Do sangue que flui no meu corpo
Apenas um terço reza por ti
Outro lava-me por dentro
O último carrega-me a vida
Nesses vasos, o líquido escuro
Corre, sobe, não cresce, mas esmorece
De cada vez que te oiço longe
De cada vez que te vejo nada
O líquido espesso, vermelho, foge
Tento que pare, que fique comigo
Que fique em mim, nos tubos
Respeite os diques e se recolha
De nada valem meus esforços
O fluido tem vontade própria
A voz de comando não é a minha
Esconde-se atrás de mim, em mim
Por isso, quase me dissipo;
o sangue cobre o chão de madeira
Torna-o de uma cor desconhecida
De que não gosto e que não quero
Vozes surgem agora na minha cabeça
Várias em simultâneo, mudas
Não reconheço nenhuma pelos pés
Não me deixam sair, a cor dos pés
Em vez disso, olho o teto branco
É um quadrado que avança recuando
Em retângulos disformes diferentes
Sem cor, ausentes, de fora
Não sei onde estou, nem porquê
Ninguém me fala, ninguém me vê
Não sei quem sou, nem quem me chamou
Só sinto a cor escura que me inundou
Afogo-me naquela cor
Que não cessa de fugir de mim
Copiando-te os passos, razão desconhecida
Vou aliviada, sem dor ou sabor
Sem ti ou terço que não mereço
Pecadora, perdida e desorientada
Maldita, esquecida e deitada
Depois levantada por diabretes
Orientada por voadores tapetes
Lembrada por quem me amou
Achada por quem me procurou
Pecadora ainda e sempre
Com sangue vermelho nos vasos
Ainda a construir diques
Na forma de vitrais
Para minha proteção
Para tua defesa
Até à próxima morte
I got that feeling
That bad feeling that you don't know (Massive Attack)
Entre o poema e a música: uma questão de perspetiva.