Poemas, frases e mensagens de crstopa

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de crstopa

[A Palavra que te Busca]

 
[Eu sou um ingênuo, sabe?]

Às vezes, tenho uma vontade estranha:
eu queria, por meio de algum sortilégio,
fundir-me nesse meu dizer e sair por aí,
pulsando na pura vibração de minhas palavras,

a dobrar esquinas, descer ladeiras,
até chegar àquela janela forrada de renda branca.
Nesse instante, eu seria um modo de pura palavra,
que se desvela... que confessa... ama e deseja!

Aonde não pode ir o meu corpo, iria
o meu eu-palavra transmutado na presentificação
de um íncubo que te toma e te possui: a forma fálica,
quente, úmida; a lúbrica forma quase confessável

que visita — eu tenho certeza!— os teus sonhos.
O meu eu-viajante noturno seria a engendração misteriosa
que te faria sentir na maciez perfumada do teu colo
que me alucina, o toque da minha língua sequiosa!

Ah! Pudesse esse meu eu-viajante recolher e trazer-me
o almíscar que trescala a tua boca que me sugou o falo
enquanto a minha língua percorria a tua greta úmida!
Ah... essa palavra... essa tensa palavra-eu que te busca!

________
Da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Bagio
 
[A Palavra que te Busca]

[Restos de Nada]

 
A cascavel estava no topo do
barranco da passagem do corgo,
deu no chocalho e assustou o meu cavalo.
Terminou morta a paulada,
e ficou lá, jogada no trieiro
onde quase ninguém passa.

Na volta,
depois de muito nascer do sol,
o esqueleto branco da cobra tava lá,
embranquecido, sequinho, sequinho.
Tinha grumos de terra no meio das costelas,
parando e olhando bem de perto, deu pra ver que
era coisa das formiguinhas que comiam
as últimas lasquinhas secas de carne
ainda restantes nos ossos da cobra.

Para que é que me servem esses
restos de ossos que ainda carrego?
Tinha também uma cabeça de boi
amarrada numa macaúba alta, alta...
A magrice da árvore quase não comportava a caveira.
lembro dos olhos do boi [faz tempo...]
no momento que ele levou o tiro de espingarda
que fez aquele buraco que eu vejo na caveira.

E aí? Aí, os marimbondos fizeram ninho na caveira,
eu cheguei devagar que não sou besta de atiçar eles,
e vi um deles na portinha do buraco de bala.
Por onde entra a bala que mata,
sai marimbondo que zune atrás da gente!

Eh! De fato, no duro mesmo,
eu não sei se tenho mais medo da bala que alivia,
digo, que mata, e deixa caveiras assim, branqueando ao sol,
do que do marimbondo que bota gente viva pra correr!

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Revisitando-me, às vezes, reencontro o mesmo espanto que antes me levara a escrever... às vezes, nada mais acho... só ingenuidade, só simplicidade; pois antes de mais nada, eu sou simples... quem é que não se deixa enganar pelas minhas palavras? Negaceio o que sou... sempre!

Ah... o poema é do Cap. 2 - Cria e Recria - do meu livrinho, "Araguaris[Narrativas Poéticas]", com primorosas ilustrações de Paula Baggio... trabalho que apresentamos, em interarte, no Museu Nacional de Belas Artes - Rio, 2001
 
[Restos de Nada]

[Paisagens Perdidas... e Eu]

 
Eu.
Nada.
Ninguém.
Nunca.

[O arraial é; o arraial está à margem do tempo]

O arraial, um deserto de pássaros cansados do voo.
Praia de rio, vazia, erma de doer o peito.
Rua do arraial, batida pelo vento.
O inverno do arraial é um assovio de lâmina afiada; corta...
Cemitério do arraial cravado de silêncios antigos.
Ninho caído depois da chuva, filhotes mortos.
Desespero de mãe pobre, o filho perdido para o azar.
Rua do arraial, velhos sem onde, fumam, fumam devagar...
Rua do arraial, venda pobre, cachaça morna.
Córrego do arraial, esperanças todas idas nas cheias de janeiro.
Igreja do arraial, vontade de ir para o céu que não existe.
Ninho caído... casa desfeita, filhas na zona.
Rua do arraial, e na tarde, burros cansados do eito.
Praia de rio, putas morenas me querem, mas zombam de mim.
Praia de rio, canoa que escapa de mim, e eu fico.
Rua do arraial, cachorro magro, e nas janelas, uns eus já desistidos.
Cemitério do arraial, vidas enterradas no nada, orgulhos vencidos.
Desespero de mãe pobre, filho sem futuro, filho-ninguém.
Na venda miserável do arraial, um certo filho bêbado, entregue...

E na paisagem do arraial,
de novo,

eu,
nada,
ninguém,
nunca.

Eu, para sempre calado,
por que
falar é inútil,
pensar é nada,
agir é nada,
historicamente, nada,
nada veio de quem pensa...
Mentira: tudo vem de quem pensa
e age, age sem esperança.
Mas age sem voltar ao arraial
onde estou agora, a pensar...

E de novo,
eu,
nada,
ninguém,
nunca.

Por que, afinal,
contradição é o meu nome,
para sempre,
ou só até amanhã,
pois sempre amanhece,
sempre...

Wittgenstein estava louco
ao semear dúvida em algo
tão certeiro: sim, amanhece...
Mas eu posso duvidar,
pois eu sou um físico,
e sou:

eu,
nada,
ninguém,
nunca.

E antes mim, nada;
depois de mim, nada.

Eu sou um perdido
na praia erma do rio,
e o vento leva o meu olhar
no crespo das águas turvas.
_____________
[Desterro, 17 de novembro de 2011]
 
[Paisagens Perdidas... e Eu]

[Pensando no avesso das coisas]

 
O sol inunda de luz a cozinha
enquanto eu lavo o prato de vidro
em que derreti o queijo meu de cada dia.

Varada de luz, a água banha as minhas mãos,
escoa pela lisura suave das faces do prato,
e enquanto se desfazem as bolhas do detergente,
eu penso:

ah, que esta vida não vale nada!
O que é viver senão essa constante
e covarde gemedeira por recusar a finitude?

O que é a vida senão sentir medo
e sonhar que se teve um antes,
e haverá, portanto, um depois?

O que é a vida senão recusar o solene dito
dos faraós do Egito... "O Ontem me criou...", e assim,
descompreender que somos apenas filhos do Tempo?

O que é a vida senão este estúpido
depósito de fé num ser inexistente,
criado pelo próprio medo da finitude?

[Corte — pois era apenas um prato a ser lavado,
e o pensamento, curto, foi-se ralo abaixo,
e dele ficou apenas este pífio registro]
_____________________________
[Desterro, 24 de janeiro de 2013]

PS. Um dia, entro num restaurante
e lavo todos os pratos, todos...
quem sabe consiga pensar às direitas,
e não ao avesso do ser das coisas?

Em tempo: não aprendi a dançar,
portanto[!?!] não sei criar títulos
interessantes para os nadas de ser
que eu escrevo
 
[Pensando no avesso das coisas]

[Afinal, Não Era Ordem?!]

 
Nas ruas vazias, a esta hora,
qualquer rumo é rumo...

Os olhos cansados percorrem
um jardim pisado, judiado...
Não é tempo de urdir relações;
fugazes, desacontecem os desejos,
o corpo trai a mente... é quase fatal!

Assim, depois de tanta insistência,
de tanta volúpia escoada no ralo,
tudo desaba... desaba em silêncio,
em perfeita e inútil ordem.

Afinal, não era apenas isto,
ordem, planos organizados,
certeiros, a fuga do risco, enfim,
o que se buscava tanto?!

Mas nessa peça louca, sem diretor,
sob a máscara do ator perdido,
coragem sempre foi apenas uma má palavra...

________
[Desterro, 01 de julho de 2012]
 
[Afinal, Não Era Ordem?!]

[Saídas]

 
Voltei a este texto mais uma vez. Como eu já disse, eu volto a este texto como o cão torna ao seu próprio vômito. Volto por que me repugnam, hoje e sempre, a ansiosa e estulta busca de infinitude, e também a estupidez dos que vivem esquecidos da Morte — é disto que trata este texto, “Saídas”.

Eu não gosto e nem desgosto do que eu escrevo; tal juízo não me compete, e afinal, a ninguém compete — pois, quem sou eu, e quem haverá de ler isto?! Escrever é alívio, é descompressão...

Eu sou apenas mais um bêbado na festa-guerra vida, portanto, eu falo sem me importar se sou escutado — falo ao grande mouco eletrônico – a internet. Boiar parece-me inferior a flutuar; boiar é apenas deixar-se ir, sem luta... Tal e qual os meus escritos: as minhas palavras são boiâncias no grande mar da internet... oferecem-se, sim, é verdade, mas sem destino, sem intenção de nada!

Escrever é, em paralelo ao que diz o usurário de Dostoiévsky, um modo de falar calado, sem gritar. Gritos, para quem escreve, quase não existem... pois os sons das palavras passam apenas pelos olhos atentos [não pelos ouvidos] dos poucos leitores, pouquíssimos, pois leitura não é para qualquer um, leitura "não é osso para andar em boca de cachorro"!

___________
No amplo alpendre, as filas de ladrilhos vermelhos
com losangos brancos lembram-me trilhas sem fim,
e na rua em frente, as pedras de basalto do calçamento
têm uma lisura que enseja o toque.

Do alpendre, olho longamente as pessoas e carros
que diminuem até sumir na distância da rua que liga
a estação da estrada de ferro à saída rodoviária;
estas duas extremidades, distantes de tocar o horizonte,
são os pontos mais altos da cidade, são as saídas.
Por isso, a rua chama-se, não de direito, mas de fato,
numa extremidade, Rua da Estação e na outra, Saída.

Das duas extremidades, a gente pode partir para o mundo,
é uma mera questão de escolher um sonho!
O meu alpendre fica próximo do fundo do vale
onde passa o córrego que recolhe as duas águas,
a que vem da Estação e a que vem da Saída.
Da murada da ponte ouve-se o marulhar
tranquilo das águas do corguinho
que parece um cantarolar de esperanças...

Mas agora, eu estou no meio, no fundo do vale,
e deste alpendre, não vou a lugar nenhum.
Meninos sonham apenas;
afinal, nem têm como escapar; só em sonhos mesmo!

Escapar... ir além dos altos... até os horizontes!
Olho, com um vazio na alma,
a calçada de pedras de arenito avermelhado
molhada pela chuva que cai mansamente.

Tempo fechado, úmido, frio... Passa um cão.
Com um ritmo resoluto, passos firmes, cadenciados,
lá vai ele, na direção oposta à subida da Estação.
Tem o corpo amarelado claro,
mas o dorso molhado está mais escuro que o resto do corpo.
Segue sempre, não vacila, nem se desvia.

Ali, debruçado na mureta de ferro batido do alpendre,
e olhando na direção de uma das distantes saídas,
penso no imenso mundo que tenho à frente.
Será que os meus passos terão algum dia
a resolução daqueles do cão molhado?
Ele vinha, com determinação, de algum ponto da cidade,
e se dirigia, com segurança, para outro ponto [a sua casa?].

Os cães não pensam, é claro.
Mas aquele cão parecia diferente! Onde teria ido?
Porque não ficava em seu quintal apenas,
sendo alimentado pelo dono, na segurança da moradia certa?

Ele passa com ar de quem fez algo importante...
Em que lugar? E agora, está de volta;
não há dúvida, está voltando e não indo!
O cão lembra-me certos homens de negócios;
estes, nunca têm dúvida de que rumo tomar,
e estão sempre voltando de algum lugar
onde fizeram algo importante [eles afirmam isso].
E na chuva, usam capas elegantes
escurecidas nos ombros pela umidade
[eu já os vi assim na praça central!].
Ombros escuros... como o dorso do cão!

Nesse momento, eu invejo o cão.
Certamente, ele não se gaba de vantagens;
não extorquiu, não fez mal a ninguém!
O cão é resoluto porque não sabe que vai morrer;
mas aqueles homens sabem disso.
Sabem, mas vivem como se não soubessem,
vivem como se fossem eternos!
Será por isto que ostentam tanta certeza?

Enquanto penso e devaneio saídas e o meu futuro,
o cão subiu mais um pouco a rua, e dobrou uma esquina;
Ou seja, decidiu!
Aprendi que todas as esquinas são um caso sério...
Mas não para aquele cão amarelado!
Pensando bem, quase esqueço que é instinto,
apenas instinto...

Aquela imagem do cão no dia chuvoso
Ainda hoje me impressiona!
Eu vou voltar à minha terra
[Tenho medo de não conseguir voltar...];
e de um alpendre que olha para as saídas do mundo,
vou esperar um cão amarelado passar novamente,
e vou segui-lo, vou desvendar o seu segredo!

Só espero que ele não dobre as esquinas
da minha cidade perfeita, e me leve ao cemitério!

__________
Da minha coletânea "Araguaris(Narrativas Poéticas)" - ilustrada por Paula Baggio

... e da velha Minas, verte o mundo até hoje!
 
[Saídas]

[Ruínas: Securas e Silêncios]

 
[Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum - Fernando Pessoa — ... principalmente se forem coisas sonhas — digo eu!]

Nas ruínas, o silêncio não enseja a voz, a fala e nem o ato; o calor atroz exacerba o cheiro meloso do capim invasor do pátio das ruínas, e cria uma vontade de galope.

Contemplo as colunas quebradas, olho as mensagens que as mãos mortas deixaram gravadas nos blocos de pedra. E pelos umbrais já sem portas o vento, sopra de leve os meus cabelos... Em tudo, o tempo se estabelece pelo meu olhar interrogante; e no entanto, sou nada diante do tempo...

Mistério... A opressão do peso do silêncio e aquela trama do tempo que, apenas pela força do meu olhar, emanam das ruínas, me transportam: subitamente, o pátio se enche de gente, há agora um comércio rudimentar ali, um burburinho de mercadores e clientes, cavalos atados, aves em gaiolas, surgem alguns cães, crianças correm e vêm os fiscais e coletores de taxas... por que eles?

Porém, o zumbido de uma mosca aturde-me os sentidos e quebra o mistério, ou a minha relação com o mistério: agora, o pátio está vazio novamente! A mosca voa sobre os muros quebrados, as altas touceiras de capim-navalha, voa, voa... até que o zumbido se perde no ar, some dos meus ouvidos...

Restaura-se, por instantes, o silêncio, mas dura pouco, pois novamente, o pátio se agita, reaparece a feira, o vozerio dos negócios, os gritos, e até os coletores de impostos voltaram e percorrem a feira a cata de subornos.

Novamente, para meu aturdimento, volta a mosca; agora, o zumbido se alteia e incomoda, ela volteia sobre a minha cabeça, tento espantá-la sem sucesso; mas... estranho... onde foram todos? As pessoas, os animais de tração, os cães, os coletores de impostos, todos tragados pela voragem de silêncio que o voejar da mosca realça.

Agora, paira o silencio apenas quebrado pelo zumbido insistente da mosca e tremem as ruínas ao sol da tarde, brancura de taperas abandonadas sob o sol das invernadas...

[Nas ruínas, eu marquei um encontro comigo, paguei p'ra ver — e não me achei! Ainda bem que eu não sou responsável pelos sonhos que tenho!]

__________

[Desterro, idos de 20 de dezembro de 1997!!]
 
[Ruínas: Securas e Silêncios]

[Aroma de Chocolate]

 
[Contrapontos: um sonho, as dores do crescimento, o corte e de novo, a dor — na noite, evola-se um aroma de chocolate!]

Madrugada... acordo num sobressalto;
deitado de costas, esfrego os olhos; tateio a cama.
no silêncio da casa adormecida, os ruídos se avivam —,
estalos de madeiras, o estrídulo de um grilo na copa,

e nos outros quartos, o uníssono ressonar.
Ao longe, de pontos distintos da cidade,
os latidos dos cães parecem alastrar a noite
como se o Amanhecer nunca antes existira.

E o barulho de um carro que se distancia,
torna ainda mais vazia a extensa avenida
e deixa no ar um por quê sem resposta
que insiste em me fazer pensar na morte.

Nervoso, de olhos pregados no escuro,
reviro as cobertas numa bucha empapada de suor.
a insônia dói... a ansiedade aumenta,
o silêncio avulta em zumbidos intensos;

o vazio cresce e é tanta a sede,
que me levanto e vou até à cozinha;
a luz incandescente transtorna as coisas —,
ferem-me os olhos os gumes dos punhais

do brilho intenso dos alumínios na prateleira.
sobre a escura madeira da mesa nua,
restos de ontem —, biscoitos de polvilho,
algumas xícaras, um bule esmaltado.

Formiguinhas pretas trabalham ativamente
na faina de carregar os cristais do açúcar derramado,
e um vidro mal tampado de chocolate em pó —,
a súbita estupefação de as coisas serem sem mim!

De repente, estaca-se o escuro trem de pensamentos;
paro... abro o vidro bem devagar, fecho os olhos,
e lentamente, sorvo o delicioso aroma do chocolate...
O que me traz, e aonde me leva, esse aroma?!

Agora, a vida me parece, de novo, possível,
posso até saborear alguma [antiga] felicidade,
ter de novo aquela singela alegria criança,
aquela, que a Manhã sempre me trazia —,

a alegre corrida pelas ruas ainda sonolentas,
para chegar em tempo, antes da sineta da escola,
e assim, mais uma vez, renovar a promessa
de um dia, eu vir a "ser gente"!

Não ouso fechar a tampa do vidro de chocolate
para não encerrar a promessa de mim,
pois, neste instante, é tênue o fio da lembrança.
e para o sonho, o corte e a dor pungente,

o aroma do chocolate trescala na noite
e promete uma ruidosa esperança no amanhecer —;
a criança eu vive ainda,
e pensa que vai "ser gente"!
 
[Aroma de Chocolate]

[Às Portas de Mim]

 
O clac azeitado da fechadura
deixava lá fora a noite,
os estranhos, os perigos.
Por uma fresta no alto da porta
o dia estava indo embora...

Hoje sei bem que um tranco só
e a velha porta de duas folhas
cederia escancarando nossas vidas.
Mas quem daria esse tranco,
quem forçaria as portas de guarda
de um santuário de pobre?

Em contraponto, eu pergunto:
se hoje eu estou encerrado
na construção que me sepulta,
quem forçaria as portas
que dão para este calabouço,
quem bateria às portas minhas?

[Ninguém sabe quanto vale, logo,
ninguém paga o preço real de ninguém,
e se mais clareza me for demandada,
direi que clareza maior não pode haver
que mirar as áscuas na água do fundo
de um poço quando sol está a pino]

__________
[Penas do Desterro, 08 de janeiro de 2010]
[Excerto do meu Caderno 4 – texto 147]
 
[Às Portas de Mim]

[Ciclos]

 
Amanhece o dia,
e eu me esqueço de coisas fundamentais;
por exemplo, perco-me do sentido
daquilo a que denominam poesia...
se é que algum dia eu sensacionei
a vibração profunda desse sentido!

Mas ao entardecer, quando me bate
aquela vontade de sentar-me
ao pé de um fogo lento,
volto a respirar o sentido da poesia.

E assim, nas ondas desses ciclos,
vou me perdendo e me achando —
escrevo com o mistério da minha vida
aquilo que me escapa sempre,
aquilo a que alguns chamam de poesia!
________________________
[Desterro, 25 de outubro de 2013]
 
[Ciclos]

[Estradas]

 
Estradas... estradas várias... infinitas,
sinuosas feito as trilhas do gado nas encostas!
Estradas entrecruzadas de verdes esperanças
e de eternos adormeceres...

Algumas,
brancas como se polvilhadas de sal,
rebrilham promessas dos amanheceres...

Outras,
vermelhas de poentes tristonhos,
fecham-se em escurezas e silêncios
no sem-fim da melancolia dos entardeceres...

Estradas... estradas várias... infinitas,
estradas que me levam,
estradas que me viajam!

Meus pensamentos —
nuvens brancas no azul infinito,
fogem, levam longe a minha alma,
solta, leve, sobre os vales e os rios,
sobre as extensas paragens dominadas pelos altos
penhascos do meu Planalto Central...

Estradas sem fim,
estradas sem rumo,
estradas que não têm conta de mim...
E, no entanto, sonho em chegar!

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Revisitação da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio
 
[Estradas]

[Ela, o Porto e Eu]

 
[Nunca se deslindará a tensão entre a Poesia e a Pintura]

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O sol da tarde amortece seus últimos raios
sobre a vida agitada do cais...
No tablado à beira d’água infinita,
de costas para mim, lá está ela,

languidamente sentada sobre uma de suas malas,
com o pé esquerdo apoiado sobre a mala menor.
Quase estática na paisagem, ela olha o horizonte,
e é toda espera [vê-se que anseia].

Olho-a...
E sinto a brisa suave lamber meu rosto
que — eu nunca me vejo! — deve estar embevecido
na muda contemplação desta bela mulher.
[Eu não vi o seu rosto, mas sei que é bela].

De seu corpo longilíneo, esvoaça uma echarpe branca,
feito asas que levam minha imaginação.
Seu chapéu oculta-lhe o rosto,
mas seu corpo conta-me de sua mirada.

Para meu espanto, no cais há:
aquelas malas;
o barco;
a distância;
o vento;
ela, com sua levíssima echarpe branca;
e eu.

Nela, e também em mim — lateja a ansiedade!
Mas sei que ela partirá de sua espera,
e eu ficarei nos molejos da minha!

Mas agora, por um breve instante,
nada muda esta cena que me traspassa:
no porto, estamos ela... e eu,
que estou a ponto de adentrar essa tela!

[Penas do Desterro, 30 de novembro de 1998]

_________________
Da minha coletãnea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio
 
[Ela, o Porto e Eu]

[Futuridade]

 
[Futuridade]
 
[À memória de Augusto dos Anjos, essas “Memórias do Largo da Matriz” – Araguari-MG]

Abandonou-me a lira radiosa
em que as belas alamandas,
resplandecentes ao sol da manhã,
fariam meus versos planger alegrias!

Fugiu-me aquele alegre pensamento
que passeia, brejeiro, por entre as rosas
rorejadas do orvalho da madrugada,
e senta-se no vazio dos bancos da praça.

Desvaneceu-se do meu olhar
o poente avermelhado daquele tempo
em que as andorinhas me descreveram,
com voos rápidos, vãs esperanças de eu escapar.

Apagou-se, no instante em que eu a buscava,
a última luz da casa da ponta da rua,
essa misteriosa luz que me augurava promessas
de uma vida que nunca seria minha.

E ficou-me a dor, a cortante dor,
a dor fina da constante latência do Fim,
fria como os cortantes ventos de agosto
que longe levam a fumaça do fogão de lenha.

Dor pelo absurdo da Morte que inda ontem eu vi,
coberta de brancas e simplórias margaridas,
seguida de perto pelos homens semimortos,
a subir lentamente a infinita ladeira do Rosário!

Era o séquito da implacável demolidora de sentidos,
vazia, dura como só pode ser a morte que nos tem:
a futuridade das vaidades e de todas as miradas,
para sempre perdidas na vã caminhada!

____________
[Penas do Desterro, 26 de maio de 1999]
Da minha coletânea "Arribadas[O Passo da Volta]" - ilustrada por Paula Baggio
 
[Futuridade]

[Poema Sintético: Falando com o Cavalo]

 
É dolorosa a trajetória do silêncio partilhado...
um vida inteira pode ser tragada em silêncios atrozes...

Depois de uma longa e angustiosa busca,
depois de ermar pelas ruas noturnas,
depois de falar com os bêbados,
com os mendigos, com as putas —
analistas oferecidos para ouvir e fazer companhia —
a gente pode terminar do mesmo modo
que o cocheiro do conto de Tchekov
— contando toda a dor que sente a um cavalo!

E na falta do cavalo,
serve um cão...
E se nem um cão se pode ter,
então, fala-se, tresloucadamente,
primeiro com a garrafa, com o copo,
depois, com as estrelas e com a lua...

E se o céu aberto também se negar
por ser de chumbo [no Desterro é sempre assim!],
então, procura-se a murada de uma ponte,
ou de um viaduto... quem sabe?!

[Quanta gente o céu de chumbo
tem matado... quanta! É melhor eu
rumar logo para os altos morros de Minas...]
___________________
[Desterro, 02 de novembro de 2012]
 
[Poema Sintético: Falando com o Cavalo]

[Retrato do Abandono]

 
[Estação-Poema da vida]

A velha drogaria cerrou as portas de vez.
Na certa, o ambiente do cômodo, as paredes,
já não mais trescalam aquele odor característico
que a gente percebe tão bem em toda farmácia.

No larguinho em frente, cresce uma árvore,
um "chorão" solitário — não tão solitário
quanto eu, que bem tarde da noite,
passo devagar pelo largo da farmácia,
sem rumo, sem motivo algum
[ou há um motivo e eu não sei?].

Passo... sigo vagamundeando lembranças
de outras quadras de meu tempo,
os tempos não melhores que este,
que cada tempo tem seu sumo,
e o que fazer, se mal o aproveito?
Cada tempo que vivi, eu sei,
foi roubado à morte, é claro.

02h45...Contorno o largo da farmácia
pela esquerda; e a esta hora, encostada
no frágil tronco do "chorão", lá está
a putinha magrela que ainda tenta...

A vida é traição, e não perdoa:
tira retratos do abandono,
faz comércio com a dor.

[Penas do Desterro, 21 de maio de 2011]
 
[Retrato do Abandono]

[Poema da Rua do Esquecimento]

 
Escrevi um poema... isto é, penso que escrevi; afinal, o que é um poema... nada.

E agora, olhando o cerne da alma da Rua, concluo que tudo, inclusive um poema, é coisa à toa mesmo, e que as janelas são feitas para aerações de atoices, de poemas, e para a gente contemplar as coisas que acabaram de passar... tantas são as coisas que passam pela Rua! Até um inocente como eu sabe que o passar é próprio da natureza das ruas...

Mas o que eu ia dizendo... O poema já está escrito; abro a janela, e, com as mãos esquecidas uma da outra, mas com alguma esperança, deixo-o cair na rua; vejo o vento levá-lo até ali, depois para lá... vem gente na rua, pisa nele, e sem se deter para ler, chuta para a sarjeta. Logo, mais outra lufada de vento, e o poema vira papel caído na grama; vem o gari, com seu espeto diabólico, e dá a conta final dele.

Antes que isto aconteça, eu pergunto: será que, em vez de alimentar esperanças, eu posso fingir que esqueci o meu poema na porta [da rua] da sua casa? Ou quem sabe, na mesinha de canto do consultório médico onde você vai hoje à tardinha (sei que vai; agora, virou moda ir frequentemente ao médico), ou no caixa eletrônico do Banco? Posso esquecer meu poema com você? Posso esquecer-me de mim, com você? Posso? Não vai chutar-me para a sarjeta da Rua do Esquecimento?

E agora? Se tudo, mas tudo mesmo, até os amores da vida gente, passa pela Rua do Esquecimento, por que o cometimento de um poema? Quem é esse sujeito — o poeta? Por que não o prendem por excesso inutilidade, ou por exagero de flanação? Um reles flaneur, o poeta?!

Sim, eu sei que posso fazer melhor que isto aí... posso sim — mas para quê... A Rua do Esquecimento não merece uma sofisticação em forma de poema! Ou merece? Fundamental é registrar... registrar... registrar o passar da Rua — e nada mais!

[Penas do Desterro, 09 de agosto de 2010]
 
[Poema da Rua do Esquecimento]

[A Alma no Barco]

 
... E eis um longo poema andante, ou melhor, navegante, no qual estou sempre a trabalhar. Na verdade, o poema é ou um excerto, ou uma variante, ou autointertexto de “Porto Estrangeiro”, mas este é outro poema ...
___________________

I
Um porto,
tudo que eu queria
era um porto
para este meu barco
tão viajado!

II
Mas não...
Das minhas carnes exaustas
exige-se mais; muito mais!
Portanto, navegarei mais longe,
sem paradeiro... E um dia,
no exílio de um Porto Estrangeiro,
sonharei a volta ao meu país...
[Desterro, 11/11/1998]

____________
... E assim, a modo de quem procura
um porto em tormentosa noite escura,
desce este eu-meu-barco na correnteza
que verte desde Minas para o vasto Nada...

Sim, de Minas, dos confins do Alto Paranaíba,
zarpou este meu barco que navega nessas paragens.
feito uma alma penada, toca, mas sem jamais atracar,
nas margens de antigas cidades adormecidas.

Flutua na escuridão apenas quebrada
pelos reflexos de escassas luzes distantes
que lançam longas e brilhantes áscuas
no dorso manso e silencioso das águas escuras.

Como uma faca, a proa afronta, tenta e corta
a escuridão que se espessa na bruma cinzenta,
pairando sobre a superfície do insondável abismo
das águas profundas — sepulcro de tantos sonhos!

E segue o meu barco no sem-fim da noite...
numa súbita ânsia, a proa gira, tenta a margem,
mas não encontra guarida; retorna à correnteza
e some na noite levando minh’alma rio abaixo...

Sem o óbolo para dar ao sinistro Barqueiro,
essa minh’alma segue, só, ao desamparo,
jamais encontrará abrigo n’algum porto;
nem à profundeza do Inferno terá direito!

O rio murmura suas antigas epopeias:
dos volteios escuros das temíveis sucuris,
dos jaús-de-cama, tão criados e tão velhos
que chegam a ter pelos em sua lisa pele;

do cágado que o pescador rude e cruel,
como castigo por ele ter vindo ao anzol,
atou à raiz da gameleira para morrer
de fome e de sede, e apodrecer na areia;

das canoas viradas pelos horrendos negros d’água,
da poesia das marchas das boiadas pelas vazantes,
da bacia de alumínio com três velas acesas descendo
a correnteza em busca do cadáver de um afogado.

Histórias de rio acima que a minha inocência,
iluminada apenas pela lamparina a querosene,
ouvia, encantada, nas longas noites escuras
e chuvosas da velha Fazenda Barreirão.

Rolaram muitas águas desde as minhas origens —
estou agora em Itumbiara, às portas de Goiás;
sim, eu piso o solo do Velho Goiás do Anhanguera,
essa vastidão de mundos que só ao longe eu divisava,

enquanto conduzia uma boiada pelas mineiras
invernadas das vazantes do meu Rio Paranaíba.
distraído no compasso do trote lento do cavalo,
meus olhos sonhavam com aqueles mundos distantes...

Agora, dezenas de léguas rio abaixo, debruçado
sobre a murada da velha Ponte Affonso Penna,
este homem em que me tornei engendra futurações,
mas não se esquece das raízes que leva às costas...

E assim, de olhos cravados na escuridão sobre rio,
sou o menino que cavalgava pelas vazantes de rio acima;
mas neste instante, cá do alto da Ponte, sou o homem,
que derrama sobre o barco estas lágrimas irremissíveis.

E nas praias do Paranaíba, rio-espelho da cidade de Itumbiara,
olho céu azul profundo, e diviso, ao longe, as montanhas de Minas...
agora, o meu corpo jovem se enlanguesce sob o calor do sol goiano,
enquanto os meus olhos lambem a nudez das putas ribeirinhas...

Mas o rio é sem parar, segue como se nunca tivesse vindo,
oculta os seus mistérios e segue, não para nunca de ir;
e o rio sabe que um dia, no exílio de um Porto Estrangeiro,
eu, mineiro, chorarei por essas suas praias da margem goiana...

[Eu fico... mas a minh’alma segue ainda naquele barco]

__________

[Penas do Desterro, 18 de novembro de 1998]
 
[A Alma no Barco]

[Carrossel na Chuva]

 
O xixi do minúsculo cachorro
escorreu na borracha ressecada
do pneu do carro abandonado.

O pingo de chuva fria
que hesitava em cair da lisa folhagem,
finalmente, num rebrilho de luz,
escoou para a calçada vazia de gente.

A luz do poste da praça,
a duras penas do meu olhar interrogante,
conseguiu varar as folhas das árvores.

O carro que a minha pusilanimidade
jamais me deixaria possuir
acaba de estacionar na minha frente.
[sou fraco: ah, se eu pudesse...]

O cheiro que eu esperava ansioso
quando ela vinha em minha direção
não aconteceu.

Já sei! Já sei! Descobri
que eu vivo sem saber ter —
nunca aprendi!

Mas não saber ter
é uma maneira sentiente de ter,
ter aquela vontade espicaçante...
— de ter!

Essa vontade de chuva fina,
busca o quê?
A casinha na montanha?
A cama do aconchego?
Por que tenho essa vontade
de que a chuva seja mansa, fininha,
constante, quase fria... se estou só?

Ô loucura... Isto aqui, ó,
isto aqui é um carrossel,
um carrossel solto na chuva,
não tem fim!
 
[Carrossel na Chuva]

[A Árvore do Adiamento]

 
[Cão dos infernos! Outros haverão de agir — não eu!]

Por que hei de ser eu a fazer algo
a respeito dessa ou daquela dor?!
Os atos de todos os que me precederam
tornaram este mundo um patíbulo atroz!

Como posso eu, imperfeito, vil, reles,
malsofrido de minhas penas, querer
um mundo conforme aos meus atos!?
Ah... a fatídica danação de Sísifo!

Bem sei — tem profundas raízes
e muito ampla ramada
essa árvore sob cuja sombra
eu estou placidamente recostado.

Nem é preciso que eu me erga,
pois os seus galhos benevolentes
chegam a tocar o chão a sua volta
para trazer os frutos a minha mão.

Um arco não retesado não dispara flechas...
E assim, de ânimo lasso, passo os meus dias
a saborear languidamente os frutos macios
que edulcoram a minha inércia de viver...

Nenhum músculo meu se mexerá,
nenhuma folha cairá daquela árvore,
e os seus frutos não vão se acabar;
a menos que uma ventania...

[Rogo uma praga a todos os homens
de ação que me legaram este mundo vil;
e prometo entregar-me à total inação
para não torná-lo ainda pior!]
 
[A Árvore do Adiamento]

[A nitidez é cinza]

 
As cores em um só pó,
ou o pó de uma só cor:
sentidos que já não são!

De onde vem tanta cinza...
Nos lábios, nos olhos, nas mãos,
em tudo, tudo... e tudo
vai se resolvendo em cinza!
Até aqueles seios lascivos, macios,
quando os toco, quando os beijo,
transtornam-se em cinza...

Parece que eu perdi
a visão em "tecnicolor":
de tanto viver incertezas,
de tanta pegajosidade
em meus passos errosos,
o meu mundo agora,
indefine-se em cinza.

Nada posso fazer —
tenho cinzas no olhar:
eu caminho em cinzas,
eu dirijo em cinzas,
eu nado em cinzas,
até os urubus voam
contra um céu cinza!

É o mal de tanto viver,
ou, dá quase na mesma,
é o mal de nem morrer!
Eu deveria já ter aceitado:
toda nitidez é cinza!
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[Desterro, 11 de outubro de 2013]
 
 [A nitidez é cinza]