I
Enquanto vou encontrando resquícios
Do tempo que eu estava um tanto insano
Percebo, pouco a pouco, que os vícios
Cobravam de mim, óbolos em anos.
II
O siso concorda, sem dano aparente,
Com quem mente e ressente, em desatino;
Na mente que cansa, no olhar que consente,
Ecoa o rastro de um riso mofino.
III
Muros escuros se erguem na lembrança,
Picadeiro onde a vida me devora;
Do ventre do dia renasce a esperança,
E no zênite o pranto ainda chora.
IV
A brisa da noite acaricia a rosa,
Nascida sem jardim, em chão vazio;
Na hora violenta, na dor silenciosa,
O vento é canto no deserto frio.
V
Chove lá fora em tamboril ardente,
Essências da China em delírios voam;
Teatros mambembes desfilam na mente,
Palhaços e versos no circo ressoam.
VI
Não sei se sou riso, se choro perdido,
Se hoje sou mar, amanhã desvario;
Se sou feito de ferro, desperto ungido:
Deixei uma porta no ócio e no... Cio!
Gyl Ferrys