Não sou refém do passado
Nem estou preso ao futuro
Recuso viver de enfado
Sentado, em cima do muro
Eu quero olhar para cima
E ver cada vez mais fundo
Eu quero lançar uma rima
No verso que me confundo
Quero dormir até tarde
Acordar ao sol nascer
Quero morrer sem alarde
Viver sem nada temer
Quero amor, mar, mangue
Comer queijo e goiabada
Dormir à lua de sangue
Lendo a frase inacabada
Por um vintém sem valor
Quero vender o que é vão
Jamais possuir por amor
Prender a quem dou a mão
Quero esvair meu destino
Esquecer o que lembrei
Encontrar-me clandestino
Lembrar o que nunca achei
Quero ouvir histórias loucas
Alegrar corações mudos
Dormir de meias e toucas
Acordar dono do mundo
Ao querer ficar em paz
Mas sei, a vida é guerra
Por mais justo que se faz
Nunca há paz nesta terra
Mas eis que tantos desejos
Se fazem corrente, grades
Gaiolas em meus ansejos
Tornam muros liberdades
Pois o querer vira prisão
E a lista me prende aqui
E o real, essa mansão
É uma cela que não pedi
A loucura é querer tudo
A lucidez é o aceitar
O desejo é mais agudo
Quando espera saciar.
Descubro, enfim, o sinal:
A lista não era o alvo
Escrever o querer, afinal
Era o meu porto salvo.
Souza Cruz
Um poema para quem espera presente de Natal. Presenteie-se a si mesmo.