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Esta manhã, logo cedo, abri um novo dia e olhei em minha volta, pouco vi e nada senti. As nuvens não eram nuvens, as estrelas não cintilavam em redor da Lua, que por sua vez deixara de me olhar e de me aconselhar...
Li os vespertinos à procura de alguma notícia que me pudesse esclarecer o sucedido, mas em vão, as letras que lá vinham apenas diziam: «O Mundo, como o conhecíamos... morreu!».
Morri eu também mais um pouco que nos outros dias. Soube na altura que não haveria mais guerra ou sofrimento, mais fome... mas também não mais haveria a paz que até ontem se desejava.
É um sentimento estranho este de estar rodeado de nada, sem nada para ver, sem nada para sentir.
Deambulavam corpos pelas ruas, pedras espalhadas entre outros corpos, que não abriam os olhos, caminhavam às escuras como se fossem sombras, sem fome e sem sede, mas sobretudo sem palavras e sem sonhos.
Acho que me lembro das últimas coisas que fizeram notícia no Mundo e sobre as quais as pessoas falavam ainda... ontem - perdi-me, não sei há quanto tempo foi ontem, há quantos passos estarei a olhar para esta miséria, talvez afinal não me lembre. Julgo que se falava de algo que não era nada, nada de muito para uns ou qualquer coisa de outros, o mundo acinzentou-se e perderam-se-lhe as cores da falecida esperança.
Não sei se haverias tu ou se eras eu. Confunde-me estar aqui sentado a deitar contas aos dias que esqueci, que não me recordo se esqueci, mas desejo não lembrar.
O tempo já não é tempo, é apenas um escape que serve para passar o tempo, para procurar alguma lucidez perdida e disfarçada de lúcida embriaguez, onde as palavras perdem o sentido que nunca lhes deram e ganham nova vida num calão pederasta das ruas de má fama da baixa da cidade.
Crescem as sementes da discórdia, os Homens sentem-se atraídos por sangue numa atitude vampiresca que traz de volta o desejo de guerra para que cada um se defenda e ofenda o próximo. Renasce a vida amanhã se o houver, a constante procura pela paz e a necessidade de procriar, fazer filhos para matar e engravidar as filhas dos outros... afinal é uma teoria sócio-económica, cria-se para em seguida se destruir.
Ontem foi esquecimento, amanhã depois se verá quando se esquece. Agora existes tu e eu por cá ando também a fazer a minha guerra, a desenhar o meu horóscopo cantado em fado.
Continuo sem saber quando foi ontem, mas sempre à espera que algum dia seja amanhã porque hoje «O Mundo, como o conhecíamos... morreu!».


A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma

 
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Alemtagus
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Enviado por Tópico
Antónia Ruivo
Publicado: 29/01/2010 14:58  Atualizado: 29/01/2010 14:58
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 Re: Página 1
É meu amigo a cada dia que passa do velho mundo morre mais um pedaço e os assassinos somos todos nós. beijinhos