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Quase Outono

 
Se me encontrares perdida no topo de uma montanha, vê-a como um refúgio para os males de que padece a minha alma. Diz-lhe que também tu procuras um poiso, toca-a como se tocasses uma nuvem que descansa sobre as margens de um rio e diz-lhe de um mundo que ruiu a seus pés. É quase Outono! Contudo, ainda não sei onde semeei a dor que me traz e me leva ao centro onde mora a minha vontade. Creio que me esqueci de mim, ou que me fui embora numa viagem sem retorno.

Se todas as sementes fossem lançadas na terra e deixadas ao acaso numa sementeira composta debaixo da terra molhada, fariam a grande travessia anexada à vida que se encontra como o restolho nas baixas marés. Quem sabe veria os meus pés criarem raízes, e subiria tão alto como a gigantesca floresta dos Himalaias e ficaria lá para a eternidade. Falaria com todos os ventos e todas as tempestades que meus olhos viram, quando me perdi nas diferenças entre ser o amor, ou ter o amor prostrado aos meus pés. Quem sabe, saberia distinguir como escalar uma montanha e plantar temporais, esperando que algum momento me trouxesse à vida. Avanço na medida exacta do meu pensamento, mas nada me fará erguer os braços e nem apontar na direcção onde reside o mal, a não ser que esse mal tenha criado raízes e vicissitudes à custa de um mal ainda maior, que é saber onde perdi a fé; se no interior de cada um dos meus sonhos, se na nascente de onde vieram as minhas lágrimas irrigando a terra seca, onde enterrei o meu corpo. Há momentos que me trazem outros, mas esses, eu renego porque me sinto como um meteorito a rasgar as entranhas da terra, que me mostra tantos outros caminhos e eu nada vejo. Fechou-me os olhos para sempre, esta cegueira migratória por não se saber digna do maior bem que reside abaixo dela - a liberdade de criar raízes e voar rumo ao céu onde me espera a minha alma.

Se ao dar um passo em frente, me encontrar bem no meio do círculo desenhado pelo meu ângulo de visão, esse será sempre à custa de novos traços, equiparados ao movimento que a minha alma dá, ao acordar no cimo da montanha. Mas se der um passo em falso, e cair no vácuo onde enterrei o meu corpo, isso será um sinal, de que o retrocesso é imediato e a dor que caminha ao meu lado, me levará à terra onde meu corpo descansará até a próxima colheita.


http://seilasaigao2.blogspot.com/
 
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ÔNIX
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Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 28/09/2010 13:41  Atualizado: 28/09/2010 13:41
Usuário desde: 22/08/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 3357
 Re: Quase Outono
olá Dolores,

e assim se faz o retorno colhendo sempre os vagos de vidas em sofrimento...o crescimento depende da mente.

gostei muito

beijo


Enviado por Tópico
JBMendes
Publicado: 28/09/2010 14:10  Atualizado: 28/09/2010 14:10
Autores Clássicos
Usuário desde: 13/02/2010
Localidade:
Mensagens: 5222
 Re: Quase Outono
Querido poeta Onix - Adorei o seu texto, eu disse que gostaria ser um jequitibá e ter de novo 18 anos em cada primavera e nunca morrer, mas dormir eternamente nos vales da nossa terra.
Um abração
JBMendes


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 29/09/2010 12:06  Atualizado: 29/09/2010 12:06
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11076
 Re: Quase Outono
Dolores,
Interpreto-te sempre num plano transcendental que muito me fascina.
Beijinhos
nanda


Enviado por Tópico
Beija-Flor76
Publicado: 01/10/2010 20:31  Atualizado: 01/10/2010 20:31
Membro de honra
Usuário desde: 23/02/2010
Localidade: PORTUGAL
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 Re: Quase Outono
Belissimas reflexões numa prosa poetica e perfumada.
comungo dos teus sentidos e sentimentos, pelo menos até á proxima colheita.

Beijinhos
Beija-flor


Enviado por Tópico
Massari
Publicado: 02/10/2010 13:05  Atualizado: 02/10/2010 13:05
Colaborador
Usuário desde: 07/12/2009
Localidade: Sertãozinho/SP
Mensagens: 1089
 Re: Quase Outono
um texto que ratifica a sua capacidade de levar e elevar o leitor a outros planos, abordando, com leveza, as inquietações da alma.
E em terra firme o corpo aguarda a próxima colheita.

um abraço