Contos : 

Ter Poucos Desejos e Encontrar Satisfação Nas Coisas Simples

 
O desejo é uma árvore de frutos estranhos. Primeiro, porque eles são belos. Segundo, porque eles não saciam. Terceiro, porque eles são mortais.
Todos os melhores pensamentos humanos sussurram: "Não deseje... não deseje... Traduza esse pensamento em filosofia e você terá a ataraxia. Traduza em religião, e terás o Cristianismo, com o seu "Larga tudo e me segue", o Budismo com a sua "Ausência do ego", e A Teosofia e o seu "mundo dos desejos".
Acostumado a meditar longamente sobre as Secretas Verdades Escolhidas, Esqueci-me de tudo o que se diz nas obras manuscritas e impressas...
Acostumado por muito tempo a aplicar toda nova experiência ao meu próprio crescimento espiritual, esqueci-me dos credos e dos dogmas...
Acostumado por muito tempo a conhecer o sentido do Indizível,
esqueci-me do meio de achar as raízes dos verbos e a fonte das palavras e das frases...
Eis um conto:
Para matar um ogro, um guerreiro precisava alcançar uma árvore de frutos belos e doces. Nenhum ser vivo poderia resistir ao aroma exalado das frutas. Nem mesmo os monstros mais terríveis. Mas bastava um pequena mordida, aliás, muito menos do que isso. Bastaria o mais leve toque dos lábios com a casca do fruto, para sucumbir imediatamente ao seu veneno!
Ele fora alertado sobre o poder de persuasão que exalava da árvore:
-Ao encontrar um arbusto de hortelã, amasse as suas folhas e coloque no nariz. Talvez isso salve a sua vida! - foi lhe dito.
Mas ele havia enfrentado demônios terríveis, por que deveria temer uma simples árvore? Foi o que pensou. Por isso, não seguiu o conselho, e passou direto pelo primeiro arbusto de hortelã que vira, e por todos os demais que veio a ver.
E ao entrar no desfiladeiro estreito que se alargava num pequeno bosque, eis que um cheiro maravilhoso assaltou-lhe as narinas. Era o aroma mais doce, penetrante e arrebatador jamais sentido por ser vivo algum! Comeria-se uma pedra, se uma gota de essência deste aroma fosse pingado sobre ela, e mesmo morrendo, sem os dentes na boca e a gengiva sangrando, ainda tentaria dar uma última mordida na pedra. Eu sei, porque eu estava lá!
Mas o aroma celestial vinha de uma árvore bela e frondosa. De uma copa larga, aberta como asas, de folhas claras e verdes que balançavam com o vento. Cujos frutos eram amplos e carnudos, de um vermelho brilhante que hipnotizava o olhar, e redefinia a palavra beleza e todos os seus atributos subjetivos, tornando-os objetivos, palpáveis e concretos! Nada havia de mais belo e desejável sobre a terra!
Mas é claro, pensou ele: Todos os avisos alertando-me da árvore foram apenas para impedir que dela eu retire um fruto e me deleite. Por que aqueles que me avisaram desejam tê-la somente para eles. Enganam-me, maldizendo semelhante manjar da natureza. Sabiam que eu passaria por este caminho, e por sua vez criaram a história, tomados por medo de eu descobrir esta beleza e comesse todo os seus frutos!
Ele tomou um fruto na mão. Doía-lhe o coração, a cada segundo que perdia, por não levar o fruto à boca e degustá-lo. Saíam lágrimas dos seus olhos, só de se imaginar sentado ali, encostado no tronco da árvore, comendo cada fruto que caísse, eternamente, ou até estourar e morrer, que diferença faria? O importante era estar lá.
Ele o levou aos lábios, salivava como uma cascata num dia de chuva, mas um estranho barulho perturbou o seu sossego e quebrou o seu transe.
Um homem velho, numa carroça humilde e simples, vinha cantarolando pela estrada esburacada, e o barulho de sua melodia, aliado aos batuques da velha roda de madeira ao bater nas rochas e buracos, acordara o guerreiro. Foi só assim que ele percebeu a verdadeira paisagem que o cercava. Uma odiosa e decrépita árvore, cercada de esqueletos e corpos putrefatos em pilhas um sobre os outros. Tudo mergulhado em cores mortas, como musgo escuro que cresce sobre um fungo debaixo de uma raiz podre e úmida.
Largou imediatamente o fruto no chão, com um pesar tão grande e um espanto tão inconsolável, que só pôde perguntar ao velho:
- Por que não foi afetado pela árvore?
-Uma vez que se resiste a ela, nunca mais se é afetado pela sua sedução. Às vezes, eu passo por aqui, nas minhas viagens. Sempre achei que havia um motivo por eu ter vencido ela na primeira oportunidade. Hoje eu sei qual foi.
-Qual foi?
-Salvar-te hoje. Agora sigas, cumpra a tua missão, pois sinto que tens um propósito. Porque, finalmente, sinto que cumpri o meu hoje aqui.
O guerreiro seguiu o seu caminho. Se venceu o ogro eu não sei. Penso que sim, claramente havia um propósito na vida dele. Se não, ele teria ficado por ali. Eu continuei, de vez em quando passo modestamente por certos caminhos, sem levantar suspeitas, assovio uma coisa ou outra, aos trancos e barrancos e em surdos barulhos vou quebrando transes. Talvez haja um propósito maior naquele que eventualmente me ouvir. A simplicidade venceu a soberba naquele dia. Nos dias mais importantes, isso acontece.


j

 
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London
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