Eu ontem tive a impressão |
em 26/01/2009 13:00:00 (17826 leituras) |
eu ontem tive a impressão que Deus quis falar comigo não lhe dei ouvidos
quem sou eu para falar com Deus? ele que cuide dos seus assuntos eu cuido dos meus
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Todos os dias agora acordo com alegria e pena |
em 26/01/2009 12:40:00 (8638 leituras) |
Todos os dias agora acordo com alegria e pena. Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava. Tenho alegria e pena porque perco o que sonho E posso estar na realidade onde está o que sonho. Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações, Não sei o que hei-de ser comigo. Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo. Quem ama é diferente de quem é. É a mesma pessoa sem ninguém.
por Alberto Caeiro
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Vida e Obra |
em 19/01/2009 10:40:00 (12732 leituras) |
Apresentando mais uma autora consagrada:
Christina Georgina Rossetti – Pseudônimo: Ellen Alleyne
Uma das mais importantes poetas inglesas, que era irmã do pintor, poeta Dante Gabriel Rossetti, e um membro da Pre-Raphaelite arte movimento. "Um Aniversário", "Quando Eu Morrer", e o "Up-Hill 'são provavelmente as obras mais conhecidas de Rossetti. Depois de uma doença grave, em 1874, ela recebeu visitantes ou raramente passou fora de casa. Seus temas favoritos estavam descontentes sobre o amor, a morte, e de demissão prematura. Especialmente depois ela trabalhava lidar com sentimentos religiosos sombrios.
Será que o caminho do vento cima todo o caminho? Sim, para o fim. Será que o dia da viagem ter todo o longo dia? De manhã à noite, o meu amigo. (a partir de "Up-Hill ', 1861)
Christina Rossetti nasceu em Londres, uma dos quatro filhos de pais italianos. Seu pai era o poeta Gabriele Rossetti (1783-1854), professor de italiano no King's College de 1831. Resignou-se em 1845 por causa de cegueira. Todas as quatro crianças da família se tornaram escritores, Dante Gabriel também ganhou fama como um pintor. Christina foi educada em casa com sua mãe, Francisca Polidori, uma antiga governanta, uma anglicana evangélica devota. Christina compartilhou aos seus pais o interesse pela poesia e foi retratada nas pinturas e desenhos do Pre-Raphaelites. Christina foi o modelo para seu irmão no “Girlhood”. A imagem da Virgem Maria de (1849), que foi a primeira imagem a ser assinada PRB Jan Marsh tem proposto na sua biografia Christina Rossetti: A Writer's Life (1995). Christina foi abusada sexualmente por seu pai, mas "talvez como muitos abusos vítimas ela afastou os conhecimentos a partir da memória consciente". No entanto, este tipo de créditos tornam-se altamente especulativa em biografias populares na década de 1990.
Os primeiros versos foram escritos em 1842 e impresso na imprensa privada de seu avô. Em 1850, sob o pseudônimo de Ellen Alleyne, ela contribuiu para os sete poemas de curta duração Pré-Raphaelite do jornal “O Germe”, que foi fundada por seu irmão William Michael e seus amigos. Quando sua família ficou em dificuldade financeira, ela ajudou a mãe a manter uma escola em Frome, Somerset. A escola não foi um sucesso, e ela retornou a Londres em 1854. Exceto por duas breves visitas no exterior, ela viveu com a mãe por toda sua vida.
Christina Rossetti tinha temperamento profundamente religioso deixou as suas marcas em sua escrita. Ela era uma devota Alto Anglicana, muito influenciada pela Tractarian, ou Oxford Movimento. Rossetti rompeu laços com o artista James Collison, um original membro da Irmandade Pré-Rafaelita, quando ele ingressou na Igreja Católica Romana. Ela também rejeitou Charles Bagot Cayley por motivos religiosos.
Até a década de 1880, recorrentes boatos de Doença grave, por um distúrbio da tiróide, tinha feito Christina Rossetti inválida, e terminou o seu trabalho como uma tentativa de lidar com este mal. Restringiu a sua vida social, mas ela continuou a escrever sonetos e baladas. Especialmente ela estava interessada em temas de livros apocalípticos, escritores e religiosos, tais como Agostinho e Thomas à Kempis. Ela também admirava George Herbert e John Donne. Entre suas obras estão mais tarde Um PAGEANT E OUTROS POEMAS (1881), e a face da DEEP (1892). Ela era considerada uma possível sucessora do poeta Alfred Tennyson como laureado. Para aceitar o desafio, ela escreveu uma elegia royal. No entanto, Alfred Austin foi nomeado poeta laureado em 1896. Rossetti desenvolveu um cancro mortal em 1891, e morreu em Londres em 29 de dezembro de 1894.
Rossetti e o irmão de William Michael completam obras editadas em 1904. Ele disse uma vez que Christina tinha hábitos de compor e eram eminentemente espontânea da espécie: “Eu lhe perguntei uma vez que já deliberou-se ou não com ela, iria escrever alguma coisa ou outra e, em seguida, depois de pensar, depois de ter procedido a tratá-la em inspirações regular de trabalho. Ao invés de presente, algo impulsionado pelos sentimentos dela, ou "entrou em sua cabeça", e sua mão obedecia o ditado. Suponho que ela escreveu algo, linhas fora rapidamente o suficiente, e depois tomou qualquer que seja a quantidade de dores que ela considera necessárias para a manutenção – ela em forma direita e de expressão. " Rossetti por seu trabalho sofreu redutora de interpretações, mas ela é cada vez mais a ser reconsiderada como um grande poeta vitoriano. Típico para ela era poemas canções e usar palavras e versos curtos, irregularmente em rimadas linhas.
Trabalhos selecionados:
• GOBLIN MARKET AND OTHER POEMS, 1862 • PRINCE'S PROGRESS AND OTHER POEMS, 1866 • COMMONPLACE AND OTHER SHORT STORIES, 1870 • SING-SONG: A NURSERY RHYME BOOK, 1872 • SEEK AND FIND, 1879 • A PAGEANT AND OTHER POEMS, 1881 • CALLED TO BE SAINTS: THE MINOR FESTIVALS, 1881 • TIME FLIES, 1888 • THE FACE OF THE DEEP, 1892 • VERSES, 1893 • NEW POEMS, 1896 • POETICAL WORKS, 1904 (ed. by W.M. Rossetti) • FAMILY LETTERS, 1908 • THE FAMILY LETTERS OF CHRISTINA GEORGINA ROSSETTI, 1969 • SELECTED POEMS, 1970 • COMPLETE POEMS, 1979 • LETTERS OF CHRISTINA ROSETTI: 1843-1873, 1997 • SELECTED PROSE OF CHRISTINA ROSSETTI, 1998 • LETTERS OF CHRISTINA ROSSETTI: 1874-1881, 1999 Christina Georgina Rossetti (1830-1891)
"Remember"
(Tradução de Manuel Bandeira)
Recorda-te de mim quando eu embora for para o chão silente e desolado; quando não te tiver mais ao meu lado e sombra vá chorar por quem me chora.
Quando não mais puderes, hora a hora, falar-me no futuro que hás sonhado, ah! de mim te recorda e do passado, delícia do presente por agora.
No entanto, se algum dia me olvidares e depois te lembrares novamente, não chores: que, se em meio aos meus pesares,
um resto houver do afeto que em mim viste, - melhor é me esqueceres, mas contente, que me lembrares e ficares triste.
*pesquisa realizada em sites da internet. ************************************************** |
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XVIII - Quem me dera que eu fosse o pó da estrada |
em 13/01/2009 14:10:00 (5762 leituras) |
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada E que os pés dos pobres me estivessem pisando... Quem me dera que eu fosse os rios que correm E que as lavadeiras estivessem à minha beira... Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . . Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro E que ele me batesse e me estimasse... Antes isso que ser o que atravessa a vida Olhando para trás de si e tendo pena ...
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XVIII" Heterónimo de Fernando Pessoa
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Poderes |
em 10/01/2009 19:50:00 (6685 leituras) |
Talvez o amor restitua um cristal quebrado no fundo do ser, um sal esparzido e perdido e apareça entre o sangue e o silêncio como a criatura o poder que não impera se não dentro do gozo e da alma e assim neste equilíbrio poderia fundar-se uma abelha ou encerrar as conquistas de todos os tempos numa papoula, porque assim de infinito é não amar e esperar na margem de um rio redondo e assim transmutados os vínculos no mínimo reino recém-descoberto.
(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)
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O futuro é espaço |
em 10/01/2009 19:30:00 (8906 leituras) |
O futuro é espaço, espaço da cor da terra, da cor da nuvem, da cor da água, do ar, espaço negro para muitos sonhos, espaço branco para toda a neve, e para toda a música.
Atrás ficou o amor desesperado que não tinha lugar para o beijo, tem lugar para todos no bosque, em plena rua, em casa, tem sítio subterrâneo e submarino, que prazer é achar, por fim, subindo um planeta vazio, grandes estrelas claras como a vodca tão transparentes e desabitadas, chegar com o primeiro telefone para que falem mais tarde outros homens de suas enfermidades.
O importante é apenas perceber-se, gritar desde uma dura cordilheira e ver numa outra ponta os pés de uma mulher recém-chegada.
Adiante, vamos sair do rio sufocante em que com outros peixes navegamos desde a manhã à noite migratória e agora neste espaço descoberto vamos voar para a pura solidão.
(In "Memoria de Isla Negra". Brasil: P&Pm, 2007)
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A tristeza |
em 10/01/2009 19:10:00 (10554 leituras) |
Quando abri meus olhos para este mundo e recebi sua luz, o movimento, a comida, o amor, e toda palavra, quem me diria que em todos os lugares quebra o homem os acordos com a luz constrói e continua com castigos. A minha América à pedra do pesar aprisionou turvamente os seus filhos e sem cessar atormentou sua estirpe.
(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)
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Desejo |
em 05/01/2009 18:20:00 (12422 leituras) |
DESEJO Se eu soubesse que no mundo Existia um coração, Que só por mim palpitasse De amor em terna expansão; Do peito calara as mágoas, Bem feliz eu era então! Se essa mulher fosse linda Como os anjos lindos são, Se tivesse quinze anos, Se fosse rosa em botão, Se inda brincasse inocente Descuidosa no gazão; Se tivesse a tez morena, Os olhos com expressão, Negros, negros, que matassem, Que morressem de paixão, Impondo sempre tiranos Um jugo de sedução; Se as tranças fossem escuras, Lá castanhas é que não, E que caíssem formosas Ao sopro da viração, Sobre uns ombros torneados, Em amável confusão; Se a fronte pura e serena Brilhasse d'inspiração, Se o tronco fosse flexível Como a rama do chorão, Se tivesse os lábios rubros, Pé pequeno e linda mão; Se a voz fosse harmoniosa Como d'harpa a vibração, Suave como a da rola Que geme na solidão, Apaixonada e sentida Como do bardo a canção; E se o peito lhe ondulasse Em suave ondulação, Ocultando em brancas vestes Na mais branda comoção Tesouros de seios virgens, Dois pomos de tentação; E se essa mulher formosa Que me aparece em visão, Possuísse uma alma ardente, Fosse de amor um vulcão; Por ela tudo daria... — A vida, o céu, a razão!
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Nel mezzo del camim... |
em 14/12/2008 22:50:00 (11641 leituras) |
Nel mezzo del camim...
Olavo Bilac
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoada, E alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo.
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Leituras Machadianas |
em 13/12/2008 21:30:00 (5125 leituras) |
Gazeta do Povo, Curitiba, PR 26 de Abril de 1999
por Wilson Martins
Na imensa bibliografia machadiana, são raros e, por isso mesmo, tanto mais valiosos, os estudos críticos dignos de Machado de Assis. Situando-se entre os melhores e mais estimulantes, os de Alfredo Bosi (Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999) abrem, de fato, novas avenidas de compreensão e análise do adjetivo "machadiano", sobre o qual, escreve com evidente ironia, "as interpretações variam", embora todos acreditem saber "mais ou menos" o que significa. Antes menos que mais, acrescento desde logo, a julgar pelo que andamos lendo nestes dias. É um pouco como o bom-senso, a coisa deste mundo mais bem distribuída, dizia Descartes com ironia não menor, porque ninguém jamais se queixou de não tê-lo em quantidade suficiente.
Mas, justamente: incontáveis leitores de Machado de Assis acreditam que basta o bom-senso para julgá-lo, reduzindo-o ao nível intelectual da humanidade comum, treslendo-o com entusiasmo e retórica veemência, acrescentando-lhe glosas fantasistas e sugerindo que, afinal de contas, não foi ele quem escreveu as suas obras, mas sim a talentosa Dona Carolina. Os espíritos geométricos não se conformam com a ambigüidade, que era a sua maneira própria de afirmar, enquanto as almas sensíveis repudiam o darwinismo social que constituía o fundo do seu pensamento e visão do mundo.
Alfredo Bosi observa, com agudeza, existir "algo de darwiniano" na sua concepção da existência humana: "é o universal animalesco que estaria dentro de cada um de nós, daí o embate contínuo pela preservação moldado sobre a luta biológica: quem não pode ser leão, seja raposa" (alusão a uma passagem clássica de maquiavel, "fundador da ciência política moderna;). A famosa filosofia do Humanitismo, na qual os leitores superficiais viram apenas a sátira do positivismo republicano então triunfante, é, na verdade, a transcrição machadiana do darwinismo social: os vencedores ficam com as batatas por serem os mais fortes, os mais qualificados para garantir a perpetuação da espécie.
Não se limitou a essa exposição didática o pensamento machadiano. Nas palavras de Alfredo Bosi, "há no Memorial desses momentos que se abrem para aquelas vertigens de neatividade que nos acometem lendo as Memórias póstumas: Ronda Aires, como rondava Brás Cubas, a tentação impaciente, a tentação violenta de se identificar com a Sociedade e a Natureza tal como as figurava a ideologia terrível do 'darwinismo social'. Para esta, o morto é apenas matéria morta, e seu único destino é o esquecimento." Tudo isso em dois livros escritos sob o signo da memória, mas também sob o signo da Natureza indiferente, personagem emblemática em outros dois textos: o delírio de Brás Cubas e o poema "Uma criatura".
O que tem faltado aos intérpretes fragmentários de sua obra (como os que se obstinam no inexistente "enigma de Capitu") é a leitura orgânica e remissiva da obra inteira, cuja coerência interior chega a ser surpreendente. Até a organicidade textual dos romances costuma passar despercebida. Assim, toma-se por declaração de misantropia a última linha do Brás Cubas (cap. CLX), quando ela apenas reflete o despeito e a nostalgia da paternidade do personagem que se encantara com a notícia da falsa gravidez de Virgìnia, chegando, como todos os pais putativos, a imaginar futuros brilhantes e vitoriosos para a criança que ia nascer. Só se pode realmente compreender essa página de um capítulo intitulado "Das negativas, [sic] se a lermos no contexto de quatro capítulos anteriores: "O mistério; (LXXXVI), "O velho colóquio de Adão e Caim, (XC), "A causa secreta; (XCIV) e "Flores de antanho; (XCV).
Que Machado de Assis pertencia à família espiritual dos grandes moralistas fica documentado nos excertos que Alfredo Bosi teve a idéia tanto mais feliz de transcrever em apêndice quanto não será temerário supor que não são lidos entre nós com a assiduidade necessária. Entre eles o Matias Aires das Reflexões sobre a vaidade dos homens, de onde provém outra "camada" caracteristicamente machadiana, didaticamente representada no "mais célebre dos seus contos-teoria"; ("O espelho"): "Tirada a insígnia, o que fica é o homem simples; despida a toga consular, também fica o mesmo. Se tirarmos do capitão a lança, o casco de ferro, e o peito de aço, não havemos de achar mais do que um homem inútil, e sem defesa, e por isso tímido e covarde."
Ora, a mesma situação de "alma exterior" encontra-se em Dom Casmurro, quando Capitu, "em plena lua-de-mel, mostra-se impaciente e quer descer da Tijuca para a cidade". A causa da impaciência, comenta o narrador, "eram os sinais exteriores do novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também." Episódio corroborado por muitos outros, sem excluir a natureza de diversas figuras femininas, como Sofia e a Guiomar de A mão e a luva, novela em que se encontra o embrião de Dom Casmurro, além da "teoria matrimonial" do autor: temperamentos afirmativos (Luís Alves e Guiomar) fazem os casamentos felizes, o que não ocorre entre um temperamento afirmativo (Capitu) e um passivo (Bentinho). Daí o corolário do adultério: Capitu e Escobar viram-se atraídos um pelo outro, pelo tropismo irresistível das almas gêmeas. O próprio Bentinho se encarregou de esclarecê-lo: ela era mais mulher do que ele mesmo era homem.
Fonte: Jornal de Poesia **************************************************
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Amor |
em 09/12/2008 18:00:00 (15536 leituras) |
MULHER, teria sido teu filho por beber o leite dos teus seios como um manancial, por te olhar e te sentir ao meu lado e ter tido em teu riso de ouro uma voz essencial.
Por te sentir em minhas veias um Deus no rio e te adorar nos tristes ossos de pó e cal, porque teu ser passou sem pena e sem ter vício saindo na estrofe pura - limpo desse mal -.
Como eu saberia te amar, mulher, saberia amar, e amar, ninguém amou assim jamais! Morrer e no entanto amar-te mais. E no entanto amar-te mais e mais.
*- Pablo Neruda - do livro: Crepusculário - tradução: José Eduardo Degrazia May.
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IV - Esta tarde a trovoada caiu |
em 05/12/2008 22:10:00 (5964 leituras) |
Alberto Caeiro IV - Esta Tarde a Trovoada Caiu Esta tarde a trovoada caiu Pelas encostas do céu abaixo Como um pedregulho enorme... Como alguém que duma janela alta Sacode uma toalha de mesa, E as migalhas, por caírem todas juntas, Fazem algum barulho ao cair, A chuva chovia do céu E enegreceu os caminhos ... Quando os relâmpagos sacudiam o ar E abanavam o espaço Como uma grande cabeça que diz que não, Não sei porquê — eu não tinha medo — pus-me a rezar a Santa Bárbara Como se eu fosse a velha tia de alguém...
Ah! é que rezando a Santa Bárbara Eu sentia-me ainda mais simples Do que julgo que sou... Sentia-me familiar e caseiro E tendo passado a vida Tranqüilamente, como o muro do quintal; Tendo idéias e sentimentos por os ter Como uma flor tem perfume e cor...
Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara... Ah, poder crer em Santa Bárbara!
(Quem crê que há Santa Bárbara, Julgará que ela é gente e visível Ou que julgará dela?)
(Que artifício! Que sabem As flores, as árvores, os rebanhos, De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore, Se pensasse, nunca podia Construir santos nem anjos... Poderia julgar que o sol É Deus, e que a trovoada É uma quantidade de gente Zangada por cima de nós ... Ali, como os mais simples dos homens São doentes e confusos e estúpidos Ao pé da clara simplicidade E saúde em existir Das árvores e das plantas!)
E eu, pensando em tudo isto, Fiquei outra vez menos feliz... Fiquei sombrio e adoecido e soturno Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça E nem sequer de noite chega.
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A timidez |
em 04/12/2008 16:40:00 (10326 leituras) |
A timidez é uma condição alheia ao coração, uma categoria, uma dimensão que desemboca na solidão.
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Lua Adversa |
em 29/11/2008 22:40:00 (6608 leituras) |
Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso.
E roda a melancolias eu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...
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Frases. |
em 28/11/2008 22:46:04 (29896 leituras) |
"O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você." [Mário Quintana]
"A amizade é um amor que nunca morre." [Mário Quintana]
"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente, e não a gente a ele." [Mário Quintana]
"Slogam para o ministério da saúde: o fumante é um retardado que ainda não conseguiu deixar de mamar." [Mário Quintana]
"Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?" [Mário Quintana]
"Nunca me dê o Céu... Quero é sonhar com ele na inquietação feliz do Purgatório." [Mário Quintana]
"Hoje é outro dia." [Mário Quintana]
"Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não." [Mário Quintana]
"As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho." [Mário Quintana]
"Amar é mudar a alma de casa." [Mário Quintana]
"A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer." [Mário Quintana]
"O grande consolo das velhas anedotas são os recém-nascidos." [Mário Quintana]
"Tudo o que acontece é natural - inclusive o sobrenatural." [Mário Quintana]
"O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente." [Mário Quintana]
"O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores." [Mário Quintana]
"Nunca desprezes os teus amigos, porque se um dia eles te esquecerem, só teus inimigos se lembrarão de ti." [Mário Quintana]
"Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem. " [Mário Quintana]
"Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros." [Mário Quintana]
"Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo." [Mário Quintana]
"O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente." [Mário Quintana]
"Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores." [Mário Quintana]
"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso." [Mário Quintana]
"O fantasma é um exibicionista póstumo." [Mário Quintana]
"O despertador é um acidente de tráfego de sono." [Mário Quintana]
"Datilografia: escrita por batuque." [Mário Quintana]
"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro." [Mário Quintana]
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Um dia. |
em 28/11/2008 22:00:00 (26904 leituras) |
Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.Você não só não esquece a outra como pensa muito mais nela...Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...Um dia percebemos que o comum não nos atrai...Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...Um dia perceberemos que a pessoa que não te liga é a que mais pensa em você...Um dia saberemos a importância da frase:"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém mas não damos valor a isso...Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...Enfim...um dia descobrimos que apesar de viver quase 100 anos, esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para dizer tudo o que tem de ser dito...O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação."
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O TEMPO. |
em 28/11/2008 21:00:00 (6606 leituras) |
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo... E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
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Vinte poemas de amor - XX |
em 23/11/2008 12:30:00 (12189 leituras) |
Vinte Poemas de Amor – XX
(tradução de Fernando Assis Pacheco)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços. Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços, a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda
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O Oceano |
em 20/11/2008 18:50:00 (14325 leituras) |
O Oceano
Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola! Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão; de ruínas o homem marca a terra, mas se evola na praia o seu domínio. Na úmida extensão só tu causas naufrágios; não, da destruição feita pelo homem sombra alguma se mantém, exceto se, gota de chuva, ele também se afunda a borbulhar com seu gemido, sem féretro, sem túmulo, desconhecido.
Do passo do há traços em teus caminhos, nem são presa teus campos. Ergues-te e o sacodes de ti; desprezas os poderes tão mesquinhos que usa para assolar a terra, já que podes de teu seio atirá-lo aos céus; assim o lanças tremendo uivando em teus borrifos escarninhos rumo a seus deuses - nos quais firma as esperanças de achar um porto angra próxima, talvez - e o devolves á terra: - jaza aí, de vez.
Os armamentos que fulminam as muralhas das cidades de pedra - e tremem as nações ante eles, como os reis em suas capitais - , os leviatãs de roble, cujas proporções levam o seu criador de barro a se apontar como Senhor do Oceano e árbitro das batalhas, fundem-se todos nessas ondas tão fatais para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.
Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga: Grécia, Roma, Catargo, Assíria, onde é que estão? Quando outrora eram livres tu as devastavas, e tiranos copiaram-te, a partir de então; manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas; reinos secaram-se em desertos, nesse espaço, mas tu não mudas, salvo no florear da vaga; em tua fronte azul o tempo não põe traço; como és agora, viu-te a aurora da criação.
Tu, espelho glorioso, onde no temporal reflete sua imagem Deus onipotente; calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval, quer a gelar o polo, quer em cima ardente a ondear sombrio, - tu és sublime e sem final, cópia da eternidade, trono do Invisível; os monstros dos abismos nascem do teu lodo; insondável, sozinho avanças, és terrível.
Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis ir levado em teu peito, como tua espuma, era um prazer; desde meus tempos infantis divertir-me com as ondas dava-me alegria; quando, porém, ao refrescar-se o mar, alguma de tuas vagas de causar pavor se erguia, sendo eu teu filho esse pavor me seduzia e era agradável: nessas ondas eu confiava e, como agora, a tua juba eu alisava.
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A poesia |
em 20/11/2008 18:30:00 (6354 leituras) |
E foi nessa idade... Chegou a poesia para buscar-me. Não sei de onde saiu, do inverno ou do rio. Não sei como nem quando, não, não eram vozes, não palavras, nem silêncio, mas desde uma rua que me chamava, desde os ramos da note, de súbito enre os outros, entre fogos violentos ou regressando só, ali estava sem rosto e me tocava.
Não sabia o que dizer, a minha boca não sabia, nomear, meus olhos eram cegos, algo me golpeava a alma, febre ou asas perdidas, fui me fazendo só, decifrando aquela queimadura, e escrevi a primeira linha vaga, vaga, sem corpo, pura brincadeira, pura sabedoria de quem não sabe nada, e vi de súbito o céu debulhado e aberto, planetas, plantações palpitantes, a sombra perfurada, atravessada por flechas, fogo e flores a noite agasalhadora, o universo.
E eu, um mínimo ser, ébrio do vazio enorme constelado, à semelhança, à imagem do mistério, senti-me parte pura desse abismo, girei as estrelas, meu coração se desatou no vento.
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Caminho a teu lado mudo |
em 14/11/2008 16:00:00 (7665 leituras) |
Caminho a teu lado mudo Sentes-me, vês-me alheado... Perguntas: Sim... Não ... Não sei... Tenho saudades de tudo... Até, porque está passado, Do próprio mal que passei. Sim, hoje é um dia feliz. Será, não será, por certo Num princípio não sei que Há um sentido que me diz Que isto — o céu longe e nós perto É só a sombra do que é...
E lembro-me em meia-amargura Do passado, do distante, E tudo me é solidão... Que fui nessa morte escura? Quem sou neste morto instante? Não perguntes... Tudo é vão.
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Basta pensar em sentir |
em 14/11/2008 15:40:00 (9927 leituras) |
Basta pensar em sentir Para sentir em pensar. Meu coração faz sorrir Meu coração a chorar. Depois de parar de andar, Depois de ficar e ir, Hei de ser quem vai chegar Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.
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Estâncias para música |
em 12/11/2008 12:00:00 (9348 leituras) |
Estâncias para Música
Alegria não há que o mundo dê, como a que tira. Quando, do pensamento de antes, a paixão expira Na triste decadência do sentir; Não é na jovem face apenas o rubor Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor Vai-se antes de que a própria juventude possa ir.
Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados; O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura Praia que nunca atingirão os panos lacerados.
Então, frio mortal da alma, como a noite desce; Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar; toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar; Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece.
Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada, Na meia-noite já sem esperança de repouso: É como na hera em torno de uma torre já arruinada, Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso.
Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas, Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto; Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas: No ermo da vida assim seria para mim o pranto.
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Vida e Obra |
em 02/11/2008 18:40:00 (39089 leituras) |
Poeta inglês (1788-1824). Sua obra e sua personalidade romântica têm grande repercussão na Europa do início do século XIX.
George Gordon Noel Byron nasce em Londres e, em 1798, herda o título nobiliárquico de um tio-avô, tornando-se o sexto Lord Byron. Em 1807 publica Horas de Ócio, livro de poemas mal recebido pela crítica.
Com apenas 21 anos ingressa na Câmara dos Lordes e viaja pela Europa e pelo Oriente, regressando em 1811. No ano seguinte publica o poema A Peregrinação de Childe Harold, sobre as aventuras de um herói e a natureza da península Ibérica, sucesso em vários países europeus.
Muda-se para a Suíça em 1816, após o divórcio de Lady Byron, causado pela suspeita de incesto do poeta com a meia-irmã da esposa. Escreve o terceiro canto de A Peregrinação de Childe Harold, O Prisioneiro de Chillon (1816) e Manfred (1817).
Transfere-se para Veneza , onde escreve em 1818 Beppo, uma História Veneziana, sátira à sociedade local. Um ano depois começa o inacabado Don Juan. Torna-se membro do comitê londrino para a independência da Grécia, país para onde viaja em 1823 para lutar ao lado dos gregos contra os turcos. Morre quatro meses depois, em Missolonghi.
Outra Biografia
A obra e a personalidade romântica de Byron tiveram, no início do século XIX, grande projeção no panorama literário europeu e exerceram enorme influência em seus contemporâneos, por representarem o melhor da sensibilidade da época, conferindo-lhe muito de sedução e elegância mundana.
George Gordon Noel Byron nasceu em Londres em 22 de janeiro de 1788. Em 1798 herdou o título nobiliárquico do tio-avô William, tornando-se o sexto Lord Byron. Ainda estudante em Cambridge, publicou seu primeiro livro de poesia, Hours of Idleness (1807; Horas de ócio), mal recebido pela crítica da prestigiosa Edinburgh Review. Byron respondeu com o poema satírico English Bards and Scotch Reviewers (1809; Bardos ingleses e críticos escoceses). Aos 21 anos ingressou na Câmara dos Lords, partindo pouco depois em viagem pela Europa e o Oriente Médio.
Ao voltar à Inglaterra, em 1811, publicou os dois primeiros cantos de Childe Harold's Pilgrimage (1812; Peregrinação de Childe Harold), longo poema em que narra as andanças e amores de um herói desencantado, ao mesmo tempo em que descreve a natureza da península ibérica, Grécia e Albânia. A obra alcançou sucesso imediato (entre 1812 e 1819 saíram 11 edições em inglês, além de várias traduções), e sua fama se consolidou com outros trabalhos, principalmente The Corsair (1814; O corsário), Lara (1914) e The Siege of Corinth (1916; O cerco de Corinto). Nesses poemas, de enredos exóticos e apesar das irregularidades, Byron confirmou seu talento para a descrição de ambientes.
Em 1816, o pedido de divórcio de Lady Byron (Anne Milbanke), após um ano de casamento, escandalizou a sociedade inglesa, que o associou aos rumores de incesto do poeta com sua meia-irmã Augusta Leigh, e Byron resolveu deixar a Inglaterra. Na Suíça escreveu o canto III de Childe Harold's Pilgrimage (1816), The Prisoner of Chillon (1816; O prisioneiro de Chillon) e o poema dramático Manfred (1817), enigmático e demoníaco. Em Genebra viveu com Claire Clairmont e fez-se amigo de Shelley. Radicou-se depois em Veneza, onde levou existência agitada e licenciosa, documentada em cartas cheias de verve. Compôs então o canto IV de Childe Harold's Pilgrimage (1818) e Beppo, a Venetian Story (1818; Beppo, uma história veneziana), poema em oitava-rima, de tom ligeiro e cáustico, em que ridiculariza a alta sociedade de Veneza. Em 1819 começou o poema herói-cômico Don Juan (1819-1824), sátira brilhante e atrevida, à maneira do século XVIII, que deixaria inacabada. No mesmo ano ligou-se à condessa Teresa Guiccioli, seguindo-a a Ravena onde, juntamente com o irmão dela, participou das conspirações dos carbonários. Byron usou com igual mestria o verso curto de Walter Scott, o verso branco, a oitava-rima e a estrofe spenseriana. Seu aristocratismo se reflete na escolha de um estilo classicista pelo qual tratou uma temática fundamentalmente romântica. Toda a obra de Byron, que exprime o pessimismo romântico, com a tendência a se voltar contra os outros e contra a sociedade, pode ser vista como um grande painel autobiográfico. Foram novos, em sua postura, o tom declarado de rebeldia ante as convenções morais e religiosas e o charme cínico de que seu herói demoníaco sempre se revestiu.
Como moda literária, o byronismo se espalhou pela Europa até as últimas décadas do século XIX, com projeções crescentes e importantes nos países jovens da América. Foram sensíveis à influência de Byron, entre muitos outros, o espanhol Espronceda, os franceses Lamartine, Vigny e Musset, os russos Puchkin e Lermontov, o argentino Esteban Echeverría e o brasileiro Álvares de Azevedo.
Em novembro de 1821, tendo fracassado o movimento revolucionário dos carbonários, Byron partiu para Pisa, onde escreveu o drama The Deformed Transformed (1824; O deformado transformado). Em 1822 fundou, com Leigh Hunt, o periódico The Liberal. Foi a seguir para Montenegro e daí para Gênova. Nomeado membro do comitê londrino pela independência da Grécia, embarcou para aquele país em 15 de julho de 1823, a fim de combater ao lado dos gregos contra os turcos. Passou quatro meses em Cefalônia e viajou para Missolonghi, onde morreu em 19 de abril de 1824, após contrair uma misteriosa febre.
©Encyclopaedia Britannica
BYRON UM POETA
Um dos homens que mais mudou a cara da literatura nasceu em Londres, no dia 22 de Janeiro de 1788. George Gordon, mais conhecido como Lorde Byron, tinha uma ascendência aristocrática. Era o sexto barão Byron da linhagem. Sua mãe, Catherine Gordon Byron vinha da família dos Gordons escocês, uma família tradicional e muito conhecida por sua ferocidade e violência. Seu pai, John Byron, era um bon-vivant. Havia, junto com a esposa, imigrado para a França para fugir das cobranças de credores. Porém, como ela não queria que seu rebento nascesse em solo francês, não hesitou em voltar à ilha da rainha. John ficou e encontrou abrigou na casa de sua irmã. Em 1791, ele encontrou a morte, aparentemente por suicídio.
Logo após o seu nascimento, sua mãe o levou para a Aberdeen, Escócia, onde uma deformidade em seu pé logo ficou evidente. Ganhou botas especiais e passou por inúmeros tratamentos mas logo deixou estas dolorosas experiências para trás. O pequeno George vivia mergulhado em leituras, com atenção especial para a história de Roma. Seu sonho mais comum era de ser um comandante de um regimento de soldados alucinados e heróicos, acima de tudo.
Mas sua infância não se resumia a isto. Ele era marcado pelo amor. Aos sete anos, Byron se apaixonou perdidamente por sua prima, Mary Duff. Aos nove, sua babá o introduziu aos prazeres da carne.
Aos 10 anos, ele se tornou oficialmente Lorde Byron. Assumiu o poder da casa de Newstead, mas como ela se encontrava em total ruínas, ele e sua mãe se mudaram para Nottingham. As finanças minguavam. Tudo o que remetia ao nome dos Byron era motivo de processos por dívidas. O pequeno Byron foi enviado para a academia do doutor Glennie em Dulwich e logo em seguida para Harrow, onde se tornou o alvo predileto para zombarias dos demais alunos. Durante um Natal, ele retornou para Newstead, que havia sido alugada por Lorde Ruthyn, que o iniciou no bissexualismo. Apaixonou-se perdidamente por Mary Ann Chaworth, uma vizinha. Ficou tão obcecado que se recusou a voltar. Ruthyn praticamente o obrigou a retornar a força.
Em sua adolescência, Byron foi tomando consciência de seu poder. Possuidor de carisma, beleza e poder de sedução, ele logo começou a aproveitar seus dons. Em uma visita a Lorde Grey, acabou se envolvendo sexualmente com seu hospedador. Mulheres e homens no local desejavam aquele adolescente rebelde. Em seu retorno à escola, Byron foi além. Envolveu-se com colegas, empregadas, professores, prostitutas e garotas que adoravam um título de nobreza.
Em 1805, Byron teve um grande choque. Mary Ann casou-se. Logo, ele se torna mais rebelde ainda. Arrumou um trabalho em Cambridge mas nunca trabalhava, já que esta era a moda para os descolados da época. Era o tédio, o spleen. Era a forma que o então românticos viviam a vida. E da qual Byron foi o mestre supremo. Escrevia versos e mais versos e gastava muito dinheiro. Não demorou e todo o seu dinheiro foi embora, o que o levou a recorrer à empréstimos de familiares. E ele tinha apenas 17 anos. Chegou, inclusive, a pedir ajuda para sua meia-irmã Augusta Byron Leigh.
Ao passar um temporada com a mãe, coisa que ele odiava, Byron foi encorajada a publicar seus poemas por uma vizinha. Em 1806, o livro "Fugitive Pieces" foi lançado. Ele enviou cópias para dois amigos. Um deles respondeu que o poema "To Mary" era muito chocante para ser lido pelo público. Byron acreditou e mandou queimar todas as cópias da obra. Em 1806, o livro foi republicado com o nome de "Hours of Idleness", excluído o tal poema. Cópias e mais cópias foram vendidas mas a crítica se dividia. Byron respondeu a seus detratores com a sátira "English Bards and Scotch Reviewers".
Em junho de 1809, Byron e seus amigos John Cam Hobhouse e William Fletcher resolveram fazer um giro pela Europa. Acabaram conhecendo Portugal, Espanha, Grécia, Albânia, Malta e Turquia. Durante a viagem, ele entrou em choque com o conservadorismo português e quase protagonizou um duelo contra um marido enfurecido. Byron também conheceu Ali, o paxá da Albânia, muito conhecido por ser um carniceiro. O poeta ficou impressionado com o governante. Foi justamente nesta época que começou a escrever uma de suas obras-primas, "Childe Harold's Pilgrimage". Seus amigos retornaram à Inglaterra, mas Byron ficou na Grécia, vivendo numa escola para garotos. Manteve um tórrido caso com Nicolo Giraud, um jovem grego que chegou a salvar sua vida quando pegou malária. Em gratidão, o poeta pagou toda a educação de Nicolo. Mais tarde, retornou para a Inglaterra. Mas ele já não se reconhecia ali. Sua mãe havia morrido, um de seus melhores amigos morrera afogado e o casamento de sua irmã estava falido. Nesta época, abandonou a poesia. Mas por insistência de um amigo, os primeiros dois cantos de "Chile Harold" foram publicados em fevereiro de 1812. Foi um sucesso brutal. Ele se tornou uma sensação. Mulheres se jogavam em seu colo.
Lady Caroline Lamb era a mais notória e determinada a conquistar Byron. Emocional e excêntrica, Caroline Lamb era da alta corte e casada. Ela chegou, inclusive, a lhe enviar seus pelos pubianos. Byron, para escapar das garras de Caroline, confessou sua preferência sexual por garotos. Então, ela apareceu em seu quarto, vestido de oficial do exército, na tentativa de conquistá-lo. Foi a gota d'água. Com medo de seu genro, a mãe da apaixonada dama convenceu Byron a romper o romance. Para se confortar, ele mergulhou nos braços de Lady Oxford. Em seguida, tentou conquistar Annabella Milbanke, prima de William Lamb. Annabella o recusou e ele entrou em depressão.
Em 1813, Augusta o visitou, fugindo de credores e problemas pessoais. Os dois acabaram por ter um caso. Em 1814, Byron investiu novamente em Annabella. Desta vez deu certo. Em 2 de janeiro de 1815, os dois se casaram. Annabella era uma leitora assídua da literatura gótica. Tentou bancar a heroína e converter Byron. Em dezembro do mesmo ano, ela deu a luz à Augusta Ada. Dois meses depois, Annabella não o agüentava mais e pediu o divórcio. Caroline aproveitou para se vingar. Espalhou boatos sobre a sodomia do poeta. A fofoca se espalhou. Annabella não se manifestou, já que a história a favorecia no divórcio e lhe dava um ar de mulher de moral. Com isto, a sociedade londrina fechou as portas para Byron.
Em abril, ele decide voltar ao continente. Seguido por Hobhouse e Fletcher, ele arrumou mais um companheiro: John Polidori. Em maio, o grupo se encontrou com Percy Bysshe Shelley e Mary Godwin (mais tarde, Shelley), que viviam uma vida de desejos e pecados, já que Percy era casado e Mary era sua amante. O casal estava acompanhado de Claire Clairmont, irmã adotiva de Mary, que guiou a excursão a fim de se encontrar com Byron, com quem já se correspondia. Byron resolveu passar um tempo em Diodati, na Suíça. Os novos amigos se juntaram a ele. Hobhouse e Fletcher decidiram ficar na Inglaterra
Byron, precisando muito de um amigo, se ligou a Shelley. Passam horas discutindo filosofias e poesias. Navegavam pelo lago e visitavam os cenários da Nova Heloísa, de Rousseau. Chegaram, inclusive, a trocar rosas e carícias... Após visitar o Chateau de Chillon, Byron se inspirou a escrever um de seus mais belos poemas: "The Prisoner of Chillon". Numa noite chuvosa em Diodati, o grupo decidiu compor histórias macabras. Nasceu ali Frankenstein de Mary Shelley e O Vampiro, de Polidori.
Com tudo indo bem, Byron se viu num novo dilema. Mantinha Claire ocupada, copiando suas poesias até que ela lhe revelou estar grávida. Byron concordou em cuidar da crianças mas se recusou a continuar o caso com ela. Mudou-se para Veneza, onde, mais uma vez, apaixonou-se. Ali, terminou Childe Harold, escreveu "Manfred", "The Lament of Tasso", "Mazeppa", "Beppo" e começou "Don Juan". Sua vida sexual era frenética e lendária. Manteve várias amantes. Seu gondoleiro lhe trazia prostitutas todas as noites. Byron, inclusive, alugou um pequeno apartamento para se encontrar com estrelas da ópera e condessas.
Claire levou sua filha Allegra para a Itália. Byron ficou extasiado mas se recusou a encontrar com a mãe. Permitiu apenas que Shelley o visitasse. Foi o fim da ligação entre Byron e Claire. Em 1819, ele assumiu Teresa, a condessa Guicioli, como amante. Foi um escândalo. Não somente porque ela era casada mas também porque ele, Teresa e o marido dela viviam na mesma casa. No ano seguinte, envolveu-se com a política, juntando-se a combatentes pela independência italiana. Mas, aos poucos, sua vida iria mudar.
Em 1822, Shelley morreu afogado. Allegra, sua filha, morreu de febre. Byron ficou devastado. No ano seguinte, se juntou à causa grega pela independência da Turquia. Viajou até a Grécia mesmo convencido de que iria encontrar a morte. Encontrou abrigo com as tropas do príncipe Mavrocordato e financiou um navio de guerra. Em fevereiro de 1824, teve um ataque epilético. Dois meses depois, após enfrentar uma tempestade enquanto cavalgava, pegou um resfriado do qual nunca se recuperou. Em 19 de abril do mesmo ano, na cidade de Missolonghi, um Domingo de Páscoa chuvoso, aos 36 anos de idade, sua voz se calou após sofrer de delírios por dias a fio. O mundo perdia um dos mais empolgantes escritores de todos os tempos.
Com sua morte, ele não pode ler as cartas que chegaram da Inglaterra, que comunicavam que a Inglaterra havia formalmente o perdoado por suas indiscrições. Também se livrou da tormenta que se abateu sobre o jovem grego Lukas, que havia se tornado objeto de afeto de Byron. Na época, o poeta até se mortificou com uma dieta de água e biscoitos, que era uma prescrição medieval para curar a luxúria homossexual. Infelizmente, um homem fraco não poderia agüentar a pressão de uma guerra. Seu ataque epilético, muito provavelmente, foi causado por anorexia nervosa, mas seu médico diagnosticou como sendo uma doença cerebral causada por sua vida sexual conturbada. Pior, o incompetente médico não percebeu os sintomas de malária em Byron e preferiu fazer uma sangria no poeta. "Meus médicos me mataram", foi uma de suas últimas frases para seu criado. Após sua morte, foi feito uma autopsia. Os médicos encontraram lesões no cérebro, o que, para eles, comprovava que a morte foi causada por sua promiscuidade sexual.
Adorado na Grécia, ele foi embalsamado e seu coração foi retirado e enterrado em solo grego. Os restos mortais foram transportados para Inglaterra, mesmo contrário aos seus desejos. Ao chegar em Londres, a Abadia de Westminster se recusou a receber o funeral, alegando que ele era um pecador irreparável. Mesmo assim, o cortejo fúnebre foi assistido por milhares de pessoas. Byron foi enterrado na igreja Hucknall Torkard, próxima da Abadia de Newstead, ao lado de sua mãe e demais gerações de sua família. E conta uma lenda que Susan Vaughn, uma criada galesa que havia recusado as investidas de Byron, deixou sobre o seu túmulo os últimos tomos de "Don Juan", publicados um mês antes de sua morte e que durante muito tempo, o exemplar ficou em bom estado, como se alguém cuidasse dele eternamente. Curiosamente, 145 anos após sua morte, em 1969, a Abadia de Westminster construiu um memorial em homenagem ao mais libertino dos poetas ingleses.
Obras mais conhecidas:
Poemas:
Oh! na Flor da Beleza Arrebatada Sol dos Insones Trevas Estâncias para Música O Oceano Adeus Estrofes para uma Dama... Soneto de Chillon O Crepúsculo da Tarde À M.S.G. Eutanásia Ela Caminha em Formosura Tu me chamas Estrofes para música Versos Inscritos numa Taça Feita de um Crânio À Inês
Contos:
O Enterro Don Juan The Giaour
*pesquisa realizada em sites da internet. ************************************************** |
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Porque é que um sono agita |
em 02/11/2008 17:50:00 (5040 leituras) |
Porque é que um sono agita Em vez de repousar O que em minha alma habita E a faz não descansar? Que externa sonolência, Que absurda confusão, Me oprime sem violência Me faz ver sem visão?
Entre o que vivo e a vida, Entre quem estou e sou, Durmo numa descida, Descida em que não vou.
E, num infiel regresso Ao que já era bruma, Sonolento me apresso Para coisa nenhuma.
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Pela rua já serena |
em 02/11/2008 17:30:00 (3929 leituras) |
Pela rua já serena Vai a noite Não sei de que tenho pena, Nem se é pena isto que tenho... Pobres dos que vão sentindo Sem saber do coração! Ao longe, cantando e rindo, Um grupo vai sem razão...
E a noite e aquela alegria E o que medito a sonhar Formam uma alma vazia Que paira na orla do ar...
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Sim, já sei... |
em 27/10/2008 14:20:00 (5668 leituras) |
Sim, já sei... Há uma lei Que manda que no sentir Haja um seguir Uma certa estrada Que leva a nada.
Bem sei. É aquela Que dizem bela E definida Os que na vida Não querem nada De qualquer estrada,
Vou no caminho Que é meu vizinho Porque não sou Quem aqui estou.
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Sou um evadido |
em 27/10/2008 14:00:00 (9867 leituras) |
Sou um evadido. Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar?
Minha alma procura-me Mas eu ando a monte Oxalá que ela Nunca me encontre.
Ser um é cadeia, Ser eu é não ser. Viverei fugindo Mas vivo a valer.
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MODINHA |
em 24/10/2008 14:40:00 (10868 leituras) |
Tuas palavras antigas Deixei-as todas, deixeia-as, Junto com as minhas cantigas, Desenhadas nas areias.
Tantos sóis e tantas luas Brilharam sobre essas linhas, Das cantigas — que eram tuas — Das palavras — que eram minhas!
O mar, de língua sonora, Sabe o presente e o passado. Canta o que é meu, vai-se embora: Que o resto é pouco e apagado.
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XCVI |
em 24/10/2008 14:40:00 (3081 leituras) |
Penso, esta época em que tu me amaste irá por outra azul substituída, será outra pele sobre os mesmos ossos, outros olhos verão a primavera.
Nenhum dos que amarraram esta hora, dos que conversaram com o fumo, governos, traficantes, transeuntes, continuarão movendo-se em seus fios.
Irão os cruéis deuses com óculos, os peludos carnívoros com livro, os pulgões e os pipipasseiros*.
E quando estiver recém-lavado o mundo nascerão outros olhos na água e crescerá sem lágrimas o trigo.
*Pipipasseiros - palavra composta, invenção nerudiana.
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Entre Mulheres |
em 22/10/2008 13:00:00 (16753 leituras) |
Clarice Lispector já era uma escritora consagrada e já havia exercido várias funções na imprensa carioca quando aceitou o convite de Rubem Braga para assinar a página feminina “Entre mulheres”, no jornal Comício. O tablóide - um dos precursores da imprensa alternativa – durou apenas quatro meses, mas contou com um time de colaboradores de primeira linha: Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Sérgio Porto, entre outros. Apesar de curta, a experiência inaugura uma nova fase da atividade jornalística realizada por Clarice: as colunas femininas.
Sob o pseudônimo de Teresa Quadros, Clarice Lispector falava sobre os cuidados com a beleza e os segredos da elegância, dava conselhos de etiqueta e receitas culinárias, dicas de moda e saúde, além de apresentar tendências e novidades vindas da Europa. De forma clara, muitas vezes didática, a ficcionista conversava com a leitora e ajudava a lidar com as preocupações cotidianas. Em “Com a cabeça fervendo”, ela usa a chaleira no fogo como metáfora para ensinar a leitora a esfriar a cabeça antes de tomar uma decisão intempestivamente. Em “Presa às preocupações”, sugere o uso de uma tesoura para separar o “pré” do “ocupada” antes que a tensão se torne um hábito, como roer unhas. E ainda aproveita a coluna para fazer referência a autoras estrangeiras como Virginia Wolf e Katherine Mansfield.
Em outras páginas, é possível identificar ingredientes de futuros textos ficcionais assinados por Clarice Lispector. É o caso da coluna intitulada "Meio cômico, mas eficaz", uma receita para matar baratas publicada em 8 de agosto de 1952. Elementos desse texto servem de esboço para outra página feminina, publicada em 1960, no jornal Diário do Noite. Em 1962, o esboço transforma-se em conto, disponível na revista Senhor, e, finalmente, em 1964, ganha as páginas do livro A legião estrangeira.
Meio cômico, mas eficaz...
"De que modo matar baratas? Deixe, todas as noites, nos lugares preferidos por esses bichinhos nojentos, a seguinte receita: açúcar, farinha e gesso, misturados em partes iguais. Essa iguaria atrai as baratas que a comerão radiantes. Passado algum tempo, insidiosamente o gesso endurecerá dentro das mesmas, o que lhes causará morte certa. Na manhã seguinte, você encontrará dezenas de baratinhas duras, transformadas em estátuas. Há ainda outros processos. Ponha, por exemplo, terebentina nos lugares freqüentados pelas baratas: elas fugirão. Mas para onde? O melhor, como se vê, é mesmo engessa-las em inúmeros monumentozinhos, pois ‘para onde’ pode ser outro aposento da casa, o que não resolve o problema."
Teresa Quadros
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Só Para Mulheres |
em 16/10/2008 15:50:00 (27061 leituras) |
“Sejam vocês mesmas! Estudem cuidadosamente o que há de positivo ou negativo na sua pessoa e tirem partido disso. A mulher inteligente tira partido até dos pontos negativos. Uma boca demasiadamente rasgada, uns olhos pequenos, um nariz não muito correto podem servir para marcar o seu tipo e torná-lo mais atraente. Desde que seja seu mesmo.” (Helen Palmer)
Com o pseudônimo Helen Palmer Separada do diplomata Maury Gurgel Valente e acompanhada de seus dois filhos pequenos, Pedro e Paulo, Clarice Lispector retorna ao Brasil para viver no bairro do Leme, no Rio de Janeiro. Nesta época, ela inicia nova colaboração com os periódicos cariocas. De agosto de 1959 a fevereiro de 1961, ela assume o pseudônimo de Helen Palmer para assinar a coluna “Correio feminino – Feira de utilidades”, no jornal Correio da Manhã. O espaço tinha o patrocínio da indústria de comésticos Pond’s, e deveria dar dicas de beleza a partir dos produtos da empresa, sem citar explicitamente sua marca.
Clarice Lispector fez de Helen Palmer uma conselheira de moda, beleza e, principalmente, de sedução. Em colunas como “Cursinho de emergência”, “Cursinho sobre cabelos” e “Cursinho sobre perfume”, as receitas visavam a conquista do bem-amado. A mulher deveria ter a pele bem cuidada, os olhos brilhantes, os cabelos sedosos e, principalmente, uma personalidade cativante – delicada, alegre, com gestos contidos e muita feminilidade. Nada de vestidos muito justos, saltos muito altos, excesso de jóias ou de pintura que, segundo a colunista, os homens detestam. Helen Palmer orientava sua leitora a ser discreta, pois “chamar a atenção não é a finalidade de uma mulher elegante e inteligente” , como pode ser conferido na coluna publicada em 04 de maio 1960:
Discrição:
Você naturalmente sabe que chamar a atenção não é de bom-tom e dá sempre uma impressão muito má da mulher. Seja pela roupa escandalosa, pelo penteado exótico, pelo andar, pelos modos, pela risada grosseira, seja, enfim, de que maneira for a mulher que chama a atenção sobre a sua pessoa o único troféu que merece é o da vulgaridade. A mulher elegante é discreta. Sua superioridade está nos detalhes cuidados na harmonia das cores, no bom gosto dos acessórios. Se ela é também bonita, a beleza é por si só um ponto de atração para os olhos, sem precisar ser orientada. Os homens, geralmente muito discretos, detestam as mulheres que se destacam demais, onde quer que apareçam. Não apenas pela sua própria maneira de ser, mas também por uma questão de vaidade masculina, já que não lhes é agradável ficar ofuscados ou relegados a um plano inferior. (Helen Palmer)
*Só Para Mulheres é um livro de coletâneas dos conselhos de Helen Palmer, lançado em 2008. **************************************************
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Uma criatura |
em 12/10/2008 22:10:00 (4945 leituras) |
Uma criatura
Sei de uma criatura antiga e formidável, Que a si mesma devora os membros e as entranhas, Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas; E no mar, que se rasga, à maneira de abismo, Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo. Cada olhar que despede, acerbo e mavioso, Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo, Gosta do colibri, como gosta do verme, E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme; E caminha na terra imperturbável, como Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo Vem a folha, que lento e lento se desdobra, Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois esta criatura está em toda a obra; Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto; E é nesse destruir que as forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto; Começa e recomeça uma perpétua lida, E sorrindo obedece ao divino estatuto. Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.
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LVII |
em 10/10/2008 21:00:00 (3423 leituras) |
Entre os espadões de ferro literário passo eu como um marinheiro remoto que não conhece as esquinas e que canta porque sim, porque como se não fosse por isso.
Dos atormentados arquipélagos trouxe meu acordeão com borrascas, aragem de chuva louca, e um costume lento de coisas naturais: elas determinaram meu coração silvestre.
Assim quando os dentes da literatura trataram de morder meus honrados talões*, eu passei, sem saber, cantando com o vento
para os almazéns chuvosos de minha infância, para os bosques frios do Sul indefinível, para onde minha vida se completou com teu aroma.
* talões - no sentido de calcanhares
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Os puros |
em 10/10/2008 21:00:00 (4161 leituras) |
Dei-me conta que um homem transitório reclama solidão para o que canta, destinando-se à torre do deserto não aceita sua grave companhia. Eu quero-o só, atormentado e cego. Na espera da colheita tenebrosa das uvas do medo e da grande angústia, quer a eternidade do passageiro, não reconhece nele as próprias mãos, nem a miséria própria que o envolve, e na profundidade que apregoa quer esquecer toda incerteza humana.
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O dilúvio |
em 10/10/2008 17:10:00 (3537 leituras) |
O dilúvio (1863)
"E caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites Gênesis — c. VII, v. 12"
Do sol ao raio esplêndido, Fecundo, abençoado, A terra exausta e úmida Surge, revive já; Que a morte inteira e rápida Dos filhos do pecado Pôs termo à imensa cólera Do imenso Jeová!
Que mar não foi! que túmidas As águas não rolavam! Montanhas e planícies Tudo tornou-se mar; E nesta cena lúgubre Os gritos que soavam Era um clamor uníssono Que a terra ia acabar.
Em vão, ó pai atônito, Ao seio o filho estreitas; Filhos, esposos, míseros, Em vão tentais fugir! Que as águas do dilúvio Crescidas e refeitas, Vão da planície aos píncaros Subir, subir, subir!
Só, como a idéia única De um mundo que se acaba, Erma, boiava intrépida, A arca de Noé; Pura das velhas nódoas De tudo o que desaba, Leva no seio incólumes A virgindade e a fé.
Lá vai! Que um vento alígero, Entre os contrários ventos, Ao lenho calmo e impávido Abre caminho além . . . Lá vai! Em torno angústias, Clamores, lamentos; Dentro a esperança, os cânticos, A calma, a paz e o bem.
Cheio de amor, solícito, O olhar da divindade, Vela aos escapos náufragos Da imensa aluvião. Assim, por sobre o túmulo Da extinta humanidade Salva-se um berço; o vínculo Da nova creação.
Íris, da paz o núncio, O núncio do concerto, Riso do Eterno em júbilo, Nuvens do céu rasgou; E a pomba, a pomba mística, Volando ao lenho aberto, Do arbusto da planície Um ramo despencou.
Ao sol e às brisas tépidas Respira a terra um hausto, Viçam de novo as árvores, Brota de novo a flor; E ao som de nossos cânticos, Ao fumo do holocausto Desaparece a cólera Do rosto do Senhor.
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Vida e Obra |
em 09/10/2008 14:00:00 (12549 leituras) |
Apresentado mais um Consagrado:
Sérgio Porto, por ele mesmo, "Auto-retrato do artista quando não tão jovem"
"ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.
OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.
PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.
QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.
PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.
ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
PANACÉIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.
SUPERTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.
TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.
MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).
ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.
Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963."
Filho de Américo Pereira da Silva Porto e de D. Dulce Julieta Rangel Porto, Sérgio Marcos Rangel Porto, um cidadão acima de qualquer desfeita, nasceu no Rio de Janeiro em pleno verão, no dia 11 de janeiro de 1923, e ficou famoso anos depois sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, emprestado à Oswald de Andrade (vide Memórias de Serafim Ponte Grande). Foi casado com Dirce Pimentel de Araújo, com quem teve três filhas: Gisela, Ângela e Solange.
Dizem seus estudiosos que no citado livro teria encontrado seu grande filão:a irreverência. Começou uma obra carioquíssima, até hoje insuperável, transpondo para jornais, livros e revistas o saboroso coloquial do Rio de Janeiro. Afirmam, também, que as melhores crônicas são aquelas onde a disposição de desfazer o sentido de uma palavra ou de uma situação não se manifesta apenas no final do enredo, mas parece atingir a estrutura da narrativa; quer dizer, a partir de pistas falsas, a história é conduzida visando a um final que não acontece, substituído por outro, totalmente inesperado (vejam Menino Precoce e A Charneca, por exemplo).
Era um mestre das comparações enfáticas:
"Mais inchada do que cabeça de botafoguense" "Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas" "Mais suado do que o marcador de Pelé" "Mais duro do que nádega de estátua" "Mais feia do que mudança de pobre" "Mais murcho do que boca de velha"
Traçou, em 12 palavras, o retrato de uma época , os tais anos dourados nada permissivos, quando o preconceito prevalecia, principalmente em matéria de sexo:
"Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça". Antes da liberação sexual, as praças e outros cantinhos escuros eram, então, um buzinaço.
Criador de Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, foi com seu Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.
Outras besteiras colhidas pelo autor:
"No mesmo dia em que o governo resolvia intervir em todos os sindicatos, resolvia mandar uma delegação à 16a. Sessão do Conselho de Administração da OIT, em Genebra. Ao Brasil caberia exatamente fazer parte da Comissão de Liberdade Sindical.Na mesma ocasião, um time da Alemanha Oriental vinha disputar alguns jogos aqui e então o Itamarati distribuiu uma nota avisando que eles só jogariam se a partida não tivesse cunho político. Em Mariana, MG, um delegado de polícia proibia casais de se sentarem juntos na única praça namorável da cidade, baixando portaria dizendo que moça só podia ir ao cinema com atestado dos pais. Em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios. Dali em diante quem dissesse mais de três palavrões ia preso."
Na mesma época (1954) em que o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete a lista das "Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano", Stanislaw, que escrevia na mesma revista sobre teatro-rebolado, não quis ficar por baixo e inventou a lista das "Mulheres Mais Bem Despidas do Ano". Com a grita das mães das vedetes, passou a usar uma expressão ouvida de seu pai -- "Olha só que moça mais certa" -- e estavam, assim, criadas as "certinhas" do Lalau. De 1954 a 1968 foram 142 as selecionadas. Dentre outras, podemos citar Aizita Nascimento, Betty Faria, Brigitte Blair, Carmen Verônica, Eloina, Íris Bruzzi, Mara Rúbia, Miriam Pérsia, Norma Bengell, Rose Rondelli, Sônia Mamede e Virgínia Lane.
Ao contrário do que parecia ser -- um cara folgado, brincalhão, gozador e pouco chegado ao labor, Sérgio Porto, por suas inúmeras atribuições, era um lutador. Nos últimos anos de vida tinha uma jornada nunca inferior a 15 horas de trabalho por dia."Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio. Hoje fui gravar na televisão e antes foi aquela batalha contra as teclas. Estou trabalhando demais, outra vez. Só para esta semana: seis Stanislaws, um Fatos & Fotos, um final apoteótico para o novo programa do Chico Anísio, roteiro e script para aquela bosta chamada Espetáculos Tonelux, depois quadros humorísticos para a TV Rio, Miss Campeonato, Da Boca pra Fora, o programa de rádio Atrações A-9, além da revisão do livro O Homem ao Lado que será reeditado no próximo mês e da gravação do programa Qual é o assunto?" Para alguém que teve seu primeiro infarto ao 36 anos, era demais.
"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras ditas pelo autor ao sofrer seu derradeiro infarto, no dia 29 de setembro de 1968.
Paulo Mendes Campos, o excelente e tão esquecido cronista mineiro, traça um perfil do autor em um texto cheio de humor e de dor pelo falecimento de Stanislaw Ponte Preta (in "O Anjo Bêbado", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1969, pág. 7).
SÉRGIO E STANISLAW PONTE PRETA
O diabo o é que todo mundo pensa que sou um cínico; ninguém acredita que sou um sentimentalão que não agüenta uma gata pelo rabo.
Sérgio me dizia isso a milhares de metros de altitude, copo de uísque na mão, rumo a Buenos Aires. Ao saber que eu tinha resolvido assistir ao jogo Brasil e Uruguai, no Campeonato Pan-Americano de 1959, veio procurar-me com uma ansiedade incomum: precisava afastar-se do Rio de qualquer jeito, me disse, tinha decisivos assuntos íntimos sobre os quais queria pensar.
Sendo assim, por que ir a Buenos Aires? Não fiz a pergunta por entendê-lo: Sérgio possuía o talento de viver em diversas faixas ao mesmo tempo; Buenos Aires lhe calhava numa instância de decisões pessoais porque o recolhimento do hotel se somava aos benefícios do torneio de futebol, da companhia dos amigos, das anedotas jornalísticas e até mesmo dos restaurantes portenhos.
Já dentro do avião, nessa ou em qualquer outra viagem, desligado de suas duras obrigações, transformava-se: mesmo roído por dentro, a gratuidade do instante era boa demais para não ser aproveitada. Sempre que uma aeromoça lhe perguntava se queria um sanduíche ou um refrigerante, respondia alegremente com uma frase que ouviu de Bili Blanco: "Quero tudo a que eu tenha direito." E era verdade.
Na chegada a Buenos Aires, houve uma dessas súbitas situações cômicas criadas por aquele homem carregado de conflitos: avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: "Vacunación, señor." Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: "Vacunación para usted también?" O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: "Agüenta a mão, se não a gente acaba em cana."
O dom mais surpreendente de Sérgio era esse trânsito livre entre as manifestações da vida. Ainda no dia de nossa chegada a Buenos Aires, eu o veria em atitudes múltiplas: durante o jogo dramático entre o Brasil e o Uruguai (o três a um da briga), ele deu um empurrão nos peitos dum argentino que insultava os brasileiros, chorou quando Paulo Valentim fez o terceiro gol, riu-se às gargalhadas quando o Garrincha passou indiferente entre uruguaios e entrou no ônibus com um sanduíche enorme na boca e outro na mão; e ainda conversou longamente comigo sobre suas aflições, depois de cear com entusiasmo.
Quando acordei, ele já andava pelo saguão, depois de ler os jornais todos, à cata de histórias do Mendonça Falcão - a máquina já destampada no quarto.
Fiquei seu amigo há mais de vinte anos, quando ele escrevia crônicas de música popular para a revista Sombra. Bonito, forte, elegante, inteligente, alegre, simpático - era um privilegiado sem ostentação. Só lhe faltava o dinheiro, como de resto ao grupo todo: mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.
Eustáquio Duarte, Lúcio Rangel, Luís Jardim, Cássio Fonseca, Jarbas Duarte eram diariamente pontuais no Pardellas; Zé Lins do Rego, Rosário Fusco, Santa Rosa, Jaime Adour da Câmara, Flávio de Aquino, Simeão Leal, Luis Santa Cruz e outros apareciam com freqüência. O jazz negro era o nosso alimento: Sérgio e seu tio Lúcio Rangel ensinaram ao resto da turma o que era puro nesse setor e o que se contaminara.
Por um momento, numa fase financeira mais dura, quase o acompanhei num gesto até certo ponto desesperado: o de escrever programas de rádio. Para ele foi o início duma vida de sucesso profissional e cruel desgaste físico. Na imprensa, no rádio e na televisão do Brasil a ascensão se confunde com a queda. Sucesso nesse terreno não é poder trabalhar menos e ganhar o suficiente: é trabalhar sempre mais. Vitorioso no Brasil é o jornalista que sempre encontra mercado de trabalho; e não preços mais altos. Só chega ao chamado certo nível de vida somando diversas atividades corrosivas.
O humorista começou a surgir no semanário Comício, excelente escola de descontração do estilo jornalístico, dirigido por Rubem Braga, e Joel Silveira, onde escreviam ainda Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Rafael Correia de Oliveira, Carlos Castelo Branco, Edmar Morel, onde também apareceram as primeiras crônicas de Antônio Maria e as primeiras reportagens de Pedro Gomes.
Digo o humorista profissional, porque o da convivência com os amigos vinha do tempo das peladas em Copacabana: Sandro Moreira, João Saldanha, Mauricinho Porto, George Rangel, Máriozinho de Oliveira, Carlos Peixoto e Carlinhos Niemeyer são alguns que se lembram das histórias engraçadas de Sérgio, o Bolão.
Sua vivacidade era tão instantânea que sempre a aceitei com naturalidade. Espantava-me, isto sim, seu discernimento, agudo, preciso, a respeito de tudo: uma canção, um cantor, um vestido, um quadro, uma atmosfera, uma situação complicada. Dizia em cima a palavra exata, a observação certa, o julgamento justo.
O contraditório é que pudesse fazer humorismo uma pessoa que possuía tanto senso das proporções e da verdade escondida. Seu humorismo, bem reparado, não era o usual, pelo contrário, ele fazia humor sem caricaturar o assunto. Bernard Shaw, quando queria fazer graça, dizia a verdade. Ele também fez graça falando verdades, descobrindo verdades, tendo a coragem de ser odiado por dizê-las.
Como todo homem de sensibilidade, precisava de amigos e afeto; mas desprezava os mesquinhos, os medíocres, os debilóides, os cretinos.
Seu gosto era certo. Amava os livros e os discos, milhares de discos, discos que ouvia às vezes enquanto trabalhava, atendendo ao telefone a todo instante, recebendo amigos, contando piadas, e continuando a batucar na máquina, insistindo para que o visitante ficasse, sob a afirmação (verdadeira) de que estava acostumado a escrever no meio da maior confusão.
Eu, que apesar de tarimbado, já começo a ficar afobado no fim deste mal enramado artigo, com a redação querendo saber se já pode mandar buscá-lo, lembro a tranqüilidade de Sérgio no meio do caos, e não entendo o segredo que o dotou ao mesmo tempo de extraordinária capacidade de trabalho e da calma que deve ser a dos monges tibetanos.
De que morreu Sérgio Porto? Do coração e do trabalho.
No fim do ano passado, nas vésperas de Natal, estivemos juntos em Brasília: ele se lamentou o tempo todo no dia da volta, dizendo que ficaria ali, na ociosidade do hotel, por um tempo indeterminado. Foi difícil arrancá-lo da cama ao anoitecer. Este ano viajamos novamente juntos para São Paulo e Belo Horizonte. Foi a mesma coisa. Queria descansar, transfigurando-se no repouso, encarando com horror as atividades que o esperavam no Rio.
Na nossa última noite em Belo Horizonte, ele, Fernando, Rubem, Gérson Sabino e eu jantamos num restaurante muito bonito, que tinha de tudo, menos comida mineira. Sérgio reclamou tristemente durante todo o jantar. Queria arroz, feijão, couve, lingüiça.
Não sei por que essa lembrança me comove e serve para fechar esta página que eu não queria triste. Que a tristeza fique conosco, os amigos que o amavam.
Bibliografia:
Como Stanislaw Ponte Preta:
- Tia Zulmira e Eu - Editora do Autor, 1961
- Primo Altamirando e Elas - Editora do Autor, 1962
- Rosamundo e os Outros - Editora do Autor, 1963
- Garoto Linha Dura - Editora do Autor, 1964
- FEBEAPÁ1 (Primeiro Festival de Besteira Que Assola o País), Editora do Autor, 1966
- FEBEAPÁ2 (Segundo Festival de Besteira Que Assola o Pais), Editora Sabiá, 1967
- Na Terra do Crioulo Doido - FEBEAPÁ3 - A Máquina de Fazer Doido - Editora Sabiá, 1968
Com o nome de Sérgio Porto:
- A Casa Demolida - Editora do Autor/1963 (Reedição ampliada e revista de O Homem ao Lado - Livraria. José Olympio Editores)
- As Cariocas - Editora Civilização Brasileira, 1967
Sobre o autor:
- Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta, Renato Sérgio, Ediouro, Rio de Janeiro, 1998.
*"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras de Sérgio Marcos Rangel Porto, aliás, Stanislaw Ponte Preta, ao morrer, vítima de um infarto, em setembro de 1968 (por sinal, se para muitos 1968 é o ano que não terminou, em relação a Stanislaw, o mais conspícuo e intimorato membro do clã dos Ponte Preta, certamente é o ano que jamais deveria ter existido — nós nunca conseguimos nos recuperar dessa perda). É que, com efeito, ele deixou uma lacuna que jamais foi sequer remotamente ameaçada de preenchimento, a ponto de ficar até difícil, num país tradicionalmente sem memória, explicar pra geração mais jovem o que e como era Stanislaw Ponte Preta, agora que se passaram trinta anos de seu prematuro e estúpido desaparecimento. Se vivo estivesse, Sérgio Porto estaria com 75 anos, idade ainda mais que suficiente para expor o ridículo do cotidiano e bafejar-nos do humor de que tanto carecemos. Como que já antecipando o que viria, ele mandou passar a régua e pedir o boné antes do que já intuía como inevitável (morreu pouco mais de dois meses antes da edição do AI-5, em dezembro de 1968, que mergulhou o país nas trevas do arbítrio e da truculência, e do qual ele seria inexoravelmente uma das primeiras vítimas). Esta é uma homenagem ao que ele foi e um lembrete para que as novas gerações saibam um pouco do que andaram perdendo.*
(Por sinal, um excelente livro sobre a flor dos Ponte Pretas acaba de ser lançado : Dupla Exposição : Sérgio Porto – Stanislaw Ponte Preta, de autoria de Renato Sérgio, Ediouro, do qual muitos dos excertos aqui presentes foram extraídos)
AS FRASES DE STANISLAW
Inúmeras frases, conceitos e bordões criados por Sérgio passaram à memória nacional, o que o tornava o mais autorizado intérprete de nosso cotidiano :
* Tem nêgo que adora virar fenômeno.
* Estava mais duro do que nádega de estátua.
* Parecia uma onça com sinusite.
* Mais incomodado do que um búfalo no verão da Dinamarca.
* Era um especialista em vias urinárias e não tinha preferências, qualquer que fosse a via, em sendo urinária, ele encarava.
* No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixam de acontecer.
* Uma nota novinha em folha, dessas que saem logo depois de uma revolução em emissão especial para cobrir as despesas democráticas.
* Carro é como mulher: só é bom pra quem tem dois.
* Mais feio que mudança de pobre.
* Estava tão mal que mais parecia reserva do Bonsucesso.
* Conversa de bêbado não tem dono.
* Antes só do que muito acompanhado.
* Quando aquele cavalheiro nervoso entrou no hospital dizendo "eu sou coronel eu sou coronel", o médico tirou o estetoscópio do ouvido e quis saber: "Fora esse, qual o outro mal do qual o senhor se queixa?"
* Ser imbecil é mais fácil.
* Mais remendado que paletó de mendigo.
* Não sei porque tem gente que acha que eu tenho que defender tudo, igual goleiro de Seleção.
* Está dando mais do que cará no brejo.
* Na idade de Tia Zulmira não existe desejo sexual, existe é reminiscência sexual, que é coisa bem diferente e muito menos cansativa.
* Mais monótono do que itinerário de elevador.
* Macrobiótica é um regime alimentar para quem tem 77 anos e quer chegar aos 78.
* Consciência é como vesícula, a gente só se preocupa com ela quando dói.
* Lavar a honra com sangue suja a roupa toda.
* Difícil dizer o que incomoda mais, se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante.
* Mania de grandeza é a desses suplementos literários que têm um aviso dizendo que é proibido vender separadamente.
* Se mosquito fosse malandro mordia antes e zunia depois.
* Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!
* Esperanto é uma língua universal que não se fala em lugar nenhum.
* Quem dá aos pobres e empresta, adeus!
* Levou um susto e ficou mais branco do que bunda de escandinavo.
* Ficou numa melancolia de pingüim no Piauí.
* Mais por fora do que umbigo de vedete.
* Tirante mulher, a gente só deve recomendar o que experimentou e gostou.
* O terceiro sexo já está quase em segundo.
* Em rio de piranha jacaré nada de costas.
* Se a senhora está mesmo disposta a se despir de todos os seus preconceitos então porque não tira logo as calcinhas também?
* Dono de cartório de protesto é uma espécie de cafetão da desgraça alheia.
* Minissaia é um traje que quando a mulher senta aparece o que a saia tinha obrigação de fazer sumir.
* Por mais eficaz que sejam os métodos novos de fazer criança, a turma jamais abandonara o antigo.
* A polícia prendendo bicheiros? Assim não é possível. Respeitemos ao menos as instituições
* O rapaz era militar e Flamengo, portanto duplamente supersticioso.
* Quando o casal começou a dançar o chá-chá-chá Tia Zulmira disse que já conhecia aquilo, apesar de que, de pé, era a primeira vez que via.
* A dúvida dele não era a de que pudesse não ser um homem mas a de que talvez nem chegasse a ser um rato.
* Mais inútil do que um vice-presidente.
* Há sujeitos tão inábeis que sua ausência preenche uma lacuna.
* Pra não se sentir diminuído no meio dos amigos, confessou: "Não é pra me gabar não, mas eu também sou meio tarado!"
* Era uma empregada tão perfeita que a patroa concordou em cozinhar para ela.
* Os valores morais são os únicos que conservaram os preços de antigamente.
* Ele tinha um medo terrível de se apaixonar pela esposa.
* Mais vale um filé no prato do que um boi no açougue.
* Quando estamos fora, o Brasil dói na alma; quando estamos dentro, dói na pele.
* Quando acabou aquele velório teve-se a impressão de que o morto ficou mais aliviado.
* Amor, dinheiro e lua, parando de crescer começam logo a diminuir.
* Nem todo rico tem carro, nem todo ronco é pigarro, nem toda tosse é catarro, nem toda mulher eu agarro.
* Coitado, freqüentou tantas noites de autógrafos que acabou alcoólatra.
* Se você não acredita que o reino do céu é aqui, repare então como os pobres de espírito se divertem.
* O cachorro abana o rabo quando quer agradar, a mulher, quando quer agrado.
* Mulher e livro, emprestou, volta estragado.
* O sol nasce para todos, a sombra pra quem é mais esperto. Alguns casos bem reveladores do "estilo Stanislaw"
Em vários episódios Sérgio Porto demonstrava seu excepcional humor e uma notável capacidade de viver :
*– Quando Sérgio ainda trabalhava no Banco do Brasil, era famosa e lamentada a truculência do responsável pela tesouraria, encarregado do pagamento, que tratava Sérgio e seus colegas muito mal. Foi um delírio geral, num dia de pagamento, quando Sérgio, após mais um festival de coices do tesoureiro, vingou a todos pregando em cima do guichê da tesouraria um cartaz com os dizeres : "É PROIBIDO ALIMENTAR OS ANIMAIS".
– O compositor paraense Billy Blanco, que se tornou famoso por sambas urbanos (Moço / olha o vexame / o ambiente exige respeito / pelos estatutos da nossa gafieira / dance a noite inteira / mas dance direíto. / Aliás, pelo artigo cento e vinte / cavalheiro que fizer o seguinte / subir na parede, dançar de pé pro ar / morar na bebida sem querer pagar / abusar da umbigada de maneira folgazã / prejudicando hoje o bom crioulo de amanhã / será distintamente censuradol e se balançar o corpo / tá na mão do delegado), entrava com Sérgio numa boate quando, no palco, alguém começou a cantar um samba de Chco Buarque. Sérgio parou de conversar para prestar atenção na música, bota a mão no ombro de Billy e decreta : "Meu amigo... você acaba de perder a faixa de ‘novo Noel Rosa’ !"
- Sobre a ubiqüidade de Vinícius de Morais, Sérgio um dia finalmente escreveu : "Confesso que descobri o segredo do coleguinha jornalístico, poeta, diplomata e telecotequista Vinícius de Moraes, numa tarde em que tomávamos umas e outras no bar Calypso, num desses crepúsculos vespertinos de Ipanema que já baixam pedindo chope. Estávamos lá entornando, quando chegou minha hora de subir para Petrópolis, onde a família passava os verões. 'Poetinha, vou me mandar', disse eu. Ele suspirou, ante a perspectiva de ficar sozinho, mas me desejou boa viagem. Cheguei à serra certo de que nenhum carro passara o meu na estrada. Parei na Avenida 15, entrei na Confeitaria Copacabana, olhei para as mesas e vi um camarada me saudando, lá de dentro. Olhei bem, era ele. Quem tem razão é Tia Zulmira, quando diz que Vínícius de Moraes, se fosse um só, seria Vinício de Moral."
- O travesti Rogéria era a Roberta Close do gênero, nos anos 60. Em homenagem a ela, e à turma do terceiro sexo, "já quase passando pra segundo", Stanislaw acabou fazendo a Marcha da Bicha Louca para ela: "Nunca mais quero sair fantasiado / Nunca mais quero brincar no carnaval / Nunca mais, ai, serei vaiado / Naquele baile do Municipal /... / Começou o desfile e a fofoca solta em pleno salão / Sonho de Messalina não sabe de quem levou um bofetão / Esplendor Renascentista foi desclassificado / Aí deu um pulo pra cima e caiu desmaiado /... / Me afastei do concurso, só não chorei porque não sou mulher / E mesmo que eu fosse, nunca seria como uma qualquer / Voltei pra casa carpindo a minha dor / Rasgado e amassado de Rei Nabucodonosor."
– Londres, 1966. Copa do Mundo. Em um hotel, Sérgio e outros jornalistas encarregados da cobertura da Copa esperam, no saguão, a vinda do coleguinha José Inácio Werneck. Aproveitando que estava na terra do fog, José Inácio vestiu-se a caráter, como um dandi : chapéu coco, paletó de tweed, sobretudo, guarda-chuva, foulard de seda, tudo arrematado com um cachimbo. Ao chegar no mezanino, que se abria para o saguão de entrada numa escadaria digna de Gilda (ou de Gloria Swanson, em Sunset Boulevard), Zé Inácio deu uma paradinha. Foi o que bastou para que Sérgio, lá de baixo, gritasse, decompondo-lhe todo o aplomb : — Zé ! Eu já vi esse filme !.... Cê morre no fim !....*
*Sérgio/Stanislaw, é outra lembrança de Renato Sérgio em "Dupla Exposição", também era cultura, não só anarquia. Por exemplo, sob o título de Dialeto Carioca, ele apontava para um linguajar específico de uma camada da população de uma certa cidade em determinada faixa de tempo, sinalizando uma fonte para divagações variadas, de lamentos saudosistas a teses sócio-antropológicas:*
"O material (1) foi se chegando, entregou a granolina (2) ao vida mansa (3) e lascou: "Na crista da minha onda ninguém pega jacaré (4)". O distinto morou logo que ela tinha quebrado algum galho (5) para sair do embaraço. O bom cabrito não berra e o seu mapa da mina (6) era bom cabrito e se estava bronqueando era porque a juriti tinha cantado em seu telhado (7). Perguntou o bicho que tinha dado (8) e ela foi logo dando o serviço (9). Disse que vinha beirando o asfalto (10) quando uns e outros (11) começaram a acampanar (12). Fez a otária (13) mas o cara vinha de pisante (14) firme no reboque (15) doido pra salivar (16) a proposta. Era muita soberba (17) da parte dele querer apanhá-la assim no simplesmente. E acrescentou: Por acaso ele não residiu (18) logo que eu não sou de arreglo fácil (19)?" Pelo jeito tinha castigado umas cangibrinas (20) e não estava custando muito para apagar (21). Ela ainda olhou em volta para ver se algum chapinha de fé (22) podia lhe valer, mas o cara já tinha atracado (23), Foi nesse momento que os passageiros do condução gratuita (24) saltaram na esquina e vieram com pinta (25) de quem vai autuar. 0 tira (26) que vinha na frente disse: "Nos trotuá da vida, né, sua folgada?" E segurou-a pelo braço pra metê-la na viatura. "Comigo não tem bronca, meu compadre!" Abriu a caixa (27) devagar e palmeou um retrato novinho do descobridor na mão dele, por trás do biombo (28). Aí foi mole (29) 0 trio sentiu o calor da erva (30) e amoleceu legal. "já vi que estou falando com uma dama compreensiva!", falou. Se mandou (31) para a viatura e ela já ia em frente quando o otário voltou à retranca (32). Mas aí já era outro enredo (33). Entrou em negociações com o indigitado e, depois de um serviço rápido, tomou quatro retratos do almirante (34). Um pelo gasto que tivera e três de juros. Sim, porque ela não se virava (35) pra sustentar o pessoal da Vigilância (36). 0 vida mansa jogou o fumador (37) longe e perguntou: Se tomou três de juros, como é que só me entregou dois?" Ela ia dizendo que do outro cabral ia precisar, mas como ele ameaçou soltar o sarrafo (38) entregou o dinheiro todo e ainda exclamou, sorrindo: "Tu é fogo no paiol (39) né, deputado?"
Traduzindo:
1 - mulher de vida fácil; mundana, prostituta. 2 - dinheiro; 3 - gigolô; 4 - fazer alguém de bobo; 5 -contornar uma dificuldade; 6 - mulher que sustenta homem; 7 - estar em perigo; 8 - ocorrência; 9 -relatar; 10 - caminhar pela calçada; 11 - desconhecidos; 12 - observar; 13 - simplória; 14 - pé; 15 -seguir com insistência; 16 - propor com palavras; 17 - audácia; 18 - entender; 19 - receber pouco dinheiro por um serviço; 20 - cachaças; 21 dormir; 22 - amigo; 23 - abordado; 24 - carro de presos; 25 - com jeito; 26 - policial; 27 - bolsa; 28 - discretamente; 29 - fácil; 30 - dinheiro na mão; 31 - ir embora; 32 - tornar a seguir; 33 - história; 34 - cédulas de mil cruzeiros; 35 - exercer atividade pouco honesta; 36 - polícia; 37 - cigarro; 38 - bater; 39 - perigoso; 40 - que convence pela oratória. O CADERNINHO DO LALAU Quem tem hoje mais de 40 anos, não precisará de maiores esclarecimentos a respeito da beleza e da exuberância dessas mulheres (nunca esquecendo que algumas delas ainda estão por aí, e que, quando Stanislaw vivia, elas tinham mais de trinta anos a menos na quilometragem. A grande maioria delas, as vedetes, que integravam as "certinhas do Lalau", e pertenciam ao chamado "teatro rebolado", teve romances com Sérgio. Este é o último dos caderninhos de telefones do neto da dona Arminda :
Angelita Martinez 379663, Anilza Leoni 576911, Aracy de Almeida 294145, Aizita 561242, Annik Malvill 577522 recados, Aida Campos 271348, Andréa 578369, Blanche Mur 570178, Brigitte Blair 473242 ou 363424, Bibi Ferreira 256649, Betty Faria 578267, Cléa Soares 328219, Consuelo Leandro 472603, Carminha Mascarenhas 361774, Carmen Verônica 476347, Celeneh Costa 579138, Conchita Mascarenhas 364817, Cyriara 568115, Diana Morell 376388 ou 371367, Delly de Azevedo 470124, Dercy Gonçalves 375051, Darlene Glória 364524, Dulce Nunes 277952, Debora Dinarte 376076, Dirce Porto 371282, Eneida 367967, Elizabeth Gasper 477526, Elsie Lessa 372018, Eloina 579282, Elizeth Cardoso 259525, Esmeralda Barros 274686, Ema D'Ávila 365017, Elza Soares 452581, Eliana Pittman 570994, Eva Wilma 279374, Evelyn Rios 465871, Fernanda Montenegro 464503, Gilda Aranha 373810, Gigi do Baccarat 267125, Gina Le Feu 228201, Helena Amaral 577814, Hilde Weber 373728, Helena Sangirardi 273425, ítala Nandi 270701, Irene Ravache 447993, lona Magalhães 376214, Irma Alvares 365979, 11ka Soares 365946, Julie Joy 573067, Jussara Lupe 564203, Katia 270077 (que no trabalho era Mariza, 425731), Lana Bittencourt 261810, Luely Figueiró 360232 recados, Linda Batista 360269, Lenita Bruno 277983, Lúcia Lamour 472073, Lygia Rinelli 476437, Lílian Fernandes 570253, Marly Tavares 424306, Maria Pompeu 367110, Míriam Pérsia 477279, Marilu Bueno 360614, Magda 377242, Mara Abrantes 572058, Maria Augusta 363711, Mirthes Paranhos 578885, Márcia Rodrigues 362306, Maria da Glória 363498, Marivalda 571719, Marina Montini 560344, Marlene 476201, Nathalia Timberg 370580, Nilsa Benes 340723, Norma Bengell 371904, Neuzinha Toda Hora 371083, Nair Bello 271673, Nancy Wanderley 471561, Nelly Martins 439735, Nádia Maria 464836, Nelia Paula 570611, Nara Leão 378045, Odete Lara 479911, Patrícia Lacerda 274830, Rosali Rondelli 573042, Regina Rosemburgo 279502, Rosana Toledo 329263 BH, Rosinha Lorcal 476677, Renata Fronzi 471917, Rosita Lopes 423191, Rosemarie Sulquer 473892, Sagramor de Scuvero 458655, Sílvia Fernanda 370364, Sônia Corrêa 579535, Sandra Sandré 363399, Silvinha Telles 375159 ou 577245, Sônia Müller 570437, Sônia Clara 370768, Thelma Elita 457583,Têreza Rachel 254774, Thaís Muniz Portinho 577873, Tereza Souza Campos 371947, Tônia Carrero 466076, Tati de Moraes 276579, Terezinha Elisa 276297, Vanja Orico 450211, Vêra Vianna 373127, Wanda Moreno 563394, Yara Côrtes 373662, Zélia Hoffman 365646 e Zélia Martins 370675.
(Nomes e números na dependência direta do objetivo, uma ligada para Dercy Gonçalves, Linda Batista, Eneida ou Elsie Lessa, evidentemente não tinha a mesma finalidade de um alô para Gina Le Feu, Lúcia Lamour ou Neuzinha Toda Hora.)
Como se vê o orgulho dos Ponte Preta jamais foi de chupar picolé pelo pauzinho. **Uma homenagem ao Sérgio Porto no ano que comemoramos 40 anos de sua partida.
*pesquisa realizada em sites da internet ************************************************** |
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A Maravilha que Deve Ser Escrever um Livro |
em 08/10/2008 12:30:00 (4158 leituras) |
(...) a maravilha que deve ser escrever um livro: a invenção dentro da memória; a memória dentro da invenção; e toda essa cavalgada de uma grande fuga, todo esse prodígio de umas poligâmicas núpcias, secretas e arrebatadas, com a feminina multidão das palavras: as que se entregam, as que se esquivam; as que é preciso perseguir, seduzir, ludibriar; as que por fim se deixam capturar, palpar, despir, penetrar e sorver, assim proporcionado, antes de se evaporarem, as horas supremas de um amor feliz. Não há matéria mais carnalmente incorpórea; nem outra mais disposta a por amor ser fecundada. Como se pode interpretar de outro modo esse velho lugar-comum de ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro? Só se em todos os casos se tratar de grandes e inevitáveis actos de amor: com a Mulher, com a Terra, com a Língua. Mas de plantar árvores e ter filhos haverá sempre muita gente que se encarregue. De destruir árvores também; de estragar filhos igualmente. Em compensação, um livro, um livro que viva, multiplicado, durante alguns anos ou alguns séculos, e que depois vá morrendo, sem ninguém dar por isso, mas nunca de uma só vez, até ser enterrado na maior discrição ou até se ver de súbito renascido, inesperadamente ressuscitado, um livro com semelhante destino - luminoso por mais obscuro, obscuro por mais luminoso -, isto é que foi sempre o que me empolgou.
David Mourão-Ferreira, in 'Um Amor Feliz'
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Vida e Obra |
em 08/10/2008 11:50:00 (11391 leituras) |
David de Jesus Mourão-Ferreira nasceu em 24 de Fevereiro de 1927 e faleceu em 16 de Junho de 1996.
Escritor e professor universitário português, natural de Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica em 1951. Foi professor do ensino técnico e do ensino liceal e, em 1957, iniciou a sua carreira de professor universitário na Faculdade de Letras de Lisboa. Afastado desta actividade entre 1963 e 1970, por motivos políticos, foi professor catedrático convidado da mesma instituição a partir de 1990. Entretanto, mantivera nos anos 60 programas culturais de rádio e televisão. Em 1963 foi eleito secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores e, já nos anos 80, presidente da Associação Portuguesa de Escritores. Logo após o 25 de Abril de 1974, foi director do jornal A Capital. Secretário de Estado da Cultura em vários governos entre 1976 e 1978, foi também director-adjunto do jornal O Dia entre 1975 e 1976. Responsável pelo Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian a partir de 1981, dirigiu, desde 1984, a revista Colóquio/Letras, da mesma instituição. A sua carreira literária teve início em 1945, com a publicação de alguns poemas na revista Seara Nova. Três anos mais tarde, ingressou no Teatro-Estúdio do Salitre e no Teatro da Rua da Fé. Publicou as peças Isolda (1948), Contrabando (1950) e O Irmão (1965). Em 1950, foi um dos co-fundadores da revista literária Távola Redonda, que se assumiu como veículo de uma alternativa à literatura empenhada, de realismo social, que então dominava o panorama cultural português, defendendo uma arte autónoma. Em 1950, publicou o seu primeiro volume de poesia — Secreta Viagem. David Mourão-Ferreira colaborou ainda nas revistas Graal (1956-1957) e Vértice e em vários jornais, como o Diário Popular e O Primeiro de Janeiro. Foi poeta, romancista, crítico e ensaísta. A sua poesia caracteriza-se pelas presenças constantes da figura da mulher e do amor, e pela busca deste como forma de conhecimento, sendo considerado como um dos poetas do erotismo na literatura portuguesa. A vivência do tempo e da memória são também constantes na sua obra, marcada, a nível do estilo, por uma demanda permanente de equilíbrio, de que resulta uma escrita tensa, e pela contenção da força lírica e sensível do poeta numa linguagem rigorosa, trabalhada, de grande riqueza rítmica, melódica e imagística, que fazem dele um clássico da modernidade. Entre os seus livros de poesia encontram-se Tempestade de Verão (1954, Prémio Delfim Guimarães), Os Quatro Cantos do Tempo (1958), In Memoriam Memoriae (1962), Infinito Pessoal ou A Arte de Amar (1962), Do Tempo ao Coração (1966), A Arte de Amar (1967, reunião de obras anteriores), Lira de Bolso (1969), Cancioneiro de Natal (1971, Prémio Nacional de Poesia), Matura Idade (1973), Sonetos do Cativo (1974), As Lições do Fogo (1976), Obra Poética (1980, inclui as obras À Guitarra e À Viola e Órfico Ofício), Os Ramos e os Remos (1985), Obra Poética, 1948-1988 (1988) e Música de Cama (1994, antologia erótica com um livro inédito). Ensaísta notável, escreveu Vinte Poetas Contemporâneos (1960), Motim Literário (1962), Hospital das Letras (1966), Discurso Directo (1969), Tópicos de Crítica e de História Literária (1969), Sobre Viventes (1976), Presença da «Presença» (1977), Lâmpadas no Escuro (1979), O Essencial Sobre Vitorino Nemésio (1987), Nos Passos de Pessoa (1988, Prémio Jacinto do Prado Coelho), Marguerite Yourcenar: Retrato de Uma Voz (1988), Sob o Mesmo Tecto: Estudos Sobre Autores de Língua Portuguesa (1989), Tópicos Recuperados (1992), Jogo de Espelhos (1993) e Magia, Palavra, Corpo: Perspectiva da Cultura de Língua Portuguesa (1989). Na ficção narrativa, estreou-se em 1959 com as novelas de Gaivotas em Terra (Prémio Ricardo Malheiros), os contos de Os Amantes (1968), e ainda As Quatro Estações (1980, Prémio da Crítica da Associação Internacional dos Críticos Literários), Um Amor Feliz, romance que o consagrou como ficcionista em 1986 e que lhe valeu vários prémios, entre os quais o Grande Prémio de Romance da APE e o Prémio de Narrativa do Pen Clube Português, e Duas Histórias de Lisboa (1987). Deixou ainda traduções e uma gravação discográfica de poemas seus intitulada «Um Monumento de Palavras» (1996). Alguns dos seus textos foram adaptados à televisão e ao cinema, como, por exemplo, Aos Costumes Disse Nada, em que se baseou José Fonseca e Costa para filmar, em 1983, «Sem Sombra de Pecado». David Mourão-Ferreira foi ainda autor de poemas para fados, muitos deles celebrizados por Amália Rodrigues, tal como «Madrugada de Alfama». Recebeu, em 1996, o Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Obras:
Obras de poesia 1950 - A Secreta Viagem 1954 - Tempestade de Verão (Prémio Delfim Guimarães) 1958 - Os Quatro Cantos do Tempo 1962 - In Memoriam Memoriae 1962 - Infinito Pessoal ou A Arte de Amar 1966 - Do Tempo ao Coração 1967 - A Arte de Amar (reunião de obras anteriores) 1969 - Lira de Bolso 1971 - Cancioneiro de Natal (Prémio Nacional de Poesia) 1973 - Matura Idade 1974 - Sonetos do Cativo 1976 - As Lições do Fogo 1980 - Obra Poética (inclui À Guitarra e À Viola e Órfico Ofício) 1985 - Os Ramos e os Remos 1988 - Obra Poética, 1948-1988 1994 - Música de Cama (antologia erótica com um livro inédito).
Obras de ficção narrativa
1959 - Novelas de Gaivotas em Terra (Prémio Ricardo Malheiros) 1968 - Os contos de Os Amantes 1980 - As Quatro Estações (Prémio Associação Internacional dos Críticos Literários) 1986 - Um Amor Feliz (Romance que o consagrou como ficcionista valendo-lhe vários prémios) 1987 - Duas Histórias de Lisboa
Academia Brasileira de Letras
O escritor Mourão-Ferreira foi escolhido para ocupar, na categoria de Sócio Correspondente, a Cadeira número 5, que tem por Patrono Dom Francisco de Sousa. Sua eleição deu-se em 1981, sendo ali o quinto ocupante até 1996.
*pesquisa realizada em sites da internet. ************************************************** |
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Reinvenção |
em 08/10/2008 10:00:00 (12341 leituras) |
A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... — mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projecto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço... Só — no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva, fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
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O Sertanejo Falando |
em 08/10/2008 09:30:00 (11449 leituras) |
O Sertanejo Falando João Cabral de Melo Neto
1. A fala a nível do sertanejo engana: as palavras dele vêm, como rebuçadas (palavras confeito, pílula), na glace de uma entonação lisa, de adocicada. Enquanto que sob ela, dura e endurece o caroço de pedra, a amêndoa pétrea, dessa árvore pedrenta (o sertanejo) incapaz de não se expressar em pedra.
2. Daí porque o sertanejo fala pouco: as palavras de pedra ulceram a boca e no idioma pedra se fala doloroso; o natural desse idioma fala à força. Daí também porque ele fala devagar: tem de pegar as palavras com cuidado, confeitá-la na língua, rebuçá-las; pois toma tempo todo esse trabalho.
(A educação pela pedra, 1962-1965)
Fonte: www.academia.org.br O Sertanejo Falando (João Cabral de Melo Neto
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Vida e Obra |
em 07/10/2008 09:50:00 (9054 leituras) |
Apresentando:
Robert Lee Frost nasceu San Francisco, Califórnia, 26 de março de 1874 e faleceu em 29 de janeiro de 1963. Foi um dos mais importantes poetas dos Estados Unidos do século XX. Frost recebeu quatro prêmios Pulitzer.
O pai bebia, jogava e era excêntrico e irascível. A mãe era o oposto: religiosa e culta, foi quem apresentou ao filho o mundo da literatura. Com a morte do pai em 1885, a família muda-se para a Nova Inglaterra, região à qual Frost e sua poesia seriam permanentemente associados no futuro (embora o poeta também tenha passado longas temporadas em Michigan e na Flórida).
Em 1890, publica seu primeiro poema, começa a dar aulas e realiza pequenos serviços em fazendas e moinhos. A vida que levava nesse período moldou sua personalidade poética: Frost foi um dos poetas norte-americanos que melhor combinou em seus versos o popular e o moderno, o local e o universal.
Em 1895, inicia-se uma nova fase em sua vida: casa-se com Elinor White em 19 de dezembro; o primeiro filho nasce no ano seguinte (teria seis ao todo), e passa a envolver-se cada vez mais com a vida no campo: em 1901 já administra sua própria fazenda. Adquire o hábito de escrever seus poemas à noite, na mesa da cozinha. A partir de 1906, quando começa a lecionar em tempo integral na Pinkerton Academy, a vida profissional de Frost não se dissociaria mais do ramo das letras. Começa a proferir palestras e conferências, atividade que não abandonaria até a morte.
Entre 1912 e 1915 viveu na Inglaterra, país onde publicou seus dois primeiros livros de poemas, A Boy’s Will (1913) e North of Boston (1914). Os livros foram bem recebidos pela crítica européia, e Frost é apresentado a poetas famosos, como Ezra Pound, Ford Madox Ford e W. B. Yeats.
Em 1915 volta aos Estados Unidos, e no mesmo ano publica em seu país natal seus dois primeiros livros. Com a carreira literária cada vez mais sólida, recebe o Pulitzer em duas ocasiões (1924, por New Hampshire, e 1931, por Collected Poems).
A morte da esposa em 1938 e o suicídio da filha Carol em 1940 causaram um impacto tremendo em sua estabilidade emocional. Em 1941, muda-se para Cambridge, onde viveria pelo resto da vida, o tempo todo assessorado por sua secretária Kathleen Morrison (logo em seguida à morte da esposa, Frost a pedira em casamento, mas Kathleen recusou).
As viagens como conferencista incluíram uma visita ao Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) em agosto de 1954. Em 1957 volta a visitar a Europa, ocasião em que conhece grandes nomes da literatura da época: W. H. Auden, E. M. Forster, Cecil Day Lewis, Graham Greene. Plenamente reconhecido como um dos maiores poetas norte-americanos do século, Robert Frost morre em 29 de janeiro de 1963.
Obra:
A produção literária de Frost é variada e abundante. Sua poesia inclui sonetos, poemas em forma de diálogo, poemas curtos, poemas longos. Escreveu três peças teatrais (A Way Out, In an Art Factory e The Guardeen). São numerosíssimos os registros de suas conferências. A correspondência, os ensaios e as histórias merecem o mesmo comentário. Frost tem a capacidade de dar um tratamento simples e ao mesmo tempo profundo a temas elementares (fogo, gelo, natureza), tirando verdadeiras "lições de moral" de suas observações do mundo natural (lições nem sempre otimistas, como se pode notar em Nothing Gold Can Stay). Tal traço, aliado à modernidade de sua linguagem (Frost era um defensor do uso da linguagem vernácula nas obras literárias), fez com que Frost jamais deixasse de figurar entre os escritores prediletos dos norte-americanos, ao lado de nomes como Whitman, Emerson e Thoreau. Seu poema The Road Not Taken é peça obrigatória em qualquer antologia poética de língua inglesa. Prova adicional de sua popularidade são as várias referências em filmes como Sociedade dos Poetas Mortos e Daunbailó.
- A Boy's Will
- North of Boston
- Mountain Interval
- New Hampshire
- West-Running Brook
Frases:
"Amor é o desejo irresistível de ser irresistívelmente desejado." (Robert Frost)
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"As melhores coisas e as melhores pessoas nascem da diferença. Sou contra uma sociedade homogênea porque eu quero que a nata se eleve." (Robert Frost)
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"Poesia é quando uma emoção encontra seu pensamento e o pensamento encontra palavras." (Robert Frost)
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"Escrever verso livre é o mesmo que jogar tênis com a rede arriada." (Robert Frost)
*pesquisa realizada em sites da internet.
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A felicidade |
em 06/10/2008 16:00:00 (12204 leituras) |
Tristeza não tem fim Felicidade sim
A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranquila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Para fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira Para tudo se acabar na quarta-feira
Tristeza não tem fim Felicidade sim
A felicidade é como a pluma Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar
A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor Para que ela acorde alegre com o dia Oferecendo beijos de amor
in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"
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A lição de poesia |
em 06/10/2008 14:30:00 (8730 leituras) |
A lição de poesia João Cabral de Melo Neto 1.
Toda a manhã consumida como um sol imóvel diante da folha em branco: princípio do mundo, lua nova.
Já não podias desenhar sequer uma linha; um nome, sequer uma flor desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado, cada dia comprado, do papel, que pode aceitar, contudo, qualquer mundo.
2.
A noite inteira o poeta em sua mesa, tentando salvar da morte os monstros germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas de palavras, circulando, urinando sobre o papel, sujando-o com seu carvão.
Carvão de lápis, carvão da idéia fixa, carvão da emoção extinta, carvão consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel que o poeta evita, luta branca onde corre o sangue de suas veias de água salgada.
A física do susto percebida entre os gestos diários; susto das coisas jamais pousadas porém imóveis - naturezas vivas.
E as vinte palavras recolhidas as águas salgadas do poeta e de que se servirá o poeta em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas de que conhece o funcionamento, a evaporação, a densidade menor que a do ar. Home A lição de poesia (João Cabral de Melo Neto
FONTE: PORTAL SÃO FRANCISCO
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Consolo na praia |
em 04/10/2008 16:50:00 (10872 leituras) |
Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis carro, navio, terra. Mas tens um cão.
Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros.
Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho.
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Dez chamamentos ao amigo [completo] |
em 03/10/2008 15:10:00 (22831 leituras) |
I
Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há um tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.
II
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me. E eu te direi que o nosso tempo é agora. Esplêndida altivez, vasta ventura Porque é mais vasto o sonho que elabora Há tanto tempo sua própria tessitura. Ama-me. Embora eu te pareça Demasiado intensa. E de aspereza. E transitória se tu me repensas.
III
Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado Faria do meu rosto de parábola Rede de mel, ofício de magia E naquela encantada livraria Onde os raros amigos me sorriam Onde a meus olhos eras torre e trigo Meu todo corajoso de Poesia Te tomava. Aventurança, amigo, Tão extremada e larga E amavio contente o amor teria sido.
IV
Minha medida? Amor. E tua boca na minha Imerecida. Minha vergonha? O verso Ardente. E o meu rosto Reverso de quem sonha. Meu chamamento? Sagitário Ao meu lado Enlaçado ao Touro. Minha riqueza? Procura Obstinada, tua presença Em tudo: julho, agosto Zodíaco antevisto, página Ilustrada de revista Editorial, jornal Teia cindida. Em cada canto da Casa Evidência veemente Do teu rosto.
V
Nós dois passamos. E os amigos E toda minha seiva, meu suplício De jamais te ver, teu desamor também Há de passar. Sou apenas poeta E tu, lúcido, fazedor da palavra, Inconsentido, nítido Nós dois passamos porque assim é sempre. E singular e raro este tempo inventivo Circundando a palavra. Trevo escuro Desmemoriado, coincidido e ardente No meu tempo de vida tão maduro.
VI
Foi Julho sim. E nunca mais esqueço. O ouro em mim, a palavra Irisada na minha boca A urgência de me dizer em amor Tatuada de memória e confidência. Setembro em enorme silêncio Distancia meu rosto. Te pergunto: De Julho em mim ainda te lembras? Disseram-me os amigos que Saturno Se refaz este ano. E é tigre E é verdugo. E que os amantes Pensativos, glaciais Ficarão surdos ao canto comovido. E em sendo assim, amor, De que me adianta a mim, te dizer mais?
VII
Sorrio quando penso Em que lugar da sala Guardarás o meu verso. Distanciado Dos teus livros políticos? Na primeira gaveta Mais próxima à janela? Tu sorris quando lês Ou te cansas de ver Tamanha perdição Amorável centelha No meu rosto maduro? E te pareço bela Ou apenas te pareço Mais poeta talvez E menos séria? O que pensa o homem Do poeta? Que não há verdade Na minha embriaguez E que me preferes Amiga mais pacífica E menos aventura? Que é de todo impossível Guardar na tua sala Vestígio passional Da minha linguagem? Eu te pareço louca? Eu te pareço pura? Eu te pareço moça? Ou é mesmo verdade Que nunca me soubeste?
VIII
De luas, desatino e aguaceiro Todas as noites que não foram tuas. Amigos e meninos de ternura Intocado meu rosto-pensamento Intocado meu corpo e tão mais triste Sempre à procura do teu corpo exato. Livra-me de ti. Que eu reconstrua Meus pequenos amores. A ciência De me deixar amar Sem amargura. E que me dêem Enorme incoerência De desamar, amando. E te lembrando - Fazedor de desgosto - Que eu te esqueça.
IX
Esse poeta em mim sempre morrendo Se tenta repetir salmodiado: Como te conhecer, arquiteto do tempo Como saber de mim, sem te saber? Algidez do teu gesto, minha cegueira E o casto incendiado momento Se ao teu lado me vejo. As tardes Fiandeiras, as tardes que eu amava, Matéria de solidão, íntimas, claras Sofrem a sonolência de umas águas Como se um barco recusasse sempre A liquidez. Minhas tardes dilatadas Sobreexistindo apenas Porque à noite retomo minha verdade: teu contorno, teu rosto álgido sim E por isso, quem sabe, tão amado.
X
Não é apenas um vago, modulado sentimento O que me faz cantar enormemente A memória de nós. É mais. É como um sopro De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso É como se a despedida se fizesse o gozo De saber Que há no teu todo e no meu, um espaço Oloroso, onde não vive o adeus. Não é apenas vaidade de querer Que aos cinqüenta Tua alma e teu corpo se enterneçam Da graça, da justeza do poema. É mais. E por isso perdoa todo esse amor de mim E me perdoa de ti a indiferença.
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Tecendo a manhã |
em 03/10/2008 14:10:00 (9226 leituras) |
1 Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. 2 E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
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Vida e Obra |
em 30/09/2008 14:50:00 (4465 leituras) |
Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, nasceu a 23 de Novembro de 1930 no Funchal, ilha da Madeira, no seio de uma família de origem judaica.
Em 1946, com 16 anos, viaja para Lisboa para freqüentar o 6º e o 7º ano do curso liceal. Em 1948, matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra e, em 1949, muda para a Faculdade de Letras onde freqüenta, durante três anos, o curso de Filologia Romântica, não tendo terminado o curso. Três anos mais tarde regressa a Lisboa, começando por trabalhar durante algum tempo na Caixa Geral de Depósitos e depois como angariador de publicidade, sendo que durante este tempo vive, por razões de ordem vária e pessoal, numa «casa de passe».
Em 1954, data da publicação do seu primeiro poema em Coimbra, regressa à Madeira onde trabalha como meteorologista, seguindo depois para a ilha de Porto Santo. Quando em 1955 regressa a Lisboa, freqüenta o grupo do Café Gelo, de que fazem parte nomes como Mário Cesariny, Luiz Pacheco, António José Forte, João Vieira e Hélder Macedo. Durante esse período trabalha como propagandista de produtos farmacêuticos e redator de publicidade, vivendo com rendimentos baixos. Três anos mais tarde, em 1958, publica o seu primeiro livro, O Amor em Visita. Durante os anos que se seguiram vive em França, Holanda e Bélgica, países nos quais exerce profissões pobres e marginais, tais como: operário no arrefecimento de lingotes de ferro numa forja, criado numa cervejaria, cortador de legumes numa casa de sopas, empacotador de aparas de papéis e policopista. Em Antuérpia, viveu na clandestinidade e foi guia dos marinheiros no submundo da prostituição.
Repatriado em 1960, torna-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, percorrendo as vilas e aldeias do Baixo Alentejo, Beira Alta e Ribatejo. Nos dois anos seguintes publica os livros A Colher na Boca, Poemacto e Lugar. Em 1963 começa a trabalhar para a Emissora Nacional com redator de noticiário internacional, período durante o qual vive em Lisboa. Ainda nesse mesmo ano publica Os Passos em Volta e produz A máquina de emaranhar paisagens. Em 1964 trabalha nos serviços mecanográficos de uma fábrica de louça, datando desse ano a sua participação na organização da revista Poesia Experimental. Nesse ano reedita ainda Os Passos em Volta, escreve «Comunicação Acadêmica» e publica Electronicolírica. Em 1966 participa na co-organização do segundo número da revista Poesia Experimental e no ano seguinte publica Húmus, Retrato em Movimento e Ofício Cantante. Data de 1968 a sua participação na publicação de um livro sobre o Marquês de Sade, o que o leva a ser envolvido num processo judicial no qual foi condenado. Porém, devido às repercussões deste episódio consegue obter suspensão de pena, fato este que não conseguiu evitar que fosse despedido da Rádio e da Televisão portuguesas. Refugia-se na publicidade e, posteriormente, numa editora onde desempenha o cargo de co-gerente e diretor literário. Ainda nesse ano publica os livros Apresentação do Rosto, que foi suspenso pela censura, O Bebedor Noturno e ainda Kodak e Cinco Canções Lacunares.
Em 1970 viaja por Espanha, França, Bélgica, Holanda e Dinamarca, publicando nesse ano a terceira edição de Os Passos em Volta e escreve Os Brancos Arquipélagos. Em 1971 desloca-se para Angola onde trabalha como redator numa revista. Enquanto repórter de guerra é vitima de um grave desastre tendo que ser hospitalizado durante três meses. Data ainda desse ano a publicação de Vocação Animal e a produção de Antropofagias. Regressa a Lisboa e parte de novo, desta vez para os E.U.A., em 1973, ano durante o qual publica Poesia Toda, obra que contém toda a sua produção poética, e faz uma tentativa frustrada de publicar Prosa Toda. Em 1975 passa alguns meses na França e Inglaterra, regressando posteriormente a Lisboa onde trabalha na rádio e em revistas, meios restritos de sobrevivência econômica. Em 1976, Herberto Helder participa na edição e organização da revista Nova que, sendo posterior à revolução de 25 de Abril de 1974, reconhecia na Literatura portuguesa características que a aproximaram às Literaturas latino-americana, africana e espanhola, declinando uma direção literária revolucionária cuja atividade não ultrapassou o plano teórico devido à instabilidade política portuguesa que se fazia sentir na altura. Nos anos que se seguiram publicou as obras Cobra, O Corpo, O Luxo, A Obra e Photomaton e Vox. A última referência encontrada da instabilidade biográfica de Herberto Helder referia-se ao fato de o poeta ter abandonado todas as suas anteriores atividades e de viver no mais cioso dos anonimatos.
*Texto biográfico publicado no site da Universidade Nova de Lisboa - FCSH Centro de Investigação para Tecnologias Interativas
Poesia:
Poesia – O Amor em Visita (1958) A Colher na Boca (1961) Poemacto (1961) Retrato em Movimento (1967) O Bebedor Nocturno (1968) Vocação Animal (1971) Cobra & etc. (1977) O Corpo o Luxo a Obra (1978) Photomaton & Vox (1979) Flash (1980) A Cabeça entre as Mãos (1982) As Magias (1987) Última Ciência (1988) Do Mundo, (1994) Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973) Poesia Toda (1ª ed. em 1981)
Ficção:
Os Passos em Volta (1963) Apresentação do Rosto (1968).
*pesquisa realizada em sites da internet ************************************************** |
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Stella |
em 29/09/2008 13:10:00 (4308 leituras) |
Já raro e mais escasso A noite arrasta o manto, E verte o último pranto Por todo o vasto espaço.
Tíbio clarão já cora A tela do horizonte, E já de sobre o monte Vem debruçar-se a aurora
À muda e torva irmã, Dormida de cansaço, Lá vem tomar o espaço A virgem da manhã.
Uma por uma, vão As pálidas estrelas, E vão, e vão com elas Teus sonhos, coração.
Mas tu, que o devaneio Inspiras do poeta, Não vês que a vaga inquieta Abre-te o úmido seio?
Vai. Radioso e ardente, Em breve o astro do dia, Rompendo a névoa fria, Virá do roxo oriente.
Dos íntimos sonhares Que a noite protegera, De tanto que eu vertera. Em lágrimas a pares.
Do amor silencioso. Místico, doce, puro, Dos sonhos do futuro, Da paz, do etéreo gozo,
De tudo nos desperta Luz de importuno dia; Do amor que tanto a enchia Minha alma está deserta.
A virgem da manhã Já todo o céu domina . . . Espero-te, divina, Espero-te, amanhã.
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Essa negra fulô |
em 26/09/2008 21:40:00 (68931 leituras) |
Ora, se deu que chegou (isso já faz muito tempo) no bangüê dum meu avô uma negra bonitinha, chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá) — Vai forrar a minha cama pentear os meus cabelos, vem ajudar a tirar a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô! ficou logo pra mucama pra vigiar a Sinhá, pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá) vem me ajudar, ó Fulô, vem abanar o meu corpo que eu estou suada, Fulô! vem coçar minha coceira, vem me catar cafuné, vem balançar minha rede, vem me contar uma história, que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa que vivia num castelo que possuía um vestido com os peixinhos do mar. Entrou na perna dum pato saiu na perna dum pinto o Rei-Sinhô me mandou que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! Vai botar para dormir esses meninos, Fulô! "minha mãe me penteou minha madrasta me enterrou pelos figos da figueira que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá Chamando a negra Fulô!) Cadê meu frasco de cheiro Que teu Sinhô me mandou? — Ah! Foi você que roubou! Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra levar couro do feitor. A negra tirou a roupa, O Sinhô disse: Fulô! (A vista se escureceu que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê meu lenço de rendas, Cadê meu cinto, meu broche, Cadê o meu terço de ouro que teu Sinhô me mandou? Ah! foi você que roubou! Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar sozinho a negra Fulô. A negra tirou a saia e tirou o cabeção, de dentro dêle pulou nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê, cadê teu Sinhô que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô! FONTE: JORNAL DA POESIA ************************************************** |
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As Satrapias |
em 26/01/2009 12:50:00 (9375 leituras) |
por Pablo Neruda
Nixon, Frei e Pinochet, até hoje, até este amargo mês de setembro do ano de 1973, com Bordaberry, Garrastazu e Banzer, hienas vorazes de nossa história, roedores das bandeiras conquistadas com tanto sangue e tanto fogo, atolados em suas riquezas, depredadores infernais, sátrapas mil vezes vendidos e vendedores, atiçados pelos lobos de Nova York, máquinas famintas de dores manchadas no sacrifício de seus povos martirizados, prostituídos mercadores do pão e do ar americano, imundos, carrascos, manada de prostibulários caciques, sem outra lei que a tortura e a fome continuada do povo.
*tradução de paulo monteiro *trata-se do último poema escrito por Neruda
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Vida e Obra |
em 25/01/2009 20:20:00 (15621 leituras) |
Edgar Allan Poe (1809-1849)
Escritor americano. Conhecido em todo o mundo sobretudo por seus contos de mistério e terror.
O gênio visionário de Poe, poeta de amplos recursos e contista conhecido sobretudo por suas histórias de mistério e horror, constituiu uma fonte de inspiração direta para a renovação literária européia no final do século XIX. Edgar Allan Poe nasceu em 19 de janeiro de 1809 em Boston, Massachusetts. Filho de um casal de atores, ficou órfão aos dois anos e foi adotado por John Allan, rico comerciante de Richmond, Virgínia. Entre 1815 e 1820, recebeu esmerada educação clássica na Escócia e Inglaterra. No período em que freqüentou a Universidade da Virgínia, aderiu ao jogo e álcool. Rompeu relações com seu tutor e no mesmo ano publicou, em Boston, seu primeiro livro de poesia, Tamerlane, and Other Poems (1827; Tamerlão e outros poemas), ao qual se seguiu Al Aaraaf, Tamerlane, and Minor Poems (1829; Al Aaraaf, Tamerlão e poemas menores). Expulso da Academia Militar de West Point, decidiu dedicar-se por completo à literatura e começou a publicar contos em revistas. No livro Poems (1831), mostra da maturidade de seu gênio e publicado numa época de situação financeira precária, a evocação de um mundo ideal e visionário era realçada pelo ritmo hipnótico dos versos e pela força perturbadora das imagens. Fixou-se então em Baltimore com uma tia e, em 1833, recebeu um prêmio em dinheiro por seu Manuscript Found in a Bottle (Manuscrito encontrado em uma garrafa). Tornou-se editor literário do Southern Literary Messenger, de Richmond, em 1835, e no mesmo ano casou-se com a prima Virginia Clemm, de 13 anos de idade. Despedido do emprego, ao que parece por seus problemas com a bebida, que o perturbariam pela vida afora, mudou-se para Nova York e passou os anos seguintes envolvido com a febril criação de suas obras, ao mesmo tempo em que trabalhava, em geral brevemente, em vários periódicos de Filadélfia e Nova York. Em 1838 publicou uma novela de tema marinho, The Narrative of Arthur Gordon Pym. Posteriormente, apareceram coletâneas de seus textos de ficção: Tales of the Grotesque and Arabesque (1839; Contos do grotesco e arabesco), The Prose Romances of Edgar A. Poe (1843; Romances em prosa de Edgar A. Poe) e Tales (1845; Contos). Em geral esses contos, como "The Fall of the House of Usher ("A queda da casa de Usher"), "The Cask of Amontillado" ("O barril de amontillado") ou "The Facts in the Case of M. Valdemar" ("A verdade no caso do sr. Valdemar"), abordavam temas como a morte, o horror sobrenatural e os desvarios da mente humana, expressos numa linguagem a um só tempo precisa e alucinada, que refletia os tormentos do autor. Poe, por outro lado, possuía grande capacidade analítica, e assim contos como "The Murders in the Rue Morgue" ("Os assassinatos da rua Morgue") assentaram as bases do gênero policial e de mistério que se difundiu no século XX. Poe também deixou textos nos campos da estética, da crítica e teoria literária, como "Philosophy of Composition" (1845; "Filosofia da composição") e o "The Poetic Principle" (1850; "Princípio poético"), nos quais expôs sua concepção da elaboração racional do poema e o sentido estético da poesia. Entretanto, apesar da popularidade alcançada por Poe com The Raven and Other Poems (1845; O corvo e outros poemas), a aura de escândalo que o envolvia impediu que seu prestígio se consolidasse. Esquecido e incompreendido por seus compatriotas, foram os simbolistas franceses e, em particular, por Charles Baudelaire, que lhe reconheceram o gênio. O golpe representado pela morte da esposa, em 1847, aumentou ainda mais sua dependência do álcool. Após vários dias de excessos alcoólicos, Poe morreu em Baltimore, Maryland, em 7 de outubro de 1849.
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809. Sua família paterna era de origem irlandesa, enraizada em Baltimore, onde conquistara postos entra as melhores famílias da região. Seu avô, David Poe, tinha feito a Guerra da Independência. Fora "Quartel-master-general" de Lafaiete, que lhe atribuiu mandatos importantes, dispensando-lhe estima e admiração. O filho mais velho também se chamou David e se fez herdeiro dos espírito de aventura, que conduzia seu pai às trincheiras, sob o comando do general francês. Apaixonando-se pela atriz inglesa Elizabeth Arnold, mulher de estonteante formosura, David rompera todos os laços de família, casando-se e fazendo-se ator também para percorrer todas as cidades norte-americanas com sua "troupe".
A vida errante não lhe concedeu nunca os indispensáveis recursos de vida. Breve o casal tinha dois filhos: Willian e Edgar. Pouco mais tarde o nascimento de Rosalie comprometerá a saúde materna, já comprometida pelos sacrifícios da existência incerta um pouco vagabunda, feita de imprevistos cruéis e de misérias implacáveis.
Com vinte e quatro anos apenas Elizabeth morre, então, deixando David enfermo. Tuberculoso e sem recursos imediatos, ele deveria acompanhá-la breve, deixando os três filhos em extrema penúria.
Mas os órfãos encontraram obrigo nas famílias de Richmond. Edgar fora adotado pelo rico casal John Allan e Frances Keeling Allan.
Edgar estudou na juventude na Inglaterra, no colégio Stoke-Newington, de Londres. Era um velho edifício sombrio e gótico. Mais tarde, de volta à Richmond, Poe continuaria seus estudos na Universidade de Charlotteville. Desde cedo, Poe se mostrara um rapaz extremamente inteligente e genioso, motivo esse que o levaria a ser expulso da Universidade. Edgar era filho da paixão sem disciplina e do espírito largo da aventura, explica Baudelaire, seu mais fiel entusiasta.
Edgar Allan Poe era um jovem aventureiro, romântico, orgulhoso e idealista. Aperfeiçoou seus estudos na Universidade de Virgínia, mas com não seguia os rígidos padrões da época, foi expulso da Universidade. Poe era um boêmio que se entregava à bebida, ao jogo e às mulheres. Homem de ação forte, também era um homem de devaneio.
Vivia no luxo e cultivava o amor vadio. Seguindo os passos romanescos de Byron, mais tarde Poe foi para a Grécia e alistou-se no exército lutando contra os turcos. Como todos os jovens da época, Poe sonhava com as glórias militares. Mas aventura acabou saindo muito caro. Perdido nos Bálcãs, sofrendo ônus terríveis no percurso, acaba chegando na Rússia sem documentos e sem dinheiro. Acaba sendo repatriado pelo cônsul americano, mas em seu retorno, descobre que sua mãe adotiva a quem devera tudo, havia morrido.
Na volta aos Estados Unidos, alista-se num Batalhão de Artilharia e mais tarde matricula-se na Academia Militar de West Point. Era conhecido pelos colegas como aquele que "Embarcou para Grécia num baleeiro". É lógico que o ritmo de uma escola para Cadetes do Exército não seria compatível ao gênio de Edgar. Ele se concentrava muito mais em seus poemas do que nos estudos.
Com o lançamento de uma Compilação de Poemas (1831), o orgulhoso Edgar Allan Poe abandona West Point e rompe relações com o pai adotivo (que se casara recentemente e deixara Poe muito contrariado).
Com 22 anos, poeta de ofício, sujeito a devaneios, pobre e sem vontade inflexível, consola-se publicando: "Poemas". De regresso a Baltimore, em busca de seu irmão Willian, assiste à morte deste e entra nas relações de uma tia, viúva com duas filhas, também pobre e sem arrimo seguro. Vivendo em miséria profunda, durante 2 anos Edgar consegue um pouco de triunfo ao vencer dois concursos de poesias. Com uma certa fama, o editor Thomaz White entrega para Poe a direção do "Southern Literary Messenger" em 1833. Pouco depois, escreveria seu primeiro conto: "Uma Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaal". Fica na direção da revista por 2 anos, depois de ter escrito outros vários contos, poemas e resenhas. Edgar Allan Poe já tinha uma certa reputação e um bom número de leitores.
Suas críticas tiveram grande repercussão e os jornais, abrindo-lhes as portas e as colunas de honra, decretando-lhe dias melhores. Com 27 anos, em 1836, ele casa-se com a prima de apenas 13 anos. Virgínia Clemn, eis a mulher ideal que o destino lhe destinara para lhe ser a única. A tia aceita o casamento desigual. Era sua esposa e musa. Virgínia gostava de música, canto e poesia; o que deixava Edgar muito entusiasmando. Em 1838 trabalha com Editor da Button's Gentleman Magazine. Na companhia da Sra. Clemn o casal vivera na Filadélfia, Nova York, Fordham, até que, de novo, a penúria lhe bate à porta. A vida de intimidade conjugal será prolongada pela dedicação da tia. Mas, as amarguras de Edgar Allan Poe não tinham limites. Virgínia, indo cantar na casa de amigos, sofrera um acidente causando-lhe uma forte hemorragia interna que a faz cair doente sem nunca mais voltar. Em 1847, morre deixado o marido nas entranhas do luto e da miséria espiritual.
Em 1849. Poe reage e publica o célebre poema "O Corvo" que o coloca novamente no alto da literatura americana. Edgar não abandona a tia. Esta constitui a lembrança viva de Virgínia. A Sra Helen Whitman, de Boston, dar-lhe-á estímulos e apoio. Enfermo, ele encontrara amigos e admiradores amigos e admiradores. Mas foi preciso lutar. O álcool reduzira-o de modo estranho. A caça ao dinheiro completara as impaciências, que o acabrunhavam. Seu "Romance Cosmogônico" "Eureka" acaba por lhe atribuir um renome literário enorme. Sua conduta provoca censuras, acres da imprensa e da sociedade; mas o poeta cumpria as sentenças do destino...
A exemplos de outros, resolve fazer "leituras" de seus poemas e contos para um público de jornalistas e intelectuais antes de publicá-los. Seus trabalhos lhe renderam mais honras e prestígio. O trabalho fica cada vez mais cansativo e Poe se entrega mais e mais à bebida. Poe volta a Richmore por uma temporada, mas acaba deixando-a por Nova York na expectativa de deixar seu passado lúgubre para trás. Chegando a Baltimore, suas conseqüências o abateram. Antes de de seguir para a Filadélfia resolve entrar em Taverna à caça de estimulantes. Aí encontram velhos amigos demorando-se mais do que pretende, vencido, mal percebendo o andar do tempo. Na manhã seguinte, os transeuntes encontram um homem agonizante, em abandono, na sarjeta. Pouco depois descobrem que aquele homem sem documentos e dinheiro era Edgar Allan Poe. Conduzido ao hospital, pouco resistiu, morrendo aos 39 anos apenas, deixando uma obra opulenta, escrita através de sacrifícios espantosos, de desordens implacáveis, de desconcertos incríveis.
EDGAR ALLAN POE
Criador de histórias extraordinárias
por Eliane Robert Moraes
Vamos começar pelo final.
E, já que nosso tema é Edgar Allan Poe, vamos começar pelo mistério. A 27 de setembro de 1849, após jantar com alguns amigos em Richmond, Poe dirigiu-se ao cais da cidade. Por volta das quatro horas da madrugada, embarcou num navio para Baltimore e, ao que tudo indica, chegou a seu destino no dia seguinte. A viagem havia sido programada para ser bem rápida, pois ele estava de casamento marcado com a senhora Shelton, um antigo amor de juventude. Porém, de sua suposta chegada a Baltimore até o fatídico 7 de outubro, nada mais se pode afirmar com segurança.
Dizem alguns que ele teria seguido para a Filadélfia e de lá para Nova York, onde planejava buscar uma velha tia para assistir à cerimônia do casamento. Outros afirmam que ele permaneceu a semana inteira em Baltimore e, embriagado, caiu nas mãos de uma quadrilha de falsários, que lhe teriam oferecido algum licor com drogas que colaborasse numa fraude eleitoral. São meras hipóteses. A única coisa certa é que a 3 de outubro o dr.James E. Snodgrass, velho amigo de Poe em Baltimore, recebeu uma carta assinada por um tal Walker, que dizia: "Há um cavalheiro, um tanto descomposto nas vestimentas, na rua Ward Polls, dizendo atender pelo nome Edgar A.Poe, que parece estar muito atormentada e diz ter conhecimento com o senhor, e eu asseguro que ele precisa de assistência urgente".
Poe foi encontrado pelo amigo em estado de profundo desespero, largado numa taberna sórdida, de onde transportaram imediatamente para um hospital. Estava inconsciente e moribundo. Ali permaneceu, delirando e chamando repetidamente por um misterioso "Reynolds", até morrer, na manhã do domingo seguinte. Era 7 de outubro de 1849, e os Estados Unidos perdiam um de seus maiores escritores.
O que terá acontecido a Poe naqueles últimos dias de vida ? Por onde terá perambulado ? Teria sido vítima da doença que mais temia e que lhe causava tanta aflição nos outros, a loucura? Um ataque súbito? Ou motivado pela ingestão de álcool e drogas? Sabe-se que, meses antes de sua morte, ele havia voltado a beber e andava a vagar pelos becos da Filadélfia. Foi salvo da prisão e tirado das ruas por amigos fiéis, que o ajudaram a voltar para Richmond. Essa errância, contudo, não foi característica apenas desse período, mas marcou toda a sua vida. Pode-se mesmo dizer que Edgar Allan Poe foi um errante desde o seu nascimento em Boston, a 19 de janeiro de 1809.
Mais ainda: essa vida instável ele herdou de seus pais. David e Elizabeth Poe se conheceram no meio teatral, onde disputavam uma chance como atores.
Casaram-se em 1806 e passaram a representar juntos, mas a carreira incerta e de pouco êxito dificultava o sustento dos filhos pequenos, William e Edgar. A situação agravou-se quando David abandonou a mulher doente e grávida da filha Rosalie, que nasceria em 1810. Elizabeth não resistiu à vida miserável que levavam e, abatida por uma doença fatal, morreu no ano seguinte.
Edgar, então com dois anos, foi obrigado por um próspero negociante escocês que, embora casado, não tinha filhos. Nos primeiros anos de convivência com o sr. e a sra. John Allan - sobrenome que viria a adotar - , o menino teve um ambiente feliz e agradável. Viagens, boas escolas e carinho familiar marcaram essa convivência até aproximadamente seus quinze anos. Mas, por volta de 1824, começaram os primeiros conflitos, motivados pela constante irritabilidade do tutor.
Os problemas financeiros de Allan e a saúde precária da mulher foram os pretextos para os ataques contra Edgar, sempre ressaltando a situação de caridade do menino, que nunca fora oficialmente adotado. Clima tenso e difícil para um jovem poeta que sonhava com a carreira literária.
Entre o jornalismo e a literatura
Aos dezessete anos, Edgar matriculou-se na Universidade de Virgínia, onde, em pouco tempo, ficou conhecido por suas qualidades intelectuais e seu desempenho nos esportes. Mas não só por isso: nessa época, ele também descobriu a bebida e os jogos de azar, o que rapidamente resultou numa reputação duvidosa e em dívidas bem maiores do que poderia assumir. As relações com Allan se tornaram então mais tensas, obrigando Poe a deixar a universidade e a ausentar-se de casa constantemente, numa vida instável que se complicaria ainda mais com a morte da mãe de criação, em 1829. Allan morreu seis anos depois, excluindo Edgar de seu testamento.
Nada disso, contudo, parecia impedi-lo de escrever: mal completou vinte anos, publicou seu segundo livro de poemas; três anos mais tarde, ganhou o concurso de contos promovido pelo The Saturday Visitor, um jornal de Baltimore. "Manuscrito encontrado numa garrafa" foi seu primeiro êxito no mundo das letras, rendendo-lhe um cheque de cinqüenta dólares e um emprego no Southern Literary Messenger, periódico literário de Richmond. Ali trabalhou escrevendo todo tipo de texto, de poemas e resenhas de livros, de contos a notícias do mundo literário.
Em 1837, quando decidiu abandonar o emprego, a circulação do jornal aumentara de setecentos para três mil e quinhentos exemplares, fazendo do Messenger o periódico mais influente do Sul. Esse desempenho notável iria repetir-se nos outros jornais onde trabalharia: tendo assumido a editoria do Graham`s Magazine da Filadélfia em 1840, em pouco mais de um ano as assinaturas saltaram de cinco mil para quarenta mil! Apesar disso, Poe fracassou nas tentativas de montar e editar um jornal próprio. Um sonho que acalentou durante toda a vida, sendo, em parte, responsável por suas inúmeras mudanças de emprego e endereço.
É verdade que a saúde frágil de sua mulher também contribuiu para essa inconstância. Edgar casou-se com a prima Virgínia Clemm em 1835. A menina, então com apenas treze anos, passou a acompanhá-lo pelas andanças à procura de melhores oportunidades, até que os primeiros sinais de tuberculose se manifestaram. Daí para a frente, a saúde de Virgínia piorou na mesma proporção que as dificuldades financeiras do casal, e a freqüência das hemorragias veio a exigir constantes mudanças da cidade para o campo.
Faltavam recursos de todo o tipo para que ela pudesse tratar-se. O rigor do inverno, aliado à miséria da família, levou a sra. Poe à morte em 1847, deixando o marido desconsolado.
Suspense, terror e aventura
Certos fatos da vida de Poe, assim como o seu misterioso fim, parecem estabelecer um estranho nexo com sua obra. A morte, o medo e a dor sempre foram seus temas prediletos. Seus principais personagens são solitários, sensíveis, tristonhos e até beiram a loucura. Os cenários são os mais sombrios: cemitérios, subterrâneos, torres inacessíveis e navios fantasmas. Seus contos parecem concentrar uma força irracional e maligna à qual todo ser humano está condenado, como se o terror estivesse não só nos ambientes sinistros, mas dentro de cada um de nós.
Aficionado por esses temas, aos trinta anos já tinha publicado três livros de poemas, uma coletânea de vinte e cinco contos (entre eles obras-primas do terror como "A queda da Casa de Usher" e "Ligéia") e o romance de aventuras A narrativa de Arthur Gordon Pym. Foi nesse período que ele começou a se dedicar às histórias de raciocínio e dedução, escrevendo o famoso conto "Os crimes da rua Morgue"e outras narrativas policiais.
Estava fundando a moderna "novela de detetive".
Algumas dessas histórias têm como personagem principal o francês Auguste Dupin, um nobre falido e excêntrico cuja única diversão na vida é passar noites e noites elucubrando sobre assassinatos misteriosos. Graças a complicadíssimos raciocínios, ele consegue desvendar "crimes perfeitos", considerados insolúveis pelo comissário de polícia.
Tudo o que era misterioso atraía Edgar Allan Poe. Solucionar mistérios era, para ele, uma obsessão. Quando trabalhava no Graham`s Magazine, costumava desafiar os leitores a lhe enviarem criptogramas ( mensagens cifradas), que, por mais difíceis que fossem, jamais ficavam sem resolução. Nessa época, ele publicou "O escaravelho de ouro", história de mistério que gira em torno de um desses enigmas. O conto rendeu-lhe um prêmio de cem dólares e uma circulação de trezentos mil exemplares.
A partir daí, consolidou-se a fama de Poe como escritos de contos policiais e histórias arrepiantes. Alguns anos mais tarde, ele viria a ser reconhecido também como grande poeta: em 1845, a publicação do poema "O corvo" provocou furor no meio literário americano. Esse sucesso ecoou na Europa, encantando os franceses e merecendo especial atenção de Baudelaire. O poeta francês não poupou elogios ao americano: "Nenhum homem soube narrar com mais magia as exceções da vida humana e da própria natureza".
Contudo, a fama em nada facilitou a vida de Poe. Do ponto de vista financeiro, a literatura era péssimo negócio. Direitos autorais baixíssimos e ainda calculados sobre o preço desprezível dos livros. O escritor viveu sempre em condições muito precárias; com a morte de Virginia, parece que tudo se tornou ainda mais difícil. Sofreu um colapso físico e mental, passando a recorrer mais à bebida e, com certa freqüência, ao ópio. Meses após a publicação de seu décimo e último livro, Eureka, Poe chegou mesmo a tentar suicídio, ingerindo grande quantidade de láudano. Se o envenenamento não o matou, teve conseqüências tristes, como um ataque de paralisia facial.
Segue-se a esses episódios uma fase extremamente atormentada, complicada por fracassos amorosos e profissionais. Quando enfim parecia ter encontrado um pouco de paz, ao voltar para Richmond e reatar com Sarah Shelton, acontecimentos nebulosos vieram desviá-lo do caminho. O resto da história já sabemos. Aos quarenta anos, morre Edgar Allan Poe, deixando-nos dezenas de histórias fantásticas e um único mistério sem solução.
Sua Obra e Influências
Se deve a POE a criação do gênero policial, com seus contos de raciocínio e dedução. Mas cabe-lhe também o mérito de haver renovado o conto de terror, mistério e morte; introduzindo-lhe o fator científico que o deixa mais verossímil e ao mesmo tempo mais assustador.
Não era um gênero novo e já haviam expoentes na Inglaterra, França e Alemanha antes de Poe. Em 1967, o romancista inglês Horace Walpole iniciava o gênero que se chamou "Romance Negro" ou "Romance Gótico". Clara Reeves seguiria seus passos. Mais tarde Anne Radcliffe enchia seus livros de cenas e personagens aterrorizantes, Lewis imprimia-lhe a marca do satanismo e o francês Maturin levava-o às raias da loucura e da fantasmagoria. Na Alemanha, se com João Paulo Ritcher prende-se ele pelo vago e pelo poético, com Hoffmann atinge os limites do maravilhoso e do fantástico. Na própria América do Norte, cuja literatura era ainda debutante, Charles Brocken Brown levava para as terras do Novo Mundo os horrores ectoplásmaticos dos romances de Anne Radcliffe, contemplando-os com as obsessões e os terrores íntimos de seus personagens.
O "Romance Negro" também influenciou famosos escritores como Walter Scott, Baudelaire, Byron, Mary Shelley (que escreveria o célebre "Frankenstein") e seu esposo. O romantismo iria capitalizar muito do gótico como fez Balzac, Victor Hugo, Jules Janin e outros que usariam os mesmo recursos do fantástico e do desconhecido em suas obras. Mas deve-se, na verdade, a Edgar Allan Poe o maior trabalho de renovação para o gênero transformando-o em obra de arte de alto teor lírico e não apenas leitura para "dar medo".
Incapaz por natureza e por motivos pessoais de escrever longos romances (escreveu apenas um romance: "Aventuras de Artur Godon Pym"), acabou se especializando em contos e em poemas. Mas o que o distingue os seus contos do clássico conto ou do romance de terror é a tônica de autenticidade e de realidade que predomina em suas histórias.
Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual e intruso, Poe se concentrava no terror interior, do íntimo, da alma, do ser. Seus personagens sofriam de um terror avassalador vindo de dentro do peito, de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Edgar que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escondido terror.
Sua atormentada mente começou a ser "construída" com a morte dos pais biológicos ainda muito criança. Adotado e mimado, teve que sofrer também a morte da mãe adotiva e presenciar o desafeto de John Allan, o pai adotivo. As mortes prematuras de seus outros familiares, a doença mental de irmã Rosalie que o deixa em pânico em imaginar o mesmo destino, a extrema penúria que o acompanhou grande parte da sua vida e seus traumas sexuais também ajudaram a destruir a alma de Poe. Consumido pela alcoolize hereditária do pai, o jogo, a boêmia e da trágica morte da sua jovem e amada Virginia Clemn, Poe não agüentaria muito mais tamanha infelicidade e morreria embriagado e drogado com ópio numa obscura sarjeta da Filadélfia.
Tudo ocorria para agitar-lhe a sensibilidade e povoar-lhe a mente com terrores intensos e alucinações. O medo, pois, que existe em seus contos é verdadeiro.
Mas em Poe, sempre houve a dicotomia psíquica. Sua inteligência aguda, racionalista, em que se juntavam a física e a metafísica, intuição poética e raciocínio matemático sempre o ajudaram a direcionar seus terrores e fobias para suas obras, mesmo quando os vivenciavam.
Essa dicotomia marca a personalidade de Poe. Era um homem destroçado pelo destino e sua alma se dividia numa matiz angelical e outra satânica. Poe sabia de seus vícios e defeitos e os retratava em seus personagens com pesar, lamento e dó. Nunca uma personagem perniciosa foi tratada com complacência. No seu conto "Willian Wilson" isso é retratado perfeitamente.
Os mistérios da mente e da morte constituem os principais temas de Poe. Os terrores que ele descreve com intensidade e impressionante realismo são terrores que se geram na própria mente do personagem e a realidade ambiente é vista através desse terror e por ele deformada. Jacques Cabou disse em um dos seus livros que a obra de Poe era o contrário do terror clássico: "Ele não coloca um indivíduo normal em um universo inquietante, Edgar Poe larga um indivíduo inquietante em um universo normal. Na acontece ao personagem, ele é que acontece ao mundo... o herói é medusado em sua própria visão. Uma vez que apanhado em seus próprios mecanismos da fascinação, é arrasto à engrenagens da obsessão".
Numa época em que começava a se desenvolver o magnetismo e o espiritismo na América do Norte, Poe se vale desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmice eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou quase em todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconsciente. Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.
Algumas obras do autor traduzidas para o português:
- Manuscrito encontrado em uma garrafa - O corvo - O gato preto - A carta roubada - Os assassinatos na rua Morgue e outras histórias - O retrato oval - A máscara da morte vermelha - A carta roubada - O coração revelador - A máscara da morte rubra - O corvo e outros poemas - A narrativa de Arthur Gordon Pym - O escaravelho de ouro - A trilogia Dupin
Texto extraído do livro "Os melhores contos de loucura", Ediouro - 2007, pág. 175, organização de Flávio Moreira da Costa; tradução de Celina Portocarrero.
*pesquisa realizada em sites da internet. **************************************************
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VI - Pensar em Deus |
em 18/01/2009 00:20:00 (6370 leituras) |
Alberto Caeiro VI - Pensar em Deus Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...
* O Guardador de Rebanhos - VI
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O vento na ilha |
em 10/01/2009 20:20:00 (9951 leituras) |
O Vento na Ilha
O vento é um cavalo Ouça como ele corre Pelo mar, pelo céu. Quer me levar: escuta como recorre ao mundo para me levar para longe.
Me esconde em teus braços por somente esta noite, enquanto a chuva rompe contra o mar e a terra sua boca inumerável.
Escuta como o vento me chama calopando para me levar para longe.
Com tua frente a minha frente, com tua boca em minha boca, atados nossos corpos ao amor que nos queima, deixa que o vento passe sem que possa me levar.
Deixa que o vento corra coroado de espuma, que me chame e me busque galopandanto eu, emergido debaixo teus grandes olhos, por somente esta noite
descansarei, amor meu.
Pablo Neruda
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Os barcos |
em 10/01/2009 19:40:00 (6765 leituras) |
Como no mercado se botam no saco carvão e cebolas, álcool, parafina, batatas, cenouras, costelas, azeite, laranjas, o barco é a vaga desordem onde caíram melífluas robustas, famintos jogadores, padres, mercadores: às vezes decidem olhar o oceano que se deteve como um queijo azul que ameaça com olhos espessos e o terror do imóvel penetra na face dos passageiros: cada homem deseja gastar os sapatos, os pés e os ossos, mover-se em seu terrível infinito até que já não exista. Termina o perigo, a nave circula na água do círculo, e longe aparecem as torres de prata de Montevidéu.
(In "Memorial de Isla Negra. Brasil: L&Pm, 2007)
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Aqui estou |
em 10/01/2009 19:20:00 (11525 leituras) |
Limpo é o dia lavado pela areia branca, e gelada no mar roda a espuma, e nesta desmedida solidão sustenta-se a luz do meu livre-arbítrio.
Mas este mundo não é o que eu quero.
(In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007)
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Homenagem a cesário verde |
em 10/01/2009 19:00:00 (4104 leituras) |
Aos pés do burro que olhava o mar depois do bolo-rei comeram-se sardinhas com as sardinhas um pouco de goiabada e depois do pudim, para um último cigarro um feijão branco em sangue e rolas cozidas
Pouco depois cada qual procurou com cada um o poente que convinha. Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!
in "Pena Capital" de Mário Cesariny
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Receita de Ano Novo! |
em 05/01/2009 17:20:00 (13817 leituras) |
Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
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Soneto de Natal |
em 14/12/2008 15:00:00 (5602 leituras) |
Soneto de natal
Um homem, — era aquela noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno, — Ao relembrar os dias de pequeno, E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno As sensações da sua idade antiga, Naquela mesma velha noite amiga, Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto . . . A folha branca Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca, A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso, Só lhe saiu este pequeno verso: "Mudaria o Natal ou mudei eu?"
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O mapa. |
em 10/12/2008 19:40:00 (7823 leituras) |
Olho o mapa da cidade Como quem examinasse A anatomia de um corpo...
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita Das ruas de Porto Alegre Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita, Tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita Nas ruas que não andei (E ha uma rua encantada Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses, Poeira ou folha levada No vento da madrugada, Serei um pouco do nada Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar Pareça mais um olhar, Suave mistério amoroso, Cidade de meu andar (Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
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V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada |
em 06/12/2008 22:50:00 (5986 leituras) |
Alberto Caeiro V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora.
* O Guardador de Rebanhos - V poema ************************************************** |
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Um Amor |
em 04/12/2008 17:00:00 (17894 leituras) |
UM AMOR
Por ti junto aos jardins recém-enflorados me doem os perfumes de primavera. Esqueci teu rosto, não recordo de tuas mãos, de como beijavam teus lábios? Por ti amo as brancas estátuas adormecidas nos parques, as brancas estátuas que não têm voz nem olhar. Esqueci tua voz, tua voz alegre, esqueci de teus olhos. Como uma flor a seu perfume, estou atado à tua lembrança imprecisa. Estou perto da dor como uma ferida, se me tocas me maltratarás irremediavelmente. Tuas carícias me envolvem como as trepadeiras aos muros sombrios. Esqueci teu amor e não obstante te adivinho atrás de todas as janelas. Por ti me doem os pesados perfumes do estio: por ti volto a espreitar os signos que precipitam os desejos, as estrelas em fuga, os objetos que caem.
(Pablo Neruda - do livro: Para nascer nasci - tradução: Rolando Roque da Silva)
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É Urgente |
em 29/11/2008 22:40:00 (7737 leituras) |
É urgente o amor. É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer.
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III - Ao Entardecer |
em 28/11/2008 22:50:00 (16023 leituras) |
Alberto Caeiro III - Ao Entardecer Ao entardecer, debruçado pela janela, E sabendo de soslaio que há campos em frente, Leio até me arderem os olhos O livro de Cesário Verde. Que pena que tenho dele! Ele era um camponês Que andava preso em liberdade pela cidade. Mas o modo como olhava para as casas, E o modo como reparava nas ruas, E a maneira como dava pelas cousas, É o de quem olha para árvores, E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza Que ele nunca disse bem que tinha, Mas andava na cidade como quem anda no campo E triste como esmagar flores em livros E pôr plantas em jarros...
Observação:
O Guardador de Rebanhos é um poema constituído por 49 textos escritos pelo heterônimo Fernando Pessoa, Alberto Caeiro em 1914 e Fernando Pessoa atribuiu sua gêneses a uma única noite de insônia de Caeiro. Foram publicados em 1925 nas 4ª e 5ª edições da revista Athena, com exceção do 8º poema do conjunto que só viria a ser publicado em 1931, na revista Presença.
A obra contêm poemas "em que a personagem surge sob iluminações imprevistas, revelando aspectos que contradizem o seu ideal de Si-Mesmo e lhe conferem verossimilhança ficcional". Os poemas mostram a forma simples e natural de sentir e dizer de seu autor, voltado para a natureza e as coisas puras.
O Guardador de Rebanhos nos transmite ou propõe uma forte cosmovisão ao querer reintroduzir aparentemente um mundo pagão no século vinte de um ocidente cristianizado, mas também é certo que não possui uma ordem ou hierarquia de valores como é apanágio do poema épico. Pelo contrário, a sua forma modular permite que o poema se alongue com repetições de motivos que passam de texto para texto não resolvidos ou por resolver, numa recombinação sucessiva onde emerge uma insuspeita temporalidade. Assim, a natureza aleatória das séries (outra designação para o poema serial) sugere que estas são anárquicas, não porque acabem num tumulto de sentidos incompreensíveis, mas porque se recusam a impor uma ordem externa nos assuntos que tratam ou desenvolvem.
Por outro lado, se o poema de Caeiro oferece um texto final de adeus, este final é completamente arbitrário, não decorre de nenhuma progressão temática ou narrativa que o exija ou a venha coroar, nem, por outro lado, de uma finalidade ou intencionalidade, como acontece necessariamente com o poema épico. Além disso, a concatenação dos textos que se seguem uns aos outros não é subordinada, antes denuncia o seu acaso de inspiração.
O Guardador de Rebanhos guarda pensamentos, que são sensações. O símbolo do rebanho é a representação do limite da existência humana, onde reside a liberdade. O que possui rastros do religioso torna-se demoníaco. O símbolo rompe a angústia da separação e busca na dimensão do divino, o divino que se rompera.
Na obra há um aperfeiçoamento gradual neste sentido: os poemas finais – e sobretudo os quatro ou cinco que precedem os dois últimos – são de uma perfeita unidade ideo-emotiva.
Alberto Caeiro é o poeta voltado para a simplicidade e as coisas puras. Vive em contato com a natureza, extraindo dela os valores ingênuos com os quais alimenta a alma. Embora contrária às filosofias tradicionais, essa faceta de Fernando Pessoa segue ainda os princípios acadêmicos em seus versos. É o lírico que restaura o mundo em ruínas, quando se relaciona com os seres sensitivos, ou o bucólico que foge para o campo, onde encontra maneira poética de sentir e de viver. Em Caeiro há uma "ciência espontânea", um "misticismo materialista" e uma "simplicidade complexa" - "atributos paradoxais que servem para intensificar e tornar crível a sua extraordinária singularidade"
Fonte: www.passeiweb.com
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II - O Meu Olhar |
em 28/11/2008 22:10:00 (9908 leituras) |
(Alberto Caeiro)
II - O Meu Olhar O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de, vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar ... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...
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Soneto antigo |
em 28/11/2008 21:50:00 (11388 leituras) |
Responder a perguntas não respondo. Perguntas impossíveis não pergunto. Só do que sei de mim aos outros conto: de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo, sou eu mesma que, em solidão paciente, recolho do que em mim observo e escuto muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto. Apenas em linguagem vou dizendo caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo. Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo. E todos somos pura flor de vento.
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É proibido |
em 23/11/2008 20:10:00 (36974 leituras) |
É Proibido
É proibido chorar sem aprender, Levantar-se um dia sem saber o que fazer Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas Não lutar pelo que se quer, Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade. É proibido não demonstrar amor Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor. É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender os que viveram juntos Chamá-los somente quando necessita deles. É proibido não ser você mesmo diante das pessoas, Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você, Esquecer aqueles que gostam de você. É proibido não fazer as coisas por si mesmo, Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos, Não viver cada dia como se fosse um último suspiro. É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se desencontraram, Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente. É proibido não tentar compreender as pessoas, Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte. É proibido não criar sua história, Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você, Não compreender que o que a vida te dá, também te tira. É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva, Não pensar que podemos ser melhores, Não sentir que sem você este mundo não seria igual.
Pablo Neruda
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Chovem duas chuvas |
em 23/11/2008 12:20:00 (7355 leituras) |
"Chovem duas chuvas"
Chovem duas chuvas: de água e de jasmins por estes jardins de flores e de nuvens.
Sobem dois perfumes por estes jardins: de terra e jasmins, de flores e chuvas.
E os jasmins são chuvas e as chuvas, jasmins, por estes jardins de perfume e nuvens.
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A condição humana |
em 20/11/2008 18:40:00 (10017 leituras) |
Por trás de mim até o Sul, o mar havia rasgado os territórios com glacial martelo, e desde a solidão arranhada o silêncio converteu-se subitamente em arquipélago, e verdes ilhas foram envolvendo a cintura da minha pátria, pólem ou pétalas de uma rosa marinha e, ainda mais, eram profundos os bosques iluminados por pirilampos, o lodo fosforescente, deixavam cair as árvores grandes cordas secas como num circo, e a luz andava gota a gota como uma bailarina verde de espessura.
Eu cresci estimulado por raças caladas, por penetrantes achas de fulgor madeira, por fragrâncias secretas de terra, ubres, vinho: a minha alma foi uma adega perdida entre os trens onde foram esquecidos dormentes e barris, arame, aveia, trigo, cochayuyo* e tábuas, e o inverno com suas negras mercadorias.
Assim meu corpo foi se estendendo, de noite meus braços eram neve, meus pés o território furacão, e cresci como rio num aguaceiro, e fui fértil como tudo o que caía em mim, germinações, cantos de folha e folha, escaravelhos que procriavam, novas raízes que ascenderam ao sereno,
tormentas que ainda sacodem as torres do loureiro, o ramo rubro da avelã, a paciência sagrada do lariço, assim a adolescência foi território, tive ilhas, silêncio, monte, crescimento, luz vulcânica, barro dos caminhos, fumaça bravia de paus queimados.
*Planta marinha comestível com mais de três metros de comprimento.
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Cansa sentir quando se pensa |
em 14/11/2008 16:10:00 (9236 leituras) |
Cansa sentir quando se pensa. No ar da noite a madrugar Há uma solidão imensa Que tem por corpo o frio do ar. Neste momento insone e triste Em que não sei quem hei de ser, Pesa-me o informe real que existe Na noite antes de amanhecer.
Tudo isto me parece tudo. E é uma noite a ter um fim Um negro astral silêncio surdo E não poder viver assim.
(Tudo isto me parece tudo. Mas noite, frio, negror sem fim, Mundo mudo, silêncio mudo - Ah, nada é isto, nada é assim!)
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Cada um |
em 14/11/2008 15:50:00 (5393 leituras) |
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos; Que a Sorte nos fez postos Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento Do que nos coube que de que nos coube. Cumpramos o que somos. Nada mais nos é dado.
*Odes De Ricardo Reis ************************************************** |
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Sol dos Insones |
em 13/11/2008 12:40:00 (14498 leituras) |
Sol dos Insones
Sol dos insones! Ó astro de melancolia! Arde teu raio em pranto, longe a tremular, E expões a treva que não podes dissipar: Que semelhante és à lembrança da alegria!
Assim raia o passado, a luz de tanto dia, Que brilha sem com raios fracos aquecer; Noturna, uma tristeza vela para ver, Distinta mas distante-clara-mas que fria!
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Versos inscritos numa taça feita de um crânio |
em 04/11/2008 08:20:00 (17067 leituras) |
Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito Vê em mim um crânio, o único que existe Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva, Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri; Que renuncie e terra aos ossos meus Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme Lábios mais repugnantes do que os teus.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão, Para ajudar os outros brilhe agora e; Substituto haverá mais nobre que o vinho Se o nosso cérebro já se perdeu?
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus Já tiverdes partido, uma outra gente Possa te redimir da terra que abraçar-te, E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as fontes geram tal tristeza Através da existência -curto dia-, Redimidas dos vermes e da argila Ao menos possam ter alguma serventia.
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Fresta |
em 02/11/2008 18:00:00 (3621 leituras) |
Em meus momentos escuros Em que em mim não há ninguém, E tudo é névoas e muros Quanto a vida dá ou tem, Se, um instante, erguendo a fronte De onde em mim sou aterrado, Vejo o longínquo horizonte Cheio de sol posto ou nado
Revivo, existo, conheço, E, ainda que seja ilusão O exterior em que me esqueço, Nada mais quero nem peço. Entrego-lhe o coração.
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Pobre velha música |
em 02/11/2008 17:40:00 (4733 leituras) |
Pobre velha música! Não sei por que agrado, Enche-se de lágrimas Meu olhar parado. Recordo outro ouvir-te, Não sei se te ouvi Nessa minha infância Que me lembra em ti.
Com que ânsia tão raiva Quero aquele outrora! E eu era feliz? Não sei: Fui-o outrora agora.
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Parece às vezes que desperto |
em 01/11/2008 16:00:00 (4312 leituras) |
Parece às vezes que desperto E me pergunto o que vivi; Fui claro, fui real, é certo, Mas como é que cheguei aqui? A bebedeira às vezes dá Uma assombrosa lucidez Em que como outro a gente está. Estive ébrio sem beber talvez.
E de aí, se pensar, o mundo Não será feito só de gente No fundo cheia de este fundo De existir clara e èbriamente?
Entendo, como um carrocel; Giro em meu torno sem me achar... (Vou escrever isto num papel Para ninguém me acreditar...)
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Sonhei, confuso, e o sono foi disperso |
em 27/10/2008 14:10:00 (6161 leituras) |
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso, Mas, quando dispertei da confusão, Vi que esta vida aqui e este universo Não são mais claros do que os sonhos são Obscura luz paira onde estou converso A esta realidade da ilusão Se fecho os olhos, sou de novo imerso Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida, É a mesma mistura de entre-seres Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres Pertence a uma forma definida, Rastro visto de coisa só ouvida.
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Sobre seus Sonetos |
em 25/10/2008 13:40:00 (10693 leituras) |
~ Sonetos de William Shakespeare ~
Os Sonetos de Shakespeare (The Sonnets) constituem uma coleção de 154 poemas sob a forma estrófica do soneto inglês que abordam uma galeria de temas tais como o amor, a beleza, a política e a morte.
Foram escritos, provavelmente, ao longo de vários anos, para no final, serem publicados, exceto os dois primeiros, em uma coleção de 1609; os número 138 ("When my love swears that she is made of truth") e 144 ("Two loves have I, of comfort and despair") haviam sido previamente publicados em uma coletânea de 1599 intitulada The Passionate Pilgrim.
Os Sonetos foram publicados em condições que, todavia hoje seguem sendo incertas. Por exemplo, existe uma misteriosa dedicatória no começo do texto onde um certo "Mr. W.H." é descrito pelo editor Thomas Thorpe como "the only begetter" (o único inspirador) dos poemas; se desconhece quem era essa pessoa. A dedicatória se refere também ao poeta com a igualmente misteriosa frase "ever-living", literalmente imortal, mas normalmente aplicado a uma pessoa já morta. Mesmo que os poemas tenham sido escritos por William Shakespeare, não se sabe se o editor usou um manuscrito autorizado por ele ou uma cópia não autorizada. Estranhamente, o nome do autor está dividido por um hífen na capa e no começo de cada página da edição. Estas controvérsias têm incentivado o debate sobre a autoria das obras atribuídas a Shakespeare.
Os primeiros 17 sonetos se dirigem a um jovem, incentivando-o a casar-se e a ter filhos, de forma que sua beleza possa ser transmitida às gerações seguintes. Este grupo de poemas é conhecido com o nome de procreation sonnets (sonetos da procriação).
Os sonetos que vão do 18 ao 126 também são dirigidos a um jovem, porém agora ressaltando o amor que é descrito com muito lirismo.
Os compreendidos entre o127 e o152 abordam temas como a infidelidade, a resolução para controlar a luxúria, etc.
Os últimos dois sonetos, o 153 e o 154, são alegóricos.
~ Estrutura ~
Cada soneto é formado por quatro estrofes, três quartetos e um terceto final, compostos em pentâmeros iâmbicos (o verso também usado nas obras dramáticas de Shakespeare) com um esquema de rima abab cdcd efef gg (forma que hoje em dia é conhecida como soneto shakespereano). Há três exceções: os sonetos 99, 126 e 145. O número 99 tem quinze versos. O 126 consiste em seis tercetos e dois versos brancos (sem rimas) escritos em letras itálicas. Por outro lado, o 145 está em tetrâmetros iâmbicos, e não em pentâmeros. Com freqüência, o começo do terceiro quarteto assinala a volta do verso no que o tom do poema muda, e o poeta expressa uma revelação ou aparição.
~ Personagens ~
Três são os personagens aos que se dirigem a maioria dos sonetos: um formoso jovem, um poeta rival e a dama morena; convencionalmente, cada um destes destinatários é conhecido pelo sobrenome de, respectivamente, o Fair Youth, o Rival Poet e a Dark Lady. A linguagem lírica expressa admiração pela beleza do jovem, e que mais tarde mantém uma relação com a Dark Lady. Desconhece-se se os poemas e seus personagens são fictícios ou autobiográficos. Se fossem autobiográficos, as identidades dos personagens estariam abertas ao debate. Diversos especialistas, especialmente A. L. Rowse, têm sugerido identificar os personagens com figuras históricas.
Segue os 154 sonetos, traduzidos no livro de Vasco Graça Moura, "Os sonetos completos de William Shakespeare", Editora Landmark, para quem quiser apreciar:
Soneto 1
Quer-se prole às mais belas criaturas pra que não morra a rosa da beleza e em fenecendo as coisas já maduras um terno herdeiro as lembre. Mas acesa, contrai-te a luz do teu olhar, consomes teu ser no ser das tuas próprias chamas e onde há abundância crias fomes, cru inimigo de ti, teu ser desamas: tu que do mundo és fresco ornamento que a gaia primavera arauto fez, em teu botão te enterras a contento e terno avaro esbanjas mesquinhez: Apieda-te do mundo, ou sê glutão. Comas tu o devido, a cova não.
(continua...)
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Nós calávamos |
em 24/10/2008 14:40:00 (6061 leituras) |
Saber é uma dor. E o soubemos: cada dado saído de sua sombra deu-nos padecimento necessário: o rumor transformou-se nas verdades, a porta escura foi cheia de luz, e se retificaram essas dores. A verdade foi a vida nessa morte. Era pesado o saco do silêncio.
E ainda custava sangue levantá-lo: eram tantas as pedras do passado. Porém foi assim de valoroso o dia: com uma faca de ouro abriu a sombra e entrou a discussão como uma roda rodando pela luz restituída até ponto polar do território.
Agora as espigas que coroaram a grandeza do sol e sua energia: de novo o camarada respondeu à interrogação do camarada. Caminho, aquele, duramente errado voltou, com a verdade a ser caminho.
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A dor |
em 24/10/2008 14:40:00 (8207 leituras) |
Assim se forma uma alma rarefeita: com espelho, com ninguém, com retrato, sem homens, sem Partido, sem verdade, com sussurro, com ciúmes, com distância, sem companheiro, sem razão, sem canto, com armas, com silêncio, com papéis, sem povo, sem consulta, sem sorriso, com espias, com sombras e com sangue, sem França, sem Itália, sem os cravos, com Bérias, com sarcófagos, com mortos, sem comunicção, sem alegria, com mentirosos, com látegos e línguas, sem comunicação, sem alegria, com a imposição e com a crueldade, sem saber quando cortam a madeira, com a soberba triste, com a cólera,
sem compartir o pão e a alegria, com mais e mais e mais e mais e mais e sem ninguém, e sem ninguém, sem nenhum, com as portas fechadas e com muros, e sem o povo de suas padarias, e com cordéis, com nós e com ausência, sem mão aberta, sem flor evidente, com as metralhadoras, com soldados, sem a contradição, sem a consciência, com desterro, com frio e com inferno, sem ti, sem alma, só, e com a morte.
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O Morcego |
em 17/10/2008 18:00:00 (25281 leituras) |
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..." - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto!
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Clarice por Clarice |
em 13/10/2008 19:40:00 (15980 leituras) |
"Ao mesmo tempo que ousava desvelar as profundezas de sua alma em seus escritos, Clarice Lispector costumava evitar declarações excessivamente íntimas nas entrevistas que concedia, tendo afirmado mais de uma vez que jamais escreveria uma autobiografia. Contudo, nas crônicas que publicou no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, deixou escapar de tempos em tempos confissões que, devidamente pinçadas, permitem compor um auto-retrato bastante acurado, ainda que parcial. Isto porque Clarice por inteiro só os verdadeiramente íntimos conheceram e, ainda assim, com detalhes ciosamente protegidos por zonas de sombra. A verdade é que a escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continuará sendo um mistério para seus admiradores, ainda que os textos confessionais aqui coligidos possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade." (por Pedro Karp Vasquez)
Clarice por Clarice:
A descoberta do amor
“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino. Pois juro que a vida é bonita.”
Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”
Lúcida em excesso
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.
Ideal de vida
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser. O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la. [...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima. É pouco, é muito pouco.”
Escritora, sim; intelectual, não
“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade. [...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora? O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”
A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”
A certeza do divino
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”
Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.” “Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura. O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.” “Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”.
A importância da maternidade
“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”
Viver plenamente
“Eu disse a uma amiga: — A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse: — Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.”
Um vislumbre do fim
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
Textos extraídos do livro "Aprendendo a viver", Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.
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LIX |
em 10/10/2008 21:00:00 (3238 leituras) |
Pobres poetas a quem a vida e a morte perseguiram com a mesma tenacidade sombria e logo são cobertos por impassível pompa, entregues ao rito e ao dente funerário.
Eles - obscuros como pedrinhas - agora detrás dos cavalos arrogantes, estendidos vão, governados ao fim pelos intrusos, entre os acompanhantes, a dormir sem silêncio.
Antes e já seguros de que está morto o morto fazem das exéquias um festim miserável com pavões, porcos e outros oradores.
Espreitaram sua morte e então a ofenderam: só porque sua boca está fechada e já não pode contestar seu canto.
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Fomos |
em 10/10/2008 21:00:00 (5648 leituras) |
Enquanto as tribos e populações arranham terra e adormecem na mina, pescando nos espinhos desse inverno, pregam os pregos em seus ataúdes, edificam cidades que não moram, semeiam o pão que amanhã não terão, para disputar a fome e o perigo.
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O grande silêncio |
em 10/10/2008 21:00:00 (7612 leituras) |
Todos perguntaram, que aconteceu? Sem perguntar se perguntavam todos e começou-se a viver o veneno sem saber como, da noite pro dia. Deslizava-se no silêncio como se fosse neve negra o pavimento, os famintos ouvidos esperavam sinal e não se ouvia senão um surdo rumor numeroso: eram tantas ausências que se uniam umas com outras como um buraco a outro buraco, e outro, outro e mais outro vão fazendo uma rede, e essa é a pátria: sim, de súbito a pátria foi uma rede, todos foram envoltos no vazio, numa rede sem fios que amarrava os olhos, os ouvidos, mais a boca, e já ninguém sentiu que não tinha com que sentir, a boca não tinha direito a ter uma língua, os olhos não deviam ver a ausência, o coração vivia emparedado.
Eu fui, eu estive, eu toquei as mãos, levantei a taça da cor do rio como pão defendido pelo sangue: à sombra da honradez da humanidade dormi e eram esplêndidas as folhas como se uma árvore só resumisse todos os crescimentos desta terra, e fui, de irmão em irmão, bem recebido com a nobreza nova e verdadeira dos que com suas mãos postas na farinha amassaram o novo pão do mundo.
No entanto ali estava nesse tempo a presença tenaz, uma ferida de sangue e sombra que nos acompanha: o que passou, o silêncio e a pergunta que não se abriu na boca, que morreu na casa, no caminho, pela usina. Alguém faltava, mas não poderia a mãe, o pai, o irmão, e mais a irmã, e olhar o vazio de uma ausência atroz: o olhar do ausente era como um estigma: e não poderia olhar o companheiro ou perguntar, sem converter-se em ar, e passar ao vazio, num de repente, sem que ninguém notasse ou que soubesse.
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Trem de ferro |
em 10/10/2008 10:30:00 (84334 leituras) |
Trem de Ferro
Café com pão Café com pão Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita força (trem de ferro, trem de ferro)
Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho Da ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... (café com pão é muito bom)
Quando me prendero No canaviá Cada pé de cana Era um oficiá Oô... Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matar minha sede Oô... Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no sertão Sou de Ouricuri Oô...
Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente... (trem de ferro, trem de ferro)
(Manuel Bandeira)
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Num cemitério em desuso |
em 08/10/2008 21:00:00 (4220 leituras) |
O vivos vêm pisando a grama,
vêm ler no morro as inscrições;
o cemitério ainda os atrai;
os mortos é que não vêm mais.
Os versos nele se repetem:
“Aqueles que hoje vivos vêm
a ler as pedras e se vão
mortos é que amanhã virão.”
Certas da morte as lousas rimam,
mas não sem deixar de notar
que nenhum morto já não vem.
Do que é que os homens medo têm?
Seria fácil ser esperto
e lhes dizer: "Eles detestam
a morte, e já não entram nela."
Talvez caíssem na esparrela.
TRADUÇÃO: RENATO SUTTANA FONTE: ARQUIVOS DE RENATO SUTTANA
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Não sejas o de hoje |
em 08/10/2008 12:10:00 (9392 leituras) |
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue.
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade...
É a eternidade...
És tu.
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LXXVIII |
em 08/10/2008 10:10:00 (4526 leituras) |
Não tenho nunca mais, não tenho sempre. Na areia a vitória deixou seus pés perdidos. Sou um pobre homem disposto a amar seus semelhantes. Não sei quem és. Te amo. Não dou, não vendo espinhos.
Alguém saberá talvez que não teci coroas sangrentas, que conbati o engano, e que em verdade enchi a preamar de minha alma. Eu paguei a vileza com pombas.
Eu não tenho jamais porque distinto fui, sou, serei. E em nome de meu mutante amor proclamo a pureza.
A morte é só pedra do esquecimento. Te amo, beijo em tua boca a alegria. Tragamos lenha. Faremos fogo na montanha.
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Horas vivas |
em 08/10/2008 09:40:00 (4804 leituras) |
Noite: abrem-se as flores . . . Que esplendores! Cíntia sonha seus amores Pelo céu. Tênues as neblinas Às campinas Descem das colinas, Como um véu.
Mãos em mãos travadas, Animadas, Vão aquelas fadas Pelo ar; Soltos os cabelos, Em novelos, Puros, louros, belos, A voar.
— "Homem, nos teus dias Que agonias, Sonhos, utopias, Ambições; Vivas e fagueiras, As primeiras, Como as derradeiras Ilusões!
— "Quantas, quantas vidas Vão perdidas, Pombas mal feridas Pelo mal! Anos após anos, Tão insanos, Vêm os desenganos Afinal.
— "Dorme: se os pesares Repousares, Vês? — por estes ares Vamos rir; Mortas, não; festivas, E lascivas, Somos — horas vivas De dormir. —"
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A estrada não trilhada |
em 07/10/2008 14:50:00 (12773 leituras) |
A estrada não trilhada
Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
e um deles observei até um longe declive
no qual, dobrando, desaparecia...
Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.
E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.
Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.
TRADUÇÃO: RENATO SUTTANA FONTE: ARQUIVOS DE RENATO SUTTANA
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Arte poética com melancolia |
em 06/10/2008 22:00:00 (6700 leituras) |
Preocupam-me ainda as coisas do passado. Escrevo como se o poema fosse uma realidade, ou dele nascessem as folhas da vida, com o verde esplêndido de uma súbita primavera. Sobreponho ao mundo a linguagem; tiro palavras de dentro do que penso e do que faço, como se elas pudessem viver aí, peixes verbais no aquário do ser. É verdade que as palavras não nascem da terra, nem trazem consigo o peso da matéria; quando muito, descem ao nível dos sentimentos, bebem o mesmo sangue com que se faz viver as emoções, e servem de alimento a outros que as lêem como se, nelas, estivesse toda a verdade do mundo. Vejo-as caírem-me das mãos como areia; tento apanhar esses restos de tempo, de vida que se perdeu numa esquina de quem fomos; e vou atrás deles, entrando nesse charco de fundos movediços a que se dá o nome de memória. Será isso a poesia? É então que surges: o teu corpo, que se confunde com o das palavras que te descrevem, hesita numa das entradas do verso. Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens inúteis que me separaram de ti.
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Elmano a Gertrúria |
em 06/10/2008 15:50:00 (3705 leituras) |
Cá do pé das gangéticas ribeiras, Inimigas da paz, e da alegria, Cá dentre serpes, tigres, e palmeiras: A ti, bela Gertrúria, Elmano envia Seus gemidos terníssimos, e ardentes Sobre as cinzentas asas da Agonia. Se o teu fiel carácter não desmentes, Se inda em teu coração não teve entrada A variedade, o vício, dos ausentes; Se do voto recíproco lembrada Suspiras por me ver, como suspiro Por dar-te beijos mil na mão nevada; Chorando escutarás o que profiro: Estes queixumes vãos, que entrego aos ares, Estes inúteis ais, que da alma tiro. Do santo abrigo de meus deuses lares Pela Sorte cruel desarraigado, E exposto em frágil quilha a bravos mares; Sobre as espaldas do Oceano inchado, Dirijindo tristíssimo lamento Contra o céu, contra Amor, e contra o Fado; Debalde conjurando o rouco vento, Em vão pedindo a Tétis sepultura Nas entranhas do mádido elemento: Pus, finalmente, os pés onde murmura O plácido Janeiro, em cuja areia Jazia entre delícias a ternura. Ali, como nas margens de Ulisseia, Prendendo corações brincavam, riam Os filhinhos gentis de Citereia; Mil Graças, que a vanglória trocariam Em vergonhosa inveja à tua vista, Usurpar-te meus cultos presumiam; Eis olham como fácil a conquista; Mas a fé me acompanha, a fé me alenta, E constância me dá, com que resista. Este combate a glória me acrescenta: Conhece-se o valor do navegante Em tenebrosa, horrísona tormenta. Contemplando na ideia o teu semblante, Pude evitar o escolho, onde naufraga O coração mais livre, e mais constante; Um virtuoso amor nunca se apaga: O tiro de outra mão não faz emprego Aonde a tua abriu tão doce chaga. Sempre no mais cruel desasossego, Sempre comigo mesmo em viva guerra, Às vastas ondas outra vez me entrego. Os negros furacões Eolo encerra, Até que aos frouxos olhos se me of'rece O bruto Adamastor, filho da Terra. Vê-me o monstro, que ainda não se esquece Da nossa antiga audácia, e logo exclama Com voz horrível, que trovão parece: "Oh tu, que de uma vã, caduca fama, De uma ilustre quimera ambicioso, A estrada vens saber do afoito Gama; Tu, dos servos de Amor o mais ditoso, Se as desordens fatais da louca idade Te houvesse reprimido o céu piedoso; Tu, que de uma terrestre divindade Memorando os encantos, e os agrados, Deliras entre as garras da saudade; O modelo serás dos desgraçados, Porque mais, ó mortal, a ver não tornas Meigos olhos, por Vénus invejados. As correntes de lágrimas, que entornas, Os suspiros, que exalas de contínuo, A singular paixão, de que te adornas, Nada revoga as ordens do Destino: Que eu de opaca procela estenda o manto Quer, e ao fatal decreto a frente inclino; Mas a tua aflição move-me tanto, Que os olhos meus, a permiti-lo a Sorte, Saberiam, por ti, que coisa é pranto. Das entranhas do inferno arranco a morte, Que a lei do Fado, a meu pesar, me obriga A que a vida misérrima te corte. Mares, lambei dos céus a base antiga, Morra Elmano; adejai, ddragões do Averno, Sobre o veloz baixel, onde se abriga!" Disse dos nautos o inimigo eterno, E aos ares arrojou no mesmo instante Medonhas trevas, pavoroso inverno. O céu troveja, Eolo sibilante Ora aos abismos, ora aos astros leva Entre as asas da morte o lenho errante: Sobre ele o mar violento a fúria ceva, Rebentam cabos, não governa o leme, Consternada celeuma ao ar se eleva. Em tanto horror meu coração não treme, Antes se alenta, agradecendo ao Fado Um bem, que impora, - a morte, que não teme. "Parcas! (eu grito) ó deusas, que a meu lado Andais brandindo as foices carniceiras, Inclinai para cá seu gume ervado: O golpe em mim descarregai ligeiras, Enquanto of'reço à cândida Gertrúria O final pranto, as vozes derradeiras." Céus! Que prodígio! O vento aplaca a fúria, E a teu nome adorado a própria Morte Não ousa, em dano meu, fazer injúria; Teu nome vence a cólera da Sorte: Torna a luz, foge a sombra, e já mil vivas Os muros vão ferir da etérea corte: Só eu choro o prazer, que tu motivas, Só eu sinto escapar deste perigo, Só eu culpo as estrelas compassivas. A próspera derrota assim prossigo, Até que vejo, e piso a sepultura Dos tristes, que não tem na pátria abrigo. Aqui vai sempre a mais minha amargura, Aqui, pela Saudade envenenado, Como espectro acompanho a Noite escura: Aqui ninguém me atende, (oh negro fado!) Nem deuses, nem mortais, ninguém me atende: Tão molesto se faz um desgraçado! Só teu suave nome, a quem se rende O próprio deus de amor, algum momento Meu pranto enfreia, minhas ânsias prende. Sou qual febricitante, que sedento Em libar fresca taça alívio goza, Afagando com ela o sofrimento. Ai gesto encantador, face amorosa, Que me inspiraste da paixão mais pura A doce chama, a chama deleitosa! Que torrente de gosto, e de ternura Fizeste borbulhar no meu semblante, Enquanto o permitiu minha ventura! Qual na cálida sesta o caminhante, Que em despenhada fonte, amena, e fria Matar o vivo ardor vai anelante; Tal nas asas do júbilo eu corria A saciar em ti, vista adorável, O sequioso amor, que em mim fervia. Oh lúbrico prazer! Fortuna instável! Apenas fui feliz, fui desgraçado: Oh catástrofe acerba, e deplorável! Mas tu, Gertrúria bela, ídolo amado, Tu, meu único bem, cuja mudança Me faria acabar desesperado, Por piedade não percas da lembrança O terno adeus, e as lágrimas, e os votos, Com que ele vigorou minha esperança. Vê que, entregue ao furor de horríveis Notos, Vim, só por me fazer de ti mais digno A climas, do meu clima tão remotos. Semblante, para mim sepre benigno, Reserva-me um sorriso: ele somente Pode o meu astro serenar maligno; Eles só me fará viver contente: Só nele está suspensa a minha glória, Só dele o meu sossego está pendente: Voemos para o templo da Memória, Nossa fidelidade ao orbe espante, E sirva de modelo a nossa história; A todo o baixo espírito inconstante Para castigo apontem-lhe a firmeza Do triste Elmano, e de Gertrúria amante; Obra a mais singular da Natureza, Erário dos seus dons, conheça o mundo, Que és tão rara em amor, como em beleza; Abunda nas saudades, em que abundo, Manda-me lá desses ditosos lares Nas asas da ternura um ai profundo, Não tope densa nuvem pelos ares, Que a fortaleza, que o valor lhe tire: Venha, ah! Venha, apesar de imensos mares, E em meus ouvidos, fatigado, expire.
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Vida e Obra |
em 04/10/2008 17:00:00 (7941 leituras) |
Amigos do Luso, é com grande satisfação que apresento a vida e a obra deste Consagrado:
João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade de Recife - PE, no dia 09 de janeiro de 1920, na rua da Jaqueira (depois Leonardo Cavalcanti), segundo filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo. Primo, pelo lado paterno, de Manuel Bandeira e, pelo lado materno, de Gilberto Freyre. Passa a infância em engenhos de açúcar. Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município de Moreno.
Em 1930, com a mudança da família para Recife, inicia o curso primário no Colégio Marista. João Cabral era um amante do futebol, tendo sido campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube em 1935.
Foi na Associação Comercial de Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro emprego, tendo depois trabalhado no Departamento de Estatística do Estado. Já com 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do Café Lafayette, que se reúne em volta de Willy Lewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra.
Em 1940 viaja com a família para o Rio de Janeiro, onde conhece Murilo Mendes. Esse o apresenta a Carlos Drummond de Andrade e ao círculo de intelectuais que se reunia no consultório de Jorge de Lima. No ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasião em que apresenta suas Considerações sobre o poeta dormindo.
1942 marca a publicação de seu primeiro livro, Pedra do Sono. Em novembro viaja, por terra, para o Rio de Janeiro. Convocado para servir à Força Expedicionária Brasileira (FEB), é dispensado por motivo de saúde. Mas permanece no Rio, sendo aprovado em concurso e nomeado Assistente de Seleção do DASP (Departamento de Administração do Serviço Público). Freqüenta, então, os intelectuais que se reuniam no Café Amarelinho e Café Vermelhinho, no Centro do Rio de Janeiro. Publica Os três mal-amados na Revista do Brasil.
O engenheiro é publicado em 1945, em edição custeada por Augusto Frederico Schmidt. Faz concurso para a carreira diplomática, para a qual é nomeado em dezembro. Começa a trabalhar em 1946, no Departamento Cultural do Itamaraty, depois no Departamento Político e, posteriormente, na comissão de Organismos Internacionais. Em fevereiro, casa-se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro. Em dezembro, nasce seu primeiro filho, Rodrigo.
É removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vice-cônsul. Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e espanhóis. Nessa prensa manual imprime Psicologia da composição. Nos dois anos seguintes ganha dois filhos: Inês e Luiz, respectivamente. Residindo na Catalunha, escreve seu ensaio sobre Joan Miró, cujo estúdio freqüenta. Miró faz publicar o ensaio com texto em português, com suas primeiras gravuras em madeira.
Removido para o Consulado Geral em Londres, em 1950, publica O cão sem plumas. Dois anos depois retorna ao Brasil para responder por inquérito onde é acusado de subversão. Escreve o livro O rio, em 1953, com o qual recebe o Prêmio José de Anchieta do IV Centenário de São Paulo (em 1954). É colocado em disponibilidade pelo Itamaraty, sem rendimentos, enquanto responde ao inquérito, período em que trabalha como secretário de redação do Jornal A Vanguarda, dirigido por Joel Silveira. Arquivado o inquérito policial, a pedido do promotor público, vai para Pernambuco com a família. Lá, é recebido em sessão solene pela Câmara Municipal do Recife.
Em 1954 é convidado a participar do Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo. Participa também do Congresso Brasileiro de Poesia, reunido na mesma época. A Editora Orfeu publica seus Poemas Reunidos. Reintegrado à carreira diplomática pelo Supremo Tribunal Federal, passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty.
Duas alegrias em 1955: o nascimento de sua filha Isabel e o recebimento do Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. A Editora José Olympio publica, em 1956, Duas águas, volume que reúne seus livros anteriores e os inéditos: Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina. Removido para Barcelona, como cônsul adjunto, vai com a missão de fazer pesquisas históricas no Arquivo das Índias de Sevilha, onde passa a residir.
Em 1958 é removido para o Consulado Geral em Marselha. Recebe o prêmio de melhor autor no Festival de Teatro do Estudante, realizado no Recife. Publica em Lisboa seu livro Quaderna, em 1960. É removido para Madri, como primeiro secretário da embaixada. Publica, em Madri, Dois parlamentos.
Em 1961 é nomeado chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, e passa a residir em Brasília. Com o fim do governo Jânio Quadros, poucos meses depois, é removido outra vez para a embaixada em Madri. A Editora do Autor, de Rubem Braga e Fernando Sabino, publica Terceira feira, livro que reúne Quaderna, Dois parlamentos, ainda inéditos no Brasil, e um novo livro: Serial.
Com a mudança do consulado brasileiro de Cádiz para Sevilha, João Cabral muda-se para essa cidade, onde reside pela segunda vez. Continuando seu vai-e-vem pelo mundo, em 1964 é removido como conselheiro para a Delegação do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra. Nesse ano nasce seu quinto filho, João.
Como ministro conselheiro, em 1966, muda-se para Berna. O Teatro da Universidade Católica de São Paulo produz o auto Morte e Vida Severina, com música de Chico Buarque de Holanda, primeiro encenado em várias cidades brasileiras e depois no Festival de Nancy, no Théatre des Nations, em Paris e, posteriormente, em Lisboa, Coimbra e Porto. Em Nancy recebe o prêmio de Melhor Autor Vivo do Festival. Publica A educação pela pedra, que recebe os prêmios Jabuti; da União de Escritores de São Paulo; Luisa Cláudio de Souza, do Pen Club; e o prêmio do Instituto Nacional do Livro. É designado pelo Itamaraty para representar o Brasil na Bienal de Knock-le-Zontew, na Bélgica.
1967 marca sua volta a Barcelona, como cônsul geral. No ano seguinte é publicada a primeira edição de Poesias completas. É eleito, em 15 de agosto de 1968, para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Assis Chateaubriand. É recebido em sessão solene pela Assembléia Legislativa de Pernambuco como membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT).
Toma posse na Academia em 06 de maio de 1969, na cadeira número 6, sendo recebido por José Américo de Almeida. A Companhia Paulo Autran encena Morte e vida severina em diversas cidades do Brasil. É removido para a embaixada de Assunção, no Paraguai, como ministro conselheiro. Torna-se membro da Hispania Society of America e recebe a comenda da Ordem de Mérito Pernambucano.
Após três anos em Assunção, é nomeado embaixador em Dacar, no Senegal, cargo que exerce cumulativamente com o de embaixador da Mauritânia, no Mali e na Giné-Conakry.
Em 1974 é agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco. No ano seguinte publica Museu de Tudo, que recebe o Grande Prêmio de Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte. É agraciado com a Medalha de Humanidades do Nordeste.
Em 1976 é condecorado Grande Oficial da Ordem do Mérito do Senegal e, em 1979, como Grande Oficial da Ordem do Leão do Senegal. É nomeado embaixador em Quito, Equador e publica A escola das facas.
A convite do governador de Pernambuco, vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural da Ordem do Mérito de Guararapes, sendo condecorado com a Grã-Cruz da Ordem. Ali é inaugurada uma exposição bibliográfica de sua obra, no Palácio do Governo de Pernambuco, organizada por Zila Mamede. Recebe a Comenda do Mérito Aeronáutico e a Grã-Cruz do Equador.
No ano seguinte vai para Honduras, como embaixador. Publica a antologia Poesia crítica.
Em 1982 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vai para a cidade do Porto, em Portugal, como cônsul geral. Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro. Publica Auto do frade, escrito em Tegucigalpa.
Ganha o Prêmio Moinho Recife, em 1984 e, no ano seguinte, publica os poemas de Agrestes. Nesse livro há uma sessão dedicada à morte ("A indesejada das gentes"). Em 1986 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua esposa, Stella Maria, falece no Rio de Janeiro. João Cabral reassume o Consulado Geral no Porto. Casa-se em segundas núpcias com a poeta Marly de Oliveira.
Em 1987 publica Crime na Calle Relator, poemas narrativos. Recebe o prêmio da União Brasileira de Escritores. É removido para o Rio de Janeiro.
Em Recife, no ano de 1988, lança sua antologia Poemas pernambucanos. Publica, também, o segundo volume de poesias completas: Museu de tudo e depois. Recebe o Prêmio da Bienal Nestlé de Literatura pelo conjunto da obra, e o Prêmio Lily de Carvalho da ABCL, Rio de Janeiro.
Aposenta-se como embaixador em 1990 e publica Sevilha andando. É eleito para a Academia Pernambucana de Letras, da qual havia recebido, anos antes, a medalha Carneiro Vilela. Recebe os seguintes prêmios: Criadores de Cultura da Prefeitura do Recife, Luis de Camões (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil), em Lisboa. É condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário e do Trabalho. A Faculdade Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro publica Primeiros Poemas.
Outros prêmios: Pedro Nava (1991) pelo livro Sevilha andando; Casa das Américas, concedido pelo Estado de São Paulo (1992); e também nesse ano o Neustadt International Prize for Literature, da Universidade de Oklahoma. Viaja a Sevilha para representar o presidente da República nas comemorações do dia 7 de Setembro, que tiveram lugar na Exposição do IV Centenário da Descoberta da América. No Pavilhão do Brasil, foi distribuída sua antologia Poemas sevilhanos, em edição especial. No Rio de Janeiro, na Casa da Espanha, recebe do embaixador espanhol a Grã-Cruz da Ordem de Isabel, a Católica.
Em 1993 recebe o Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro.
João Cabral era atormentado por uma dor de cabeça que não o deixava de forma alguma. Ao saber, anos atrás, que sofria de uma doença degenerativa incurável, que faria sua visão desaparecer aos poucos, o poeta anunciou que ia parar de escrever. Já em 1990, com a finalidade de ajudá-lo a vencer os males físicos e a depressão, Marly, sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos tidos como de autoria do biografado. Conforme declarações de amigos, escreveu o discurso de agradecimento feito pelo autor ao receber o Prêmio Luis de Camões, considerado o mais importante prêmio concedido a escritores da língua portuguesa, entre outros. Foi a forma encontrada para tentar tirá-lo do estado depressivo em que se encontrava. Como não admirava a música, o autor foi perdendo também a vontade de falar ("Não tenho muito o que dizer", argumentava). Era, sem dúvida, o nosso mais forte concorrente ao prêmio Nobel, com diversas indicações dos mais variados segmentos de nossa sociedade.
Transcrevemos abaixo o discurso proferido por Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, por ocasião da morte do poeta, em 09/10/99:
"Adeus a João Cabral"
"Severino retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga; é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina; mas se responder não pude à pergunta que fazia ela, a vida, a respondeu com sua presença viva."
Vida que foi para João Cabral uma bonita e ao mesmo tempo sofrida obra de engenharia poética, como demonstrou no seu inesquecível Morte e Vida Severina.
Aqui está o poeta João Cabral de Melo Neto, presente pela última vez na Academia Brasileira de Letras, de que foi, por 30 anos, uma das figuras fundamentais. Aos 79 anos, apaga-se a voz de significação universal, com a singularidade do seu verso, tantas vezes lembrado para a glória do Prêmio Nobel de Literatura.
A nossa dor, que é também a da sua companheira Marly de Oliveira e dos seus filhos e demais parentes, não apaga da nossa memória a convicção de que foi ele um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos - o poeta da razão - que jamais esqueceu, mesmo nos 40 anos de vida diplomática, as suas raízes pernambucanas. O homem que soube desenhar em versos cálidos a saga do retirante nordestino, quando ainda não havia passado dos 35 anos de idade.
João Cabral, o poeta João, que não se conformava em perfumar a flor, é o mesmo que escreveu aos 22 anos o livro Pedra do Sono, para depois nos brindar, entre outros, com O engenheiro, O cão sem plumas, Poesias completas, A educação pela pedra e o antológico Morte e Vida Severina, com versões no teatro e na mídia eletrônica.
Fecham-se os olhos cansados do poeta João e não conseguimos realizar o sonho que agora desvendo: ver o América Futebol Clube voltar aos seus dias de glória. Nem o daqui do Rio, nem aquele que era a sua verdadeira paixão: o América do Recife.
Quando preparava com ele a Cabraliana, que foi o seu primeiro audiolivro, ouvi fantásticas histórias da vida diplomática, especialmente dos tempos de Portugal, Espanha e Marrocos, além de nele reconhecer um orgulho especial pela família, parente que foi de grandes escritores brasileiros, como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Mauro Mota e Antônio de Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicionário de Língua Portuguesa. Parece que era herdeiro, no seu jeito tão humilde e cativante, de uma genética literária originalíssima.
É compreensível a nossa consternação. Enquanto a saúde permitiu, honrou esta casa com a sua assiduidade e o seu sentimento da mais pura cordialidade. Sofrendo agora com o seu silêncio, curvamo-nos diante do grande poeta, para afirmar que a Academia sempre o terá presente, com a saudade e a admiração de todos os seus confrades.
Descanse em paz, poeta João. A sua presença jamais deixará de estar conosco. Teremos o consolo da sua poesia imortal."
Bibliografia
OBRAS DO AUTOR
POESIA
- Pedra do sono. Recife: Edição do autor, 1942 (tiragem especial em papel Drexler).
- Os três mal-amados. Rio de Janeiro: Revista do Brasil, 1943.
- O engenheiro. Rio de Janeiro: Amigos da Poesia, 1945.
- Psicologia da composição com a fábula de Anfion e Antiode. Barcelona: O livro inconsútil, 1947.
- O cão sem plumas. Barcelona:0 livro inconsútil, 1950. 2a. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984 (com Fotografias de Maureen Bisilliat).
- O rio ou Relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife. São Paulo: Edição da Comissão do IV Centenário de São Paulo, 1954.
- Dois parlamentos. Madri: Edição do autor, 1960.
- Quaderna. Lisboa: Guimarães Editores, 1960.
- A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966.
- Museu de tudo. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1975.
- A escola das facas. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1980.
- Auto do frade. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1984; 2a. edição, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira 1984 (da 2a. edição foi feita uma tiragem de 100 exemplares em papel vergê).
- Agrestes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985 (tiragem especial em papel vergê).
- Crime na Calle Relator. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1987.
- Primeiros poemas. Rio de Janeiro: Edição da Faculdade de Letras da UFRJ, 1990.
- Sevilha andando. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
POEMAS REUNIDOS
- Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Edição de Orfeu, 1954.
- Duas águas Rio de Janeiro: Editora José Olympio. 1956 (tiragem especial em papel Westerprin).
- Terceira feira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961.
- Poesias completas. Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1968; 4a. edição, Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1986.
- Poesia completa. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986.
- Museu de tudo e depois (Poesia Completa II). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.
ANTOLOGIAS
- Poemas escolhidos. Seleção de Alexandre O'Neil. Lisboa: Portugália Editora, 1963. - Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1965; 8a. edição, Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1991.
- Morte e vida severina. São Paulo: Teatro da Universidade Católica, 1965.
- Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966; 6a. edição, Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1974 (inclui O rio, Morte e vida severina e Dois parlamentos); 34a. edição, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1994 (inclui O rio, Morte e vida severina, Dois parlamentos Auto do frade).
- Morte e vida severina. Rio de Janeiro: Editora Sabiá 1969.
- O melhor da poesia brasileira (Drummond, Cabral, Bandeira, Vinicius). Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1979.
- João Cabral de Melo Neto. Seleção de José Fulaneti de Nadal. São Paulo: Abril Educação, 1982.
- Poesia crítica. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1982.
- Morte e vida severina. Litografias de Liliane Dardot. Recife: Grandes Moinhos do Brasil S/A, 1984.
- Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Recife: Moinho Recife, 1984 (fora do comércio).
- Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de Antonio Carlos Secchin. São Paulo: Global Editora, 1985.
- Poemas pernambucanos. Centro Cultural José Mariano. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira 1988 (edição especial fora do comércio).
- Poemas sevilhanos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992 (edição especial fora do comércio).
PROSA
- Considerações sobre o poeta dormindo. Recife: Renovação 1941.
- Joan Miró. Barcelona: Editions de l'Oc, 1950 (com gravuras originais de Miró).
- Joan Miró. Rio de Janeiro: Cadernos de Cultura do MEC, 1952.
- O Arquivo das Índias e o Brasil [pesquisa histórica]. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1966.
- Poesia e composição. Coimbra: Fenda Edições, 1982.
TRADUÇÕES
PARA O ALEMÃO
- Der Hund ohne Federn. Tradução de Willy Keller. Stuttgart: Rot, 1964.
- Ausgewählte Gedichte. Tradução de Curt Meyer-Clason. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1968.
- Der Hund ohne Federn. Gedichte. Tradução de Curt Meyer-Clason. Hamburgo e Dusseldorf: Classen Verlag, 1970.
- Poesiealbum. Tradução de Curt Meyer-Clason. Berlim: Verlag Neues Leben, 1975.
- Tod und Leben des Severino. Tradução de Curt Meyer-Clason. Wuppertal: Peter Hammer Verlag, 1975.
- Tod und Leben des Severino. Tradução de Curt Meyer-Clason, St. Gallen/Wuppertal: Edition diá, 1985.
- Tod und Leben des Severino. Tradução de Curt Meyer-Clason. Munique/Zurìque: Piper, 1988.
- Der Weg des Monchs. Tradução de Curt Meyer-Clason. St. Gallen/Colônia: Edition diá, 1988.
- Erziehung durch den Stein. Tradução de Curt Meyer-Clason. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1989.
- Der Fluss (Das Triptychon des Capibaribe). Tradução de Curt Meyer-Clason. St Gallen: Edition diá, 1993.
PARA O ESPANHOL
- Seis poemas de "Serial". Tradução de Angel Crespo. Madri: Separata da Revista de Cultura Brazileña, 1962.
- Poemas sobre España de João Cabral de Melo Neto. Tradução de Angel Crespo e Pilar Gómez Bedate. Madri:Separata de Cuadernos Hispanoamericanos, 1964.
- Muerte y vida severina.Tradução de Angel Crespo e Gabino-Alejandro Carriedo. Madri: Primer Acto, 1966.
- Muerte y vida severina.Tradução de Angel Crespo e Gabino-Alejandro Carriedo. Lima: Instituto Nacional de Arte Dramatico, 1969.
- Antología poética. Seleção e tradução de Margarita Russotto. Caracas: Fundarte. 1979.
- Poemas. Tradução de Carlos Germán Belli. Lima: Centro de Estudos Brasileños, 1979.
- Dos parlamentos. Tradução de Gabino-Alejandro Carriedo, Madri: Poesia, 1980.
- La educación por la piedra.Tradução de Pablo del Barco. Madri: Edicion Visor, 1982.
- Muerte y vida severina. Auto del fraile. Tradução de Santiago Kovadloff. Buenos Aires: Edición Legasa, 1988.
- Antología poética. Tradução de Angel Crespo. Barcelona: Editorial Lumen, 1990.
PARA O ITALIANO
- Morte e vita severina (inclui Il cane senza plume e Il fiume). Torino: Giulio Einaudi Editore, 1973.
- Museo di tutto. Tradução de Adelina Aletti. Milão: Libri Scheiwiller, 1990.
PARA 0 INGLÊS
- The Complete Poems of Elizabeth Bishop. Nova York: Farrar, Strauss & Giroux, 1969.
- Two parliaments and Poems. Tradução de Richard Spock. In Brazilian Painting and Poetry. Rio de Janeiro:Spala Editora, 1979.
- A Knife all Blade. Tradução de Kerry Shawn Keys. Pennsylvania: Pine Press, 1980.
PARA 0 HOLANDÊS
- Gedichen. Tradução de August Willlemsen. Leiden, Uitgeverij de Lantarn, 1981.
PARA O FRANCÊS
- Joan Miró. Tradução de Henri Moreu. Barcelona: Editions de l'Oc, 1950.
PREFÁCIOS
- Collor, Fernando, e Lafer, Celso. Prefácios a Poemas sevilhanos. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1992.
- Lewin, Willy. Prefácio a Pedra do sono, Recife: Edição do Autor, 1942.
- Lopes, Oscar. Prefácio a Poesia completa. Lisboa: Editora da Imprensa Nacional/Casa da Moeda,1986.
- Maranhão, Gustavo de Albuquerque. Prefácio a Poemas pernambucanos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,1988.
- Oliveira, Marly de. Prefácio a Museu de tudo e depois (Poesia completa II). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988.
- Rodrigues, José Honório. Prefácio a O Brasil no Arquivo das Índias de Sevilha. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1966.
- Secchin, Antonio Carlos. Prefácio a Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Global Editora, 1985.
- ___________. Prefácio a Primeiros poemas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 1990.
- Torres, Alexandre Pinheiro. Prefácio a Poemas escolhidos. Lisboa: Portugália Editora, 1963.
LIVROS SOBRE O AUTOR
- Afonso, Antonio José Ferreira. João Cabral: uma teoria da luz. Braga: Faculdade de Filosofia,1993.
- Andrade, Eugênio de, et alii. O TUCA no Porto. Porto: Plano, 1966.
- Barbosa, João Alexandre. A imitação da forma. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975. - Bechara, Eli Nazareth. Cabral: dois momentos no tecer da manhã. São José do Rio Preto: Centro de Publicações, Ibilce, UNESP, 1991.
- Brasil, Assis. Manuel e João. Rio de Janeiro: lmago Editra, 1990.
- Cafezeiro, Alice F.L.A. A estrutura semântica em "Tecendo a Manhã", de João Cabral de Melo Neto. Petrópolis: Editora Vozes. 1966.
- Camlong, André. Le vocabulaire poétique de João Cabral de Melo Neto. Toulouse: Cahier nº. 1, Centre d'Étude Lexicologique, Université de Toulouse, 1978.
- Carone, Modesto. A poética do silêncio. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.
- Ciampa, Antônio da Costa. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Editora Brasiliense 1987.
- Crespo, Angel e Gómez Bedate, Pilar. Realidad y forma en la poesia de Cabral de Melo. Madri: Revista de Cultura Brasileña, 1964.
- Escorel, Lauro. A pedra e o rio. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1973.
- Gledson, John A. Sleep, Poetry and João Cabral's "false book": a revaluation of Pedra do Sono. Liverpool: Separata do Bulletin of Hispanic Studies, University of Liverpool, 1978.
- Gonçalves, Aguinaldo. Transição e permanência. São Paulo: Iluminuras Produções Editoriais Ltda., 1989.
- Lima, Luís Costa. Lira e antilira. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968.
- _______. O espaço da percepção. Petrópolis: Editora Vozes, 1968.
- Lobo, Danilo. O poema e o quadro. Rrasília: Thesaurus Editora, 1981.
- Lopes Filho, Napoleão. Interpretação silenciosa de dois poemas de João Cabral de Melo Neto. Lisboa: Ocidente, 1964.
- Mamede, Zila. Civil geometria [bibliografia crítica]. São Paulo: Livraria Nobel, EDUSP, 1987. - Martelo, Rosa Maria. Estrutura e transposição. Porto: Fundação Eng. Antonio de Almeida. 1989.
- Mendes, Nancy Maria. Ironia, sátira, paródia e humor na poesia de João Cabral de Melo Neto. Belo Horizonte:Universidade Federal de Minas Gerais, 1980.
- Nadal, José Fulaneti de (seleção). João Cabral de Melo Neto. Notas e estudos de Samira Youssef Campedelli e Benjamin Abdala Jr. São Paulo: Abril Educação, 1982.
- Nunes, Benedito. João Cabral de Melo Neto. Petrópolis: Editora Vozes, 1971.
- Oliveira, Célia Terezinha Guidão da Veiga. O lexema seda num poema de João Cabral de Melo Neto. Petrópolis Editora Vozes, 1971.
- Oliveira, Marly de. O deserto jardim. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
- Peixoto, Marta. Poesia com coisas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1983.
- Pires Filho, Ormindo. A contestação em João Cabral de Melo Neto. Recife: Instituto Joaquim Nabuco, 1977.
- Prado, Antônio Lázaro de Almeida. Rosa tetrafoliar, uma leitura de "A educação pela pedra". Assis: UNESP, Separata da Revista de Letras, 1976.
- Sampaio, Maria Lúcia Pinheiro. Os meios de expressão na obra de João Cabral de Melo Neto. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1973.
- _________. A palavra na obra de João Cabral de Melo Neto. Assis: Separata da Revista de Letras, 1975.
- _________. Processos retóricos na obra de João Cabral de Melo Neto. São Paulo: HUCITEC, 1980.
- Secchin, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1985.
- Senna, Marta de. João Cabral: tempo e memória. Rio de Janeiro: Antares, 1980. - Soares, Angélica Maria Santos. O poema, construção às avessas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
- ______. The Rigors of Necessity. Oklahoma: World Literature Today, The University of Oklahoma, 1992.
ENSAIOS EM LIVROS SOBRE O AUTOR
- Almeida, José Américo de. Discurso de recepção de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Discursos acadêmicos, Academia Brasileira de Letras, 1969.
- Aslan, Odette e Meyer, Marlyse. Les voies de la création théatrale. Paris: Centre National de Recherches Scientifiques, 1970.
- Ávila, Afonso. O poeta e a consciência crítica. São Paulo: Summus Editorial, 1978.
- Barata, Manuel Sarmento. Canto melhor. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1969.
- Barbosa, João Alexandre. A metáfora crítica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.
- ______. As ilusões da modernidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1986.
- Brito, Jomar Muniz de. Do modernismo à bossa nova. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966.
- Campos, Augusto de. Poesia, antipoesia, antropofagia. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
- Campos, Haroldo de. Metalinguagem. Petrópolis: Editora Vozes, 1967.
- ______. Verso reverso controverso. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.
- Carone, Modesto. Os pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983.
- Casado, José. Livro branco da crítica literária, Maceió: s.n., 1966.
- Castro, Sílvia. A revolução da palavra. Petrópolis: Editora Vozes, 1978.
- Ceribelli, Dirce Teresa. Poética e função metalingüística. São Paulo: PVS, 1974.
- Chamie, Mario. A linguagem virtual. São Paulo: Quiron, 1976.
- ______. Casa da época. São Paulo: Conselho Estadual das Artes, 1979.
- Coelho, Eduardo Prado. O reino flutuante. Lisboa: Editora 70, 1972.
- Coelho, Nelly Novaes. Língua e literatura. São Paulo: Faculdade de Filosofia, 1978.
- Crispim, Luiz Augusto. Por uma estética do real. João Pessoa: A União Editora, 1969.
- Ferrara, Lucrécia d'Alessio. O texto estranho. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.
- Ferreira, Nadia Paulo. Teoria de literatura. Petrópolis: Editora Vozes, 1971.
- Fonseca, José Paulo Moreira da. Dez fragmentos e um poema sobre a poesia de João Cabral. Rio de Janeiro:Spala, 1979.
- Fortuna, Felipe. A escola da sedução. Porto Alegre: Editora Artes e Ofícios, 1991.
- Freixeiro, Fábio. Da razão à emoção I. São Paulo: Editora Nacional, 1968.
- ______. Da razão à emoção II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971.
- Garcia, Othon Moacir. A página branca e o deserto. Rio de Janeiro: Revista da Livro, 1957.
- Goldstein, Norma Seltzer, e Campedelli, Samira Youssef. Literatura brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1976.
- Guerra, José Augusto. Testemunhas de crítica. Recife: Editora Universitária, 1974.
- Gullar, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Editora Civilizaçãn Brasileira, 1965.
- ______. Vanguarda e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969.
- ______. Augusto dos Anjos: toda a poesia. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1976. - Hill, Telenia. Estudos de crítica e teoria literária. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1989.
- ______. L'homme dans la modernité. Paris: Sorbonne, 1990.
- Holanda. Sergio Buarque de. Cobra de vidro. São Paulo: Editora Perspectiva. 1978.
- Houaiss, Antonio. Drummond mais seis poetas e um problema. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.
- Junqueira, Ivan. O encantador de serpentes. Rio de Janeiro: Editora Alhambra, 1987.
- Leite, Sebastião Uchoa. Participação da palavra poética. Petrópolis: Editora Vozes, 1966.
- ______. Crítica clandestina. Rio de Janeiro: Editora Taurus, 1986.
- Lima, Laurênio. Crônica de letras pernambucanas. Recife: Imprensa Universitária, 1965.
- Lima, Luís Costa. A metamorfose do silêncio. Rio de Janeiro: Editora Eldorado, 1974.
- ______. Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1981.
- Lins, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1963.
- Lopes, Oscar. Ler e depois. Porto: Editora Inova, 1970.
- Mantero, Manuel. La poesia del "yo" al "nosotros". Madri: Editora Guadanama, 1971.
- Mendes, Nancy Maria. Ensaios de semiótica. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1980.
- Merquior, José Guilherme. Razão do poema. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965.
- ______. A astúcia da mímese. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
- ______. As idéias e as formas. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981.
- ______. Crítica. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
- Moises, Carlos Felipe. Poesia e realidade. São Paulo: Editora Cultrix, 1977.
- Monteiro, lrma Chaves. A traição da linguagem. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica/RJ, 1976.
- Moutinho, José Geraldo Nogueira. A procura do número. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1967.
- Nemésio, Vitorino. Conhecimento da poesia. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1958.
- ______. Conhecimento da poesia. Lisboa: Verbo, 1970.
- Nist, John. The Modernist Movement in Brazil. Austin: University of Texas Press, 1967.
- Nunes, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Editora Perspectiva, 1969.
- ______. João Cabral de Melo Neto. Petrópolis: Editora Vozes, 1971.
- Nunes, Cassiano. Breves estudos de literatura brasileira. São Paulo: Editora Saraiva, 1969.
- Pereira Couto, Alberto Novais. As diversas correntes do teatro moderno brasileiro. Coimbra, 1966.
- Picchio, Luciana Stegagno. Letteratura brasiliana. Milão: Sansoni Accademia, 1972.
- ______. La littérature brésilienne. Paris: Presses Universitaires de France, 1981.
- Pignatari, Décio. Contracomunicação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
- Pires Filho, Ormindo. O social e outros ensaios. São Paulo: Quiron, 1976.
- Portela, Eduardo. Dimensões I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
- Ramos, Maria Luiza. Fenomenologia da obra literária. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1969.
- Ricardo, Cassiano. O homem cordial e outros pequenos estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1959.
- Santa Cruz, Luís. A metapoética de João Cabral através de Joaquim Cardoso. Rio de Janeiro: Senhor, 1962.
- Santos, Vitto. Poesia e humanismo. Rio de Janeiro: Artenova, 1971.
- Saraiva, Arnaldo. Encontros des-encontros. Porto: Livraria Paisagem, 1973.
- Secchin, Antonio Carlos. Morte e vida cabralina. Rennes: Universidade de Rennes II, 1991.
- Silva, Amazildo Vasconcelos. Lírica modernista e percurso literário brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978.
- SilvA Ramos, Pericles Eugênio de. O modernismo brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959.
- Simões, João Gaspar. Crítica II. Lisboa: Delfos, 1961.
- ______. Literatura, literatura, literatura... Lisboa: Portugália Editora, 1964.
- Teles, Gilberto Mendonça. La poesia brasileña en la actualidad. Montevidéu: Editorial Letras, 1969.
- Torres, Alexandre Pinheiro. Programa para o concreto. Lisboa: Ulisseia Ltda., 1966.
- Tufano, Douglas. Estudos de literatura brasileira. São Paulo: Editora Moderna, 1975. - Xavier, Raul. Romance e poesia do Norte. Rio de Janeiro, Categoria; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1980.
- Zagury, Eliane. A palavra e os ecos. Petrópolis: Editora Vozes, 1971.
FILMES
- O curso do poeta. Produtores: Fernando Sabino e David Neves. Roteiro e direção de ]orge Laclette, 1973.
- Morte e vida severina: um filme documento. Direção de Zelito Vianna, 1976.
- O mundo espanhol de João Cabral de Melo Neto. Produção e direção de Carlos Henrique Maranhão,1979.
- Morte e vida severina. Direção de Walter Avancini. TV Globo, 1981.
- O ovo de galinha. Recitado por Ney Latorraca. TV Globo, 1980.
DISCOCRAFIA
- Poesias - Murilo Mendes e João Cabral de Melo Neto. Lp 010. Festa, Discos Ltda., 1956.
- O Teatro da Universidade Católica de São Paulo apresenta Morte e vida severina. P. 932.900 L., Nancy, 1966.
- Morte e vida severina - Música de Chico Buarque de Holanda, Car 4002, Caritas.
- João Cabral de Melo Neto por ele mesmo. IG 79.029. Festa, Serie de Lux. s/d.
- Poemas de João Cabral de Meto Neto. 2 discos. Som Livre, 1982.
ÓPERA
- Severino: Auto de Navidad - Música de Salvador Moreno.Ópera de Bellas Artes, México. 1966 (Apresentado antes no Teatro Lyceu de Barcelona).
**Dados obtidos nos livros do autor, em "Obra Completa", organizada por Marly de Oliveira com assistência do autor e em sites da Internet.
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Como a Morte se Infiltra |
em 04/10/2008 16:50:00 (4935 leituras) |
Como a Morte se Infiltra João Cabral de Melo Neto Certo dia, não se levanta porque quer demorar na cama.
No outro dia ele diz por que: é porque lhe dói algum pé.
No outro dia o que dói é a perna, E nem pode apoiar-se nela.
Dia a dia lhe cresce um não, um enrodilhar-se de cão.
Dia a dia ele aprende o jeito em que menos lhe pesa o leito.
Um dia faz fechar as janelas: dói-lhe o dia lá fora delas.
Há um dia em que não se levanta: deixa-o para a outra semana,
Outra semana sempre adiada, que ele não vê por que apressá-la.
Um dia passou vinte e quatro horas incurioso do que é de fora.
Outro dia já não distinguiu noite e dia, tudo é vazio.
Um dia, pensou: respirar, eis um esforço que se evitar.
Quem deixou-o, a respiração ? Muda de cama. Eis seu caixão
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Privilégio do mar |
em 03/10/2008 14:20:00 (18746 leituras) |
Neste terraço mediocremente confortável, bebemos cerveja e olhamos o mar. Sabemos que nada nos acontecerá.
O edifício é sólido e o mundo também.
Sabemos que cada edifício abriga mil corpos labutando em mil compartimentos iguais. Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador e vem cá em cima respirar a brisa do oceano, o que é privilégio dos edifícios.
O mundo é mesmo de cimento armado.
Certamente, se houvesse um cruzador louco, fundeado na baía em frente da cidade, a vida seria incerta... improvável... Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis. Como a esquadra é cordial!
Podemos beber honradamente nossa cerveja.
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A Carlos Drummond de Andrade |
em 03/10/2008 13:10:00 (3844 leituras) |
Não há guarda-chuva contra o poema subindo de regiões onde tudo é surpresa como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva contra o amor que mastiga e cospe como qualquer boca, que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva contra o tédio: o tédio das quatro paredes, das quatro estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva contra o mundo cada dia devorado nos jornais sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva contra o tempo, rio fluindo sob a casa, correnteza carregando os dias, os cabelos.
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Sobre um poema. |
em 30/09/2008 14:30:00 (4251 leituras) |
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente na confusão da carne, sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, talvez como sangue ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol. Fora, os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor, os rios, a grande paz exterior das coisas, as folhas dormindo o silêncio, as sementes à beira do vento, - a hora teatral da posse. E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema. Insustentável, único, invade as órbitas, a face amorfa das paredes, a miséria dos minutos, a força sustida das coisas, a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora a espinha do mistério. - E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
(Como nao tenho o dom de escrever poesia,deixo aqui este lindo poema sobre justamente"o poema.)
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O grande desastre aéreo de ontem |
em 26/09/2008 21:40:00 (14654 leituras) |
Para Cândido Portinari
Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
FONTE: JORNAL DA POESIA
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Mulher proletária |
em 25/09/2008 17:40:00 (19401 leituras) |
Mulher proletária
Mulher proletária — única fábrica que o operário tem, (fabrica filhos) tu na tua superprodução de máquina humana forneces anjos para o Senhor Jesus, forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária, o operário, teu proprietário há de ver, há de ver: a tua produção, a tua superprodução, ao contrário das máquinas burguesas salvar o teu proprietário.
FONTE: JORNAL DA POESIA
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