Deleito-me a pensar
Nas palavras escritas que crescem
Como se nelas existisse uma fonte
Onde o sublime e o impossível amanhecem

Um traço na folha
Uma folha sem traço
É um dilema perpétuo
Saber se o poema é um beijo... ou um abraço..

O trilho por decidir
E o vazio por preencher
Velas no rebordo da vida
E um grito no decano da solidão
Presidindo à assembleia remota
Onde os Deuses discutem as estratégias
Para o extermínio da emoção!

Nas horas silenciosas
Ocultas o medo
As mãos tremem-te e os punhos vacilam
E do outro lado da cortina encontramos o nevoeiro
Que a formalidade do mundo nos contamina...!

Ao longo dos dias
As noites vão mudando as vidas
E os breves longos instantes de eufemismo
São apenas sanguíneas temperanças
Loucuras ténues, devassas, que a madrugada te sussurrou...

Ao fim de um ano...
Acordas sonâmbulo
E o dia não tem mais dia
Que a noite é feita de lume apagado
Censurado pela ventania

É que a noite não é mais noite...
E a vida não é mais vida...
És tu e só tu... dentro de uma lagoa vazia
Onde as algas te cegaram o sorriso...
E te embriagaram de ilusão...

É que...
Quando abrires os olhos entenderás
O que as máquinas do mundo te fizeram
Mercantilizaram-te o coração
Montaram as suas estruturas frias de aço, ferro e pedra
E num mercado ao ar livre, feira popular da escuridão
Os Homens resignaram-se a mentir
Em vez de olhar e ouvir
O ritmo de cada sensação...

E sem saberes...
Adormeceste pensando que sabes tudo
Porque alienado permaneces
Cego, surdo e mudo...

A vida passou... os Homens morreram...
E nem as lágrimas nos registaram a saudade...!

Nada fica depois da partida...
Nem palácios, nem contas ricas.. nem os diamantes à volta do pescoço...
Nem a carne morna... luzidia... onde dançam os diamantes...
Nem anéis... nem os ossos...
Tudo se esvai...
Como poeira num vendaval...
E anda um mundo inteiro subjugado a impérios imensos
Que mais não são do que castelos de areia
Que sucumbirão
Ao subir da maré...!

Por ironia...
O Homem... tão obcecado pelo realismo... pelos factos... e provas...
É presa de si próprio...
Neste horizonte em que realidade é feita de incongruentes falsidades
Salpicada aqui e ali...
Com nano-verdades...

É esse o fado
Adormecer.. antes de despertar...
Deleitamo-nos a pensar...
Nestas palavras escritas que se disseram
Como se nelas existisse uma fonte
Onde o sublime e o impossível aconteceram...

.. para sempre...
nunca...
.. no extenuante excesso...
.. desta ironia...!

Pedro Campos
 
Ironia

Tempo

 
O tempo viaja por nós como um grito
Um grito que se expande pelo infinito
Um grito que não encontra fronteiras de destino
Um grito que morre..
No momento em que entendemos
As cores indefiníveis do caminho

O tempo embarca no cais da incerteza
E evade-se da doutrina e da fachada
Debate-se perante a conquista do instante
Equaciona a partida, dispersa a chegada
E faz de quem somos, novos, velhos, outros..
...Que não são nada...

Outros, como tu e eu
Que não são mais nada
Além de tudo o que a aurora lhes prometia
Além do vácuo que é estar aqui
Sem poder olhar a janela escancarada!

Pedro Campos
 
Tempo

O Gira-discos

 
O gira-discos está quebrado!
Vês o disco a girar?
Parece um som psicadélico
Com um vazio no centro desequilibrado
Oscilando como o candelabro a deslizar
Pelo vento que sussurrando
Não sossega de chorar...

Estou...
À espera que a solidão dos nuncas
Amanheça à espera do futuro que fui
Nos sonhos dos que me amaram sem condição
Tempo ante tempo
Dedos abraçando mãos
No silêncio
No teu silêncio... de me escutares...assim...
De me escutares... ali...
Estes meus pensamentos...
Numa decifrável ilusão..

Estou... doente!
Dolente do meu pensar que morreu
A tentar compreender o infinito
Que há no caos das coisas finitas
Do universo que cada um traz.. colossal...
Dentro da sua mão...

Ao pensar compliquei o simples
Ao amar cristalizei o pensar
E feri olhos no caminho
Sem saber onde... para onde olhar

Transformei a inocência em armadilha
E os passos suaves e esvoaçantes.. em opressão...
Por me embrenhar nas silvas da vida...
Que ficam além, na estrada da confusão...

E enquanto me pensava livre
Não vi as correntes que me prendiam
Me agrilhoavam às celas de memórias escondidas
No baú dos dias em que todos estavam acordados comigo...
Lado a lado como num sonho de criança...
Uma festa em casa da minha avó...
E os amigos, os familiares, os primos, os tios, o meu avô...
Todos respirando e falando... tão bem.. pareciam vivos...

Hoje... a maquinaria está suspensa...
A agulha e o braço da canção já cessaram de movimentos
E o gira-discos.. está mesmo partido... não há dúvidas...!

E na companhia dos discos riscados
Já só ficam os dedos amontoados
Com as contas feitas e os projectos abandonados
E as lágrimas fugidias...
Paralelas a meia dúzia de poesias..
Que jazem... no frio da sala...
Ali... na mesma mesa solitária
Onde se acumula o pó em fatias
E fogachos de imagens retratadas
Do tempo em que nunca eu pensara na vida
Do tempo... em que o tempo me não doía
Porque conhecer... era desafiante..
E a dor... uma ideia ausente...
Colega de quarto da utopia...
Escutando...
Num gira-discos inteiro...
Música inteira...
No tempo em que o sorriso...era inteiro...
E ninguém chorava por olhar as fotografias.

Pedro Campos.
 
O Gira-discos

O Relevo do Pensamento

 
Abrir a minha alma
Deixar que as palavras tomem o seu lugar
E junto da rocha oceânica
Sentir o nosso mar falar

Há talvez
Uma forma diferente de crescer
Olhos feitos sonhos
Braços feitos vento
E tempos inconstantes
Na reverberância do não ser

Há talvez escondida
Debaixo da pele
Uma raiva secreta de existir
Uma revolta constante de mudar
De acreditar sem ser crente
De duvidar sem estar aqui
E um grito... por dar...
Um gesto por... haver...
Uma dor por questionar...
Um rosto ... por acontecer...

Há talvez escondido
No trémulo gosto dos temperos
Sabores que não sabemos
Palavras que não dizemos
Instantes que não vivemos
E mundos... que abandonamos...
Quando essa dor... essa raiva... esse desespero...
Nos fazem... mais....
Mais...
Eloquentemente mais....cansados...
Incrivelmente... menos... vivos...
E mais... mais... apaixonados... por um céu estrelado... no extenso areal...
E os pinheiros ao alto...
Os sussurros dançando no ar...
Segredos feitos de cores
E odores.. odes de amantes...
Divagantes, colossais...
Estrelas de cetim...
E pétalas descendentes... na harmonia das pétalas que murmuram
Na antecâmara... da verdade...
O chão foge-me...
O céu implode...
E o instante não tem preço...
Tu entras...
Tu sais...
Eu expludo em nós...
E os nós desfazem-se...aqui...!

Sem nós... a vida aparta-se...
E a tela viva de relevos indeterminados...ausenta-se..
E os seios da Deusa da vida.. circulares...Lua cheia...
E as paredes brancas... e as molduras suaves... da noite calada...
Desmaiam... quebram-se os sinos da torre de vidro...
E nos olhos dos Homens...
Uma falta de brilho sem expressão...
Olhos que olham sem olhar
E olhares que olham... sem lugar...
Olhos que morrem... na retina da solidão
Brilhos que escorrem.... e não voltam...
Aos brilhos que tinham... aos olhos que eram...
Os olhos de quem sonhou...a liberdade...!

E o avião vibra, o motor do carro precipita a velocidade...
O farol intenso... clama de infinito... no horizonte...
E a maquinaria do coração... deslumbra de vapor...
A loucura tumultuosa...
Com que os braços pouco mecânicos... estremecem...
E as cartas... de todos os silêncios...
Espelham num espectro de coisa vazia
A sorte... o azar... o caos na sua face definida...
E o débito de presente... germina já... nos bancos da escola...
Somos dúvidas, dívidas...
Somos o que não ficou...
Dos seres que não somos...
Espíritos empenhados em praça pública...
Com os pescoços presos... e os corpos suspensos...
Num Pelourinho... de justiças injustas...
De uma montanha... que recuou...
Ao longo.. da planície...!

Criámos Deus... para que ele nos comandasse... nos criasse...
Mas esquecemo-nos que criando... somos nós o Deus de Deus...
Somos nós quem deverá responder... com milagres
A um Deus... que nos deverá ofertar as suas preces e rezas...
E rituais, e dogmas e.. fés irrelevantes..

De facto...
Abri a minha alma
Deixei que as palavras tomassem o seu lugar
E junto da pedra angular
Senti o meu mar falar

Há talvez
Uma forma colorida de adormecer
Nuvens feitas ondas
Pássaros imóveis no voar
Amores secretos, ocultos, repletos de cumplicidade...
E vultos inundados... de recordações e de fado...
Entes inquietos... tão quietos... estranhos... fundos...
Que me falam...
E esses olhos... indizíveis... imensuráveis...
Leves, loucos... unguento distante... momento...
Estranhamente... estranho o encanto...
E o mármore da dor regressa...
Às grutas invisíveis que não conheço...
De uma existência...
De um espelho de água...
Onde me embebedo de ontens e de amanhãs... de sempres... e de nuncas...
Que serão... flor, floresta, calor, chuva, mistério, tabú...
Amarra-me o tempo ao tempo
E o Éden... esvai-se... pelas gotas cristalinas
Do teu beijo...!

E morro..
A baía de declives já aconteceu
A música tonificava os electrões da atmosfera
E o fim chegou...
E eu morri...
Talvez.. aqui...
Ou em todo o lugar...
Sem nunca morrer...
Porque ficou parte da paisagem.. do relevo...
O meu pensamento...

Ficou...
De relevo de mim...
O Relevo do Pensamento...
O Princípio...
... e o Fim...!

Pedro Campos.
 
O Relevo do Pensamento

Pedro Campos.