Poemas : 

Noites Em Satírio Boémio

 
Anda tudo ainda um pouco confuso.
Não há tempo para pensar, nem para abrir os olhos.
Em desgraça, vai-se caindo. E entre um grito que se lança e outro que se prende, vai-se ficando.

Em cima da joelhos assustados, eu caio.
Vejo a dor em olhos e almas que se desejam libertar ou da vida que se arrependem de ter vivido ou do que pensam que os prende da vida que querem viver.
E reconhecer a sua doença, eles não conseguem.

A morte sangra em redor deles, enquanto os abutres do tempo esperam para atacar, para comer cada bocado que fique quando eles já se tiverem separado em quatro caminhos opostos em prol de um sentimento tão persistente de revolta.

Não, não me sinto bem. E isto vai-me mais além da mente.
As estrelas contam-se lá no céu, mas eles já não sabem contar. Eles já não vêem a luz, talvez por viver morta e chegar apenas milhões de anos depois. E é assim que eles vivem, no ânsia dessa luz que não parece chegar com o tempo e que já morreu, embora toda aquela esperança.
Perderam também os olhos, até mesmo para ver as suas almas escuras.

Não, não percebo como se afastaram tanto, como o ódio se instalou e persistiu em ficar em cada espaço de palavras cruas, que vão saindo soltas.

Eu tenho-me apercebido que já não sei falar. Que as palavras me escapam como me escapa o controlo desta vida.
Parece não haver alguma esperança nesta noite estrelada e um poeta sabe que a ausência de esperança leva à morte de uma alma, virgem ou já corrumpida.


Eles gritam, eles gritam tanto e, ainda assim, eles não conseguem ouvir.
Talvez nunca irão.

Eu desejava poder caminhar para longe. E entre esta realidade e a ficção, há tanto melhor no mundo do céu sem limites, das barreiras derrubadas!, da fantasia...
Estão amargurados com a vida e arrastam-se uns aos outros para a cova, grande o suficiente para enterrar sonhos do tamanho de corpo e alma! De um livro inteiro...

Um foi poeta, uma vez. E vê-se agora impotente, deixa-se até tarde em frente ao televisor porque já não tem de se levantar ao som do alarma, de manhã cedo.
Aquele televisor não lhe diz muito, diz-lhe apenas as desgraçadas de outrem, entretêm-o, dizendo-lhe, por vezes, o que ele não quer ouvir, mas nunca soando às vozes daqueles que o atormentam e lhe pesam nos ombros.
E isso basta-lhe.

Outro teve um dia o mundo nas mãos, sonhou em ser grande e sente que podia ser muito mais do que a sombra do que é hoje. E reage sobre o seu passado, atormenta-se sozinho, lamenta-se eternamente e culpa-"o" por não se ter tornado quem projetou ser. Amargura-se e intitula-se de escravo dessa vida que vive.

Outro ainda, por sua vez, limita-se a enfiar a cabeça nos livros, a calcular, a matematizar, pois os números não são letras nem lhe gritam ou retratam aqueles de quem deseja distância. E não cresce. Não tem confiança em si. Ri-se dos outros para se sentir bem consigo mesmo. É ridículo, grita sem motivos. É agressivo.

Por fim, outro é um novo poeta, na sua sombra, no seu quarto e, de lápis na mão, também rabisca rostos que lhe agradam, ou que lhe retratam a tristeza, a angústia, o desespero. Rostos que transmitem beleza, harmonia, ou a dor em toda a sua nudeza.
De dia é uma sorridente pessoa que interage, que é eficaz em incomodar os que o rodeiam só para que não se saiba que, por detrás daquele sorriso, se escondem pesadelos e que o faz para manter as pessoas longe, longe o suficiente para não sentirem a dor na sua pele ou para a aumentarem.
Afasta o mundo pela sua atitude demasiado extrovertida, enquando ela sabe que vive na amargura de não ser nada para além ódio materializado, desfazendo-se em lágrimas que escorrem para a almofada, à noite.

Andam em círculos e quanto mais andam, mais se cansam e se consumem. Procuram caminhos para sair dali, para se separarem.
Mas o que não sabem é que tanto ódio mora ao lado de outro tanto amor.
Assim, vão-se matando por esse amor que se esconde na sombra de tanta repugnância.

E quando se matarem, nada ficará. Nem gritos, nada. Haverá apenas vazio e tudo ficará claro.
Mas, por enquanto, ainda está tudo tão confuso.

Lau'Ra
 
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Lau'Ra
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