Problemas, problemas e problemas e nada mais de que problemas – assim estava a confusa e traumática mente do Sr. Con depois que soldou o quadro de cantoneira do portão das pixixitinhas e antes uma solda no quadro da bicicleta do agoniado Seu Raimundo. Chuviscou a madrugada toda e o céu ainda enferrujado, sem sinal do sol.
A foto do sacana do poeta Constantino ou melhor Sr. Con correu o mundo e teve mais curtidas e comentários de que meus textos insípidos que escrevo sobre ele. No dia seguinte ao visita-lo na oficina, encontrei-o transtornado e ao ver-me foi logo me perguntando:
- Quem te autorizou a postar uma foto minha, seu filha da puta?
Tentei contornar a situação, mas não queria ouvi nenhuma explicação e continuava a insultar-me de uma maneira que me vir obrigado a sai de fininho.
Encontramo-nos casualmente dois dias depois no box de Seu Raposo, tentei evita-lo, mas chamou-me, achava-se em estado de graça depois de algumas latas, polidamente pediu-me desculpa, alegou que agiu irracionalmente sobre efeito de uma ressaca e advertiu-me como um mestre escola para nunca mais postar uma foto sua sem sua previa autorização:
Ainda escuro quando começou tirar os livros da estante de madeira e espalhando-os sobre a escrivaninha e a cadeira. Vão rebocar a parte alta do seu adorável ninho. Desmontou também a cama. Oh! Coisa chata essa coisa de reforma. Ele detestava. A senhoria o pressionou e até foi chamado pelo impassível Sr. Vince afônico devido uma constipação. Nesse rebuliço esqueceu onde colocou o “Planeta do Sr. Sammler” então resolveu levar “As Aventuras de Nick Adams” do grande mestre de Oak Parks, Illinois – Hemingway, um revolucionário literário que criou uma linguagem própria, a chamada “telegráfica” – amigo de Joyce, morou muito tempo em Paris, como correspondente e intimo de Fiitzgerald, que o encaminhou para o seu editor Max Perkins, que publicou o clássico “O Sol também se levanta” uma das maravilhas da literatura moderna. Con o reverenciava e o relia constantemente para aprender a técnica. Mas parece que nosso amigo não conseguia. Uma pena – também preguiçoso, em vez de insistir preferia encher a cara e ficar zanzando etilicamente. Tinha seus motivos e não vamos entrar no mérito da questão – como sempre dizia-me: “Cada um carrega a sua cruz e eu carrego a minha.. lata de cerveja”
A tarefa da manhã, cortar a chapa para encaixa-la no quadro do portão. Um serviço chato que requeria muita precisão e paciência para manejar o martelo e a talhadeira. Nada de afobação – refletiu ao chegar na oficina, sentou-se. Analisou todas as situações e friamente como um neurocirurgião começou a delicada operação. Suando a cântaros, cortou a primeira, são três e resolveu parar – o cansaço era demais para o seu pobre corpo velho - Decidiu que adiantaria as letras MP do ferro de Dona Bilu. Respirou fundo e bebeu o café com leite que Mozabila lhe trouxe e o cumpadre deixou-lhe o pão.
Uma coroa branca e apetitosa, toda apertadinha numa justa calça de moleton, toda sardenta de óculos na ponta do nariz, do jeito que o poeta gosta – “Ah se meu dinheiro desse” lamentou-se mentalmente, levantando-se da cadeira e ficando em pé na porta para admirar o seu belo derrière. Desiludido voltou a sentar-se e com a mão no queixo ficou a pensar; “Também todo o pouco dinheiro que pego é só para beber” Foi interrompido pelo Bom Sapateiro Oswald que parou no meio da calçada e ficou a olha-lo e a rir e foi embora para o seu atelier dentro do mercado, onde Con já alto sempre o perturbava. Do outro lado a seria professorinha da street 25, toda compenetrada, cheia de não me toques, deslizava, balançando sutilmente os cabelos sobre os ombros, cara fechada para não dar intimidade. Con fez apenas um muxoxo e apanhou um livro sobre as falcatruas do velho mafioso Sarney – o Dono do Mar.. anhão – Apesar de tudo Con o respeitava, afinal o homem foi presidente da república. Um fato bem inusitado, que ninguém esperava.
- Eh! Campeão – saudou-lhe o carroceiro Barrabás montado garbosamente na sua encardida burra branca.
Aprontou as letras e as ferrou com tinta preta no pano do armário. Faria o acabamento, juntamente com o outro do senhor de Viana no sábado na oficina de Karl no bairro do Portinho, centro. Gasparetto de volta do trampo, conversaram sobre política. Na pensão, o pedreiro Zé Grandão e o ajudante Gato Guerreiro davam o grau nos seus aposentos. Com a ultima cédula de dois reais correu até Valdecir e comprou uma latinha. A senhora Vince no seu pé para cortar os canos enferrujados de uma estante que ela lhe deu para substituir a de madeira, que mdf esta se esfarelando.
Con dormira bem, pois não fizera a siesta depois do almoço. O quarto estava uma bagunça, um enorme andaime aramado bem no meio e a cama sem os colchões. O chão embolorado pelas massas de cimentos que caiam do reboco quando o pedreiro Zé Grandão a trolhava. Passou a tarde navegando no you tube assistindo documentários sobre a vida selvagem nas planícies norte americanas e sobre as expedições polares – a briga entre Peary e Cook pela conquista do Polo Norte e de Amundsen a Antártica. Além da estante de cano que serrara os pés enferrujados, ganhou também um colchão de mola e um lençol da bondosa senhoria.
Um monte bosta de jumento jazia a beira da calçada em frente a casa da família de Estranho – na esquina da avenue Sarney Filho e 18 street – na lateral da praça das sete palmeiras. Mas abaixo na mesma avenida entristeceu-se ao reconhecer o seu amigo, o pintor Valdir dormindo candidamente com as mãos no peito na calçada do bar de Dona Jurema. Cena deprimente que já vivenciara na época do álcool passado. As sete e meia da manhã encerrou o expediente, após cortar a segunda chapa, a do meio do portão. Tranquilo com a consciência, pois ontem a tarde falara com uma das donas do portão e comprometeu-se a entrega-lo na próxima semana, sem especificar o dia. Malandro!
Seu Raimundo da bicicleta gostava de conversar com Com, este o ouvia com atenção e respeito que ele tanto prezava – rememorando a sua infância dura no interior do município de São Bento. Aos sete anos, acordava as cinco horas para trabalhar com o pai e o irmão mais velho na olaria, fazendo telhas e tijolos de barro. As dez horas, os três iam pescar num campo, cada um com um improvisado caniço e o cofinho de palha na cintura. Horas depois retornavam para a casinha de adobe, deixando os peixes aos cuidados da mãe e da irmã. Comiam umas bananas com farinha e voltavam para a lida na olaria até as seis da tarde. Banhavam-se no rio e casa para comerem o cozidão de jejum feito no leite de coco e cebola de jirau. E dormiam, nas suas redes. O pai não bebia, apenas mascava fumo de rolo, muito rude e de poucas palavras, qualquer atrapalho a bofetada comia em riba da cara. E assim foi criado:
- Meu caro barbudo, eu não mudei o meu jeito. Sempre fui assim. As vezes asso meu peixinho na brasa da lenha. Mas tem gente que vem para cidade, que ser todo importante, não come qualquer coisa. Eu não – Ele tem quase oitenta anos, baixinho, encarquilhado, ainda bem disposto vai pescar com os amigos, apesar de não ouvir e nem enxergar bem não depende de ninguém, mora sozinho é viúvo, mas tem uma namorada com quem se encontra todas as sexta-feira para beberem e comerem a vontade. Não relaxa a sua bicicleta Monark, a companheira de mais de quarenta anos, desde quando era vigia no Mercado da Vila Palmeira. O pulso e a mão direita continuam inchados. Teimoso reluta em procurar um medico. Não desce mais ladeiras, pois não tem força para pressionar o manete do freio traseiro.
- Meu caro barbudo, hoje vou comer comida de puta... arroz com salsicha –Deu uma gostosa risada, levantou-se acendeu o cigarro com dificuldade e saiu empurrando a companheira.
Os habitués quase não deixaram Con reler Hemingway e seu alter-ego Nick Adams, a infância a beira do exuberante lago Michigan, pescando com o pai, que era medico e também como ele se suicidou com um tiro de revolver.
Con hesitava se pedia ou não dez reais emprestados do seu Costa, o barbeiro vizinho. Depois que fechou a oficina o encontrou em pé da porta do salão:
- Seu Costa, dá para o senhor me emprestar dez reais até quarta-feira?
Houve um silencio constrangedor, Seu Costa bateu no bolso da camisa.
- Sim, seu Costantino – entrou no salão, abriu uma gaveta e estendeu a cédula de dez para ele.
- Obrigado, Seu Costa. Se alguém procurar por mim a manhã, diga que vou chegar as onze.
Despediram-se. Com aliviado subiu a ladeira com uma sacolinha, levando as letras dos ferros de gado para faceá-las no esmeril na oficina de Tio Karl, no bairro do Portinho, centro. Na pensão, o pedreiro Zé Grandão caiava com cal plastificado a sala do computador e sr. Kanf retelhava o telhado da cozinha, tirando umas goteiras. Deixou as tralhas sobre a cômoda e zarpou para o mercado, molhar a garganta. Bebeu uma dose de agua de fogo com o pedreiro Hal e Marcos na Praça do Bacurizeiro.
Ao entrar no comercial de Bruno dentro do mercado fui surpreendido pelo irmão dele que me perguntou:
- Cadê o Sr. Con? – fiquei em estado de graça, disse que estava lendo as minhas crônicas e o melhor gostando. Que legal. Quando falei isso para ele resmungou como de seu costume:
- Que porra de reconhecimento, eu quero é beber uma lata – saiu para comprar umas no próprio Bruno. E o irmão o reconheceu pela foto.