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1990

 
1990
11 de janeiro de 1990
Sem querer toquei na nevralgia da minha alma, com os olhos rasos de memória, repassei meu passado e redescobri o poeta adormecido dentro de mim. Nesta tarde de quarta-feira entre barulhos da serra elétrica, batidas de martelo e a companhia da Universidade FM, exploro o meu lado artístico até então obscuro, o meu talento para arte da poesia é viva, cabe a mim sai desse marasmo a qual me encontro.
Tentarei organizar-me através da minha arte, encontrei o meu maior tesouro, os originais do meu melhor livro de poemas, a felicidade adentrou-me quando encontrei o artigo publicado há cinco anos, num suplemento literário do jornal “Estado do Maranhão” – onde o reverenciado poeta e editor reverencia o meu livro “Itinerário Poético e Espiritual do Desterro” onde tece merecido elogio a minha humilde obra, infelizmente ainda inédito.
12 de 01 de 90 – quinta-feira
Estamos numa noite enluarada, sob a lua comungada com os nossos sonhos. Sobre a torre branca da Igreja do Desterro, o céu num azul celeste escuro, os postes do anel viário, a bateria da Flor do Samba afinando-se para mais um dos muitos carnavais. Roberto Carlos cicatriza as minhas sensibilidades.
15 de janeiro de 90
Preguiçosamente curto esta segunda-feira, sem vontade de nada fazer, somente dedicar-me a minha indigesta profissão de poeta. No sábado, li um artigo inteiramente sobre a vida do mestre irlandês James Joyce, apaixonei-me perdidamente pela literatura que esse maldito caolho de Dublin fez. A noite após a exaustiva banda de sábado.

FEVEREIRO

Fevereiro de 1990 – Sexta-feira
Renascendo dos sonhos, pretendo iniciar a pretensa obra literária. Há pouco li, um artigo sobre o lançamento do novo livro do genial colombiano Garcia Marquez, fiquei excitadíssimo com a ideia de escrever o “grande” romance maranhense e assim alcançar o meu verdadeiro lugar na literatura nacional. Vanerrima, minha musa e companheira atual não acredita que eu faça tal coisa. As vezes eu mesmo implico-me com pensamentos negativos. Não sei, as vezes penso que irei pirar se não fazer determinada e pretensa obra.. A minha prosa continua fraca. A poesia aflora de vez enquanto, numa linguagem cem por cento minha. O projeto P parou por falta de grana. O meu vizinho estar encarregado de xerocara o original. Ainda estamos na primeira fase. Vejo melancolicamente “Os Embalos Continuam...” na expectativa da chegada de Sra. Vanerrima, que se encontra desenvolvendo seus trabalhos de cobrar os inadimplentes, os seus eternos devedores.
Concluir que Joyce é Joyce e eu tenho muito caminho a percorrer. Devaneio a esperança de um dia ao menos experimentar a sensação de escrever algo substancioso para engradecer a arte literária. As ideias fervilham eletricamente e sempre que tento passa-las para o papel, ocorre o fenômeno que atormenta todo aspirante, o de não saber desenvolver o tema como concebido mentalmente. Existem barreiras que tem de serem superadas. Uma dela e a continuidade do exercício.
Fevereiro de 1990
Segunda, uma das milhares de segundas que vivi e vivo modorrentamente despojado de frescuras do mundo, tento mais uma vez compor logo que já virou rotina. Chilar-me numa segunda, não ir a oficina a tarde e escrever até cai profundamente no sonho sobre os meus sonhos.
Sabado passado, enquanto bebíamos umas cervejas no boteco de Zequinha Rabelo no canto da Rua Afonso Pena com a travessa da Lapa. Dona Van despachou a primeira remessa por uma carroça da mudança trazendo uma geladeira. Um momento histórico, mais uma nova residência, desta vez ao lado de minha nova musa Dona Vanerrima, uma lourinha branquinha cearense de trinta anos, modelo perfeito dos meus sonhos. As sete horas da noite, quando os foguetes explodiam brilhantemente no céu do Desterro, anunciando a saída da sua extrovertida banda, na rua Afonso Pena, a do Grafite descia com uma enxurrada de seres e espécies multiformes e bicolores como nos filmes de Felini. Nós, eu e Karrin descarregávamos e ajustávamos os moveis da sra. Nérrima na nova e acolhedora casa localizada na Rua da Saúde – uma porta e janela bastante ampla: uma sala onde ficará a improvisada a pequena boutique, um corredor que leva até a copa-cozinha e banheiro, passando logico pelo nosso ninho, um quarto de bom tamanho e no fundo um exíguo quintal todo encimentado com uma caixa d’agua de amianto. Os outro moveis vieram num pequeno caminhão e conseguimos uns amigos que nos ajudaram a transferi-los para dentro do nosso novo lar.
Antes das nove horas da noite, recebemos a primeira visita oficial, do mestre Salomão Solon e a família com uma amiga da esposa que procurava uma casa ou quatro para lugar. Vanerrima banhava-se nua no quintal as escuras perto do tanque.
- Não, não sei – respondi ligeiramente e se despediram. Depois do banho fiz uma surpresa para a minha amada a convidei para jantarmos num restaurante gra-fino Xique-Xique no São Francisco para devorarmos uma saborosa tabua de carne de sol ao leite, uma delicia que dava agua na boca dela ao ver a propaganda na tv. Fomos e viemos de taxi e na manhã seguinte almoçamos sardinha de lata com ovo e macarrão. Gastei todo o meu salario de uma semana como soldador no barracão da Turma do Quinto. Mas valeu apena ver os olhos dela brilharem de alegria.
Estamos a véspera do Carnaval e trabalho noturnamente e nesses últimos dias tenho voltado cedo, devido a falta de material. Van chegou ontem de viagem e trouxe novidades. Na sala ouço as vozes das clientes extasiadas, exilo-me na cozinha, tento recompor o meu diário, mas uma preguiça braba me acompanha, sinto-me inútil literariamente. Não sei o que esperar do futuro. Abasteci-me na tranquila tarde que se desenrola-se entre a balada nostálgica da finada Elis. Preocupo-me com o não pagamento dessa semana. Venceu o lauguelk da oficina e não aparece nenhuma boa encomenda. Lord Karl desdobra-se na ociosidade com sonhos de um dia ganhar na loto e ficar milionário. Sonho no sonho do sonho que nada me leva, a poesia envolve-me no próprio poema.

 
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efemero25
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