Não cansem a minha beleza
"Não ligo que me olhem da cabeça aos pés..porque nunca farão minha cabeça e nunca chegarão aos meus pés"
Bob Marley
Hei-de conseguir
"As tempestades, o nevoeiro, a neve, são coisas que por vezes te atrapalharão. Nessa altura, pensa em todos os que as conheceram antes de ti, e diz simplesmente: o que os outros conseguiram também eu hei-de conseguir."
(Saint-Exupéry, Terra dos Homens)
Dedicatória
"E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos."
Rosa Lobato de Faria
Filhos
"Decidir ter um filho é algo de extrema importância. É decidir ter o coração, para sempre, andando fora do seu corpo."
Elizabeth W. Stone.
Coragem
A primeira qualidade do caminho espiritual é a coragem. O mundo parece ameaçador e perigoso para os covardes. Estes procuram a segurança mentirosa de uma vida sem grandes desafios, e armam-se até aos dentes para defender aquilo que julgam possuir. Os covardes acabam construindo as grades da própria prisão. (Ghandi)
Vai
"Para sonhar o que poucos ousaram sonhar.
Para realizar aquilo que já te disseram que não podia ser feito.
Para alcançar a estrela inalcançável.
Essa será a tua tarefa: alcançar essa estrela.
Sem quereres saber quão longe ela se encontra;
nem de quanta esperança necessitarás;
nem se poderás ser maior do que o teu medo.
Apenas nisso vale a pena gastares a tua vida.
Para carregar sobre os ombros o peso do mundo.
Para lutar pelo bem sem descanso e sem cansaço.
Para enxugar todas as lágrimas ou para lhes dar um sentido luminoso.
Levarás a tua juventude a lugares onde se pode morrer, porque precisam lá de ti.
Pisarás terrenos que muitos valentes não se atreveriam a pisar.
Partirás para longe, talvez sem saíres do mesmo lugar.
Para amar com pureza e castidade.
Para devolver à palavra “amigo” o seu sabor a vento e rocha.
Para ter muitos filhos nascidos também do teu corpo e – ou – muitos mais nascidos apenas do teu coração.
Para dar de novo todo o valor às palavras dos homens.
Para descobrir os caminhos que há no ventre da noite.
Para vencer o medo.
Não medirás as tuas forças.
O anjo do bem te levará consigo, sem permitir que os teus pés se magoem nas pedras.
Ele, que vigia o sono das crianças e coloca nos seus olhos uma luz pura que apetece beijar, é também guerreiro forte.
Verás a tua mão tocar rochedos grandes e fazer brotar deles água verdadeira.
Olharás para tudo com espanto.
Saberás que, sendo tu nada, és capaz de uma flor no esterco e de um archote no escuro.
Para sofrer aquilo que não sabias ser capaz de sofrer.
Para viver daquilo que mata.
Para saber as cores que existem por dentro do silêncio.
Continuarás quando os teus braços estiverem fatigados.
Olharás para as tuas cicatrizes sem tristeza.
Tu saberás que um homem pode seguir em frente apesar de tudo o que dói, e que só assim é homem.
Para gritar, mesmo calado, os verdadeiros nomes de tudo.
Para tratar como lixo as bugigangas que outros acariciam.
Para mostrar que se pode viver de luar quando se vai por um caminho que é principalmente de cor e espuma.
Levantarás do chão cada pedra das ruínas em que transformaram tudo isto.
Uma força que não é tua nos teus braços.
Beijá-las-ás e voltarás a pô-las nos seus lugares.
Para ir mais além.
Para passar cantando perto daqueles que viveram poucos anos e já envelheceram.
Para puxar por um braço, com carinho, esses que passam a tarde sentados em frente de uma cerveja.
Dirás até ao último momento: “ainda não é suficiente”.
Disposto a ir às portas do abismo salvar uma flor que resvalava.
Disposto a dar tudo pelo que parece ser nada.
Disposto a ter contigo dores que são semente de alegrias talvez longe.
Para tocar o intocável.
Para haver em ti um sorriso que a morte não te possa arrancar.
Para encontrar a luz de cuja existência sempre suspeitaste.
Para alcançar a estrela inalcançável."
Paulo Geraldo
Mulher
A Mulher Mais Bonita do Mundo
"estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer."
José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
Vida
"Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem o dinheiro para a recuperar. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido..." (Confúcio)
Vazio interior
"Observei muitas vezes que as pessoas mais críticas são aquelas que têm em si um grande vazio espiritual. Chego a perguntar-me se determinadas pessoas (à semelhança de ideologias como o marxismo) não sentem necessidade de fabricar inimigos para poderem existir, precisamente por ser enorme o seu vazio interior."
(Jacques Philippe)
Porque ele está ali
Porque ele está ali
Algumas vezes sabemos dentro de nós que devemos fazer qualquer coisa semelhante a plantar uma árvore, mesmo sabendo que nunca comeremos dos seus frutos nem descansaremos à sua sombra. Ou descobrimos que devemos aplicar-nos não tanto ao nosso pequeno problema, mas a reconstruir as ruínas imensas que nos rodeiam. E nunca como então somos tão grandes. E nunca como então estamos tão perto de nós mesmos.
Quem compreendeu o que é a verdade amou-a. Procurou e escavou. Desejou-a para si e para os outros, porque não há outra luz. Depois sofreu por ela, porque em toda a volta a mentira é poderosa. E continuou, sem se calar, com esse amor e a sua dor.
Quem vive para a família é habitado por ela e torna-se maior e faz o que nunca faria se vivesse para si mesmo.
Aquele que escutou os gritos silenciosos das crianças assassinadas antes de verem a luz – e as dores das mães enganadas que sofrem sem remédio – leva consigo o maior peso do mundo. Aparentemente pode pouco contra aqueles que se instalaram nos lugares onde se fazem as leis e se manobram televisões e jornais. Mas é um gigante todo aceso. Queima. E são os seus braços que sustentam este mundo doente.
E há o que quis ser médico não para garantir uma vida cómoda, mas para devolver ao mundo sorrisos que se tinham perdido. E o que sofre em si toda a fome de África. E o que se enamorou da justiça. E aquele que cuida de crianças incuráveis.
Uma vez perguntaram a um alpinista por que desejava escalar o alto pico nevado. Respondeu: “Porque ele está ali”. Queria com isso dizer a naturalidade do encontro do homem com o seu sonho, com a sua tarefa, consigo mesmo.
É triste viver sem grandeza. É como estar longe de nós mesmos. É ver apenas as sombras do mundo e da vida. É, de algum modo, não viver…
As coisas grandes são aquelas que o amor nos leva a fazer, e muitas vezes realizam-se por meio de pequenos gestos. Fazem-se pisando os nossos apetites e gostos, abandonando o cómodo estojo no qual temos tendência a encerrar a nossa existência.
Um dia sabemos que temos de partir. Que temos de fazer da vida uma outra coisa. Simplesmente isto. E vamos…
Nunca mais a paz de sermos inúteis; nunca mais os prazeres que não saciam, nunca mais a ânsia de segurança que nos vai roendo a juventude e a alegria.
É difícil subir o monte altíssimo. É preciso trocar tudo pelo instante mágico de chegar ao cume. Ali tudo é radicalmente verdadeiro: não é possível fingir que se vai a caminho. Deixam-se as forças na íngreme escalada, rasga-se a pele nos rochedos, abandona-se o aconchego do calor do corpo ao vento e à neve e ao gelo. Caímos e apetece-nos ficar por ali. Por vezes não sabemos se conseguimos dar mais um passo.
Mas é tão belo! Só ali se respira verdadeiramente. Só ali se vêem todas as coisas com o seu verdadeiro relevo e com as suas cores verdadeiras. Só ali um homem se sente realmente rico – ele que deixou tudo lá em baixo.
Os amigos que se fazem na montanha duram para sempre: nasceram da magra ração repartida debaixo das estrelas, de se apoiarem uns aos outros quando o que estava em jogo era a vida ou a morte, de cantarem juntos, das longas confidências testemunhadas apenas pelo vento.
Na montanha os amigos não são descartáveis companheiros de divertimento: precisam mesmo uns dos outros, fazem parte uns dos outros, uns são os outros.
Os que ficaram lá em baixo chamam-nos loucos. Encolhemos os ombros: esses queridos estão vivos, mas ainda estão mortos. Uma pessoa não vive quando vive apenas para si mesma. Não se vive sem sal, sem risco, sem aventura. Estão a precisar de uma inundação de alegria.
E tu? Eu quereria que partisses. Não necessariamente de um lugar para outro, mas para fora de ti. Para onde precisam de ti. Para te encontrares.
E, se às vezes te falo de paciência, digo-te agora que te apresses. Tenho pressa de te conhecer. Se também eu for corajoso, havemos de nos encontrar e saberei o teu nome. Trocaremos um abraço forte e saberemos que era necessário que nos encontrássemos.
Paulo Geraldo