Joana
vivia longe,
longe de si,
tão longe
que o reflexo do espelho
demorava estações
a abeirar-se do olhar.
era tão bela,
ninguém sabia,
nem mesmo ela.
Joana
não casou,
não namorou,
era anjo
e nunca percebeu
a beleza das suas asas
nem o desgosto das suas lágrimas.
às vezes,
só sabemos ao certo
o que é bom
quando o mau está por perto.
Joana
desviveu sozinha
toda uma vida,
com medo de viver
um erro errado.
Joana
deveria ter
partido o coração,
calejado o peito
com os erros,
vivenciado os momentos,
embriagando-se,
fumado chamom,
perdido a virgindade em cima de um capô.
devia ter perdido a cabeça,
achado o coração longe da testa,
lutado,
chorado,
perdoado,
no singular
e no plural,
em qualquer outro tempo,
conjugado consigo mesmo.
afinal,
viver
é mais que uma obra de arte,
é uma arte borrada, redesenhada,
feita de rastos de borrachas
e tentativas falhadas.
até pode ser mais bonita
aquela tela pura e limpa,
por abrir,
do que
aquela tela
riscada e usada.
mas o quadro das nossas vidas
é assim,
feito de rabiscos,
de ravinas de cor,
de amores desfocados,
de linhas e pontos
desalinhados.
na galeria dos sonhos tentados
cabem todos os quadros,
menos os quadros inviolados,
sem um risco, sem um estrago.