Crónicas : 

A noite do destino.

 
Se acaso interessasse, teriam visto seus olho, assustadores eclipses de onde a vida partira.Olhos, onde antes se hospedavam cupidos, agora um pântano derramando visões tantas, segredos, belezas e torpezas piedade do próprio estado de abandono. Perceberia o vento sem forças sequer para encrespar a maré pequena, oriunda de uma única gota de sangue esfomeado de vida devolvida gota a gota, átomo a átomo, ao grande incógnito vazio do Universo, que já não era necessário penetrar em seus pulmões ? O ar não se agita o mar permanece imóvel translúcido sem ondas, sem movimento, um grande lago sem vida, tanto vale a tumba quanto o regaço materno.
Não haverão de conhecer neste rosto pálido cerâmico os caminhos tortuosos esculpidos pela mão invisível e implacável do tempo.
Nada disto acontecerá nem a visão da felicidade alheia confortadora, nem a visão perturbadora da cólera alheia, nem a visão molhada de amores perdidos. Neste tumulo em que se transformara, ninguém se irrita, ninguém sorri, ninguém se mostra, o ódio não é permitido não é permitido sofrer além desta esperança desprovida de metas sem energia, este tédio sem fim.
O universo infalível da ostentação tecido no seu cérebro putrefava solitário nos seus sonhos dispersos, e estas luzes pálidas rotas que encharcavam úmidas e prateadas seu corpo abandonado, nada revelavam ou distinguiam. Todo o resto eram ofensas, emoções para este corpo nascido e morto da noite do destino.

Carlos Said

 
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Carlos Said
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 14/02/2009 13:25  Atualizado: 14/02/2009 13:25
 Re: A noite do destino.
Que maravilha Carlos! Só quem já adentrou nesta "noite do destino" conhece de fato o significado desta sua crônica. Estou aqui com vontade de reler mais vezes, por isto deixarei nos meus favoritos. Bjos daqui.